O anúncio do sorteio das cadeiras cativas no Maracanã, previsto para a próxima quinta-feira, deve abalar um esquema de vazamento e comercialização em grande escala dos assentos para grupos de turistas ou torcedores no entorno do estádio em busca de lugares na parte central do novo Maracanã. A reportagem do GLOBOESPORTE.COM adquiriu ingressos com a estampa de “venda proibida” para quatro partidas: Fluminense x Ponte Preta, Botafogo x Vasco, Botafogo x Flamengo e Botafogo x Atlético-MG através de cambistas e duas agências que oferecem os serviços: Follow Me Rio e Angramar. O secretário de Esporte e Lazer, André Lazaroni, enviará ofício para a Polícia Civil no início desta semana pedindo abertura de investigação.
As cadeiras cativas constituem a única parcela da operação de ingressos do Maracanã que continua sob responsabilidade da Suderj, que se encarrega da entrega dos bilhetes aos proprietários. O órgão recebe entradas impressas para todos os assentos cativos. A empresa que fabrica e repassa as entradas para a Suderj é a Outplan, através da marca Futebolcard, que se reporta à IMX, integrante da concessionária que administra o estádio. Em reportagem veiculada pelo RJ TV, da TV Globo, na última quinta-feira, proprietários de cadeiras cativas relataram a falta de ingressos para troca minutos antes do jogo entre Flamengo e Botafogo, pela Copa do Brasil, o que provocou uma fila de insatisfeitos no portão onde deveria ser feita a retirada dos bilhetes.
Em todas as entradas de cadeira cativa, além da estampa “venda proibida”, está escrito: “Proibida a revenda nos temos do artigo 41-F da Lei 12.299/10. Diz o artigo:
“Vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete:
Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa".
Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa".
O valor estampado nos bilhetes para cadeira cativa é R$ 0,00. A assessoria da Suderj garantiu que todas as entradas não retiradas são picotadas em uma máquina e afirmou não poder precisar no domingo o número de ingressos picotados nos jogos citados, mas prometeu fornecer o dado. Nesta segunda-feira, a Suderj disse ser inviável obter a informação em razão do Dia do Servidor Público e explicou que já solicitou a informação.
A reportagem do GLOBOESPORTE.COM encontrou oferta de cativas em seis hotéis na Zona Sul do Rio de Janeiro: Windsor Atlântica, Windsor Copa, Porto Bay Hotel, Royalty Hotel, Lancaster Othon Hotel e Hotel Astoria (assista ao vídeo acima). As vans das agências ainda buscaram hóspedes de outros dois estabelecimentos para levar ao Maracanã: Hotel Mirador e Real Palace Hotel, também em Copacabana. No Windsor Atlântica, a plaquinha da agência Follow Me divulga a venda de ingressos de “central superior” do Maracanã - setor que não existe no novo estádio. Os recepcionistas ligam para as agências em busca de informações e normalmente ouvem que os lugares são no “meio do campo”.
Pacotes por até R$ 220
Para o segundo jogo das quartas de final da Copa do Brasil, entre Flamengo e Botafogo, na última quarta, os preços oferecidos nos hotéis variavam entre R$ 160 e R$ 220. No pacote da Angramar adquirido no Hotel Astoria, na Rua República do Peru, em Copacabana, por R$ 160, foi entregue um voucher para garantir a entrada na van e a retirada do ingresso no dia seguinte. O recepcionista previu que haveria quatro ou cinco vans para aquela partida.
Com o jogo às 21h45, foi marcada a saída às 19h30 do hotel. Os hóspedes aguardaram na recepção até que o guia, no horário marcado, se apresentou como Cristian e distribuiu os ingressos de cativas, ainda dentro do hotel. Todos foram levados até uma van, que ainda faria paradas em mais dois hotéis e um posto de gasolina em Laranjeiras para buscar clientes. Sem contar o motorista e o guia, eram 14 pessoas no veículo.
Fluente em inglês, espanhol e português (com sotaque estrangeiro), Cristian conversou com os clientes durante o caminho e deu explicações sobre a entrada no estádio. Ele reforçou que não havia assentos marcados e explicou a proibição da venda de bebidas alcoólicas dentro do estádio - motivo de surpresa e decepção entre os estrangeiros. O desembarque foi na calçada da linha do metrô, com os turistas subindo para a passarela e descendo pela rampa da Uerj, onde foi indicado um ponto de encontro para o fim da partida. O guia, apesar de o recepcionista ter informado que acompanharia o grupo dentro do estádio, não entrou.
No site do Ministério do Turismo, consta o registro da Angramar Turismo, cuja razão social é Robles & Léo Turismo LTDA (CNPJ 03.975.499/0001-40). O registro está em nome de Carlos Marcos Robles, com endereço da empresa na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Por telefone, Carlos Robles explicou que retira os ingressos com donos de cadeiras cativas amigos seus.
- Eu tenho um amigo aqui em Copacabana que é dono de cadeira cativa, tem três cadeiras cativas e tem amigos donos de cadeiras cativas. Essas pessoas me cedem porque tenho uma agência cativa. É a mesma pessoa que me liga dizendo que hoje tem cinco, tem dez. É dessa forma.
Perguntado sobre as "quatro ou cinco vans partindo para o jogo entre Flamengo e Botafogo" (apenas na van que levou a reportagem eram 15 pessoas), ele deu sua versão:
- Ele deve estar se referindo à quantidade de agências que trabalham com isso. No Hotel Astoria se você for ver, existem quatro ou cinco agências que oferecem o serviço. Se você foi ao jogo, deve ter visto diferentes agências de turismo. A Follow Me, se não me engano, estava com quatro carros nesse jogo. Mas a Follow Me não é a minha agência. Eu aviso quando tenho quatro, seis ou dez. Porque, de acordo com o jogo, os donos querem ou não ir ao estádio.
'Eu não vendo ingresso, vendo pacote de turismo'
Para o jogo do último sábado, entre Botafogo e Atlético-MG, o preço foi maior e, o serviço, desta vez prestado pela agência Follow Me. A partida estava marcada para as 18h30, e a saída do hotel, de acordo com o voucher fornecido pelo concièrge do estabelecimento (e recolhido pela guia do grupo antes da entrada na van para o estádio), foi marcada para as 16h05. Seis hóspedes do Windsor Atlântica usaram o serviço. Antes de partir em direção ao Maracanã, a van ainda fez paradas no hotel Porto Bay, no Real Palace Hotel e no Windsor Copa. No total, incluindo o guia, foram 14 ingressos de cadeira cativa para o grupo.
Dentro da van, distribuição dos ingressos e instruções semelhantes sobre a inexistência de assentos marcados e proibição de venda de bebidas alcoólicas. Chegando ao estádio, em partida de pouco apelo, a van parou tranquilamente em uma baia próxima à calçada que leva à entrada para o setor de cativas do Maracanã. A guia, portando um bastão de sinalização característico de passeios turísticos, entrou com o grupo no estádio. Todos foram conduzidos ao setor de cativas, onde seguranças do estádio recepcionavam com toda cortesia os turistas, esforçando-se até para dar boas-vindas em outros idiomas.
Já no estádio, o grupo se espalhou pelo setor. Camila sentou-se com mais três homens com camisas da Follow Me. Diversos outros grupos de turistas estavam no local. No voucher fornecido e recolhido pela Follow Me Rio Viagens e Turismo, consta o número de certificado na Embratur 19.043718.10.0001-4. Porém, nenhuma empresa foi encontrada com esse número de certificado em pesquisa no site do Ministério do Turismo. Em pesquisa na internet, foi encontrada empresa de mesmo nome na Rua Clarimundo De Melo, no bairro carioca do Encantado (CNPJ 14.038.952/0001-09), ativa desde 2011. A reportagem buscou contato no telefone da agência e foi atendida por um homem que se identificou apenas como Anderson:
- Eu respondo pela agência. Tenho um contrato com donos de cadeiras cativas, totalmente legal e posso comercializar, eu posso usar as cadeiras porque eles me alugaram isso. Eu conheço donos que têm 35 cadeiras cativas e eu tenho contrato, legalizado, registrado em cartório que eles podem me alugar essas cadeiras pelo tempo que a gente determinar em contrato, um período semestral, anual. Isso é totalmente legal, não é ilegal, sou a empresa que mais preza pela legaligade nessa área do Maracanã do comércio de ingressos, porque a gente conhece todos os cambistas. A gente conhece todo mundo que trabalha ilegal. Eu sou a única (empresa) que procura trabalhar corretamente e que é esculachada – disse Anderson.
Segundo a Suderj, porém, o proprietário com maior número de cativas possui 11 assentos. A reportagem buscou outro contato com a Follow Me. Na segunda vez, atendeu Tiago - que disse ser dono da agência.
- Está no estatuto da lei da cativa, podem me alugar a cadeira cativa por jogo, ou por mês, ou por ano, e faço questão de mostrar isso. (...) A gente oferece o transporte, o acompanhamento do guia, o guia entra no estádio, as nossas vans são executivas, com ar-condicionado, DVD, então é o tipo de coisa que a empresa oferece e estão denegrindo a imagem da empresa como se eu fosse cambista.
Informado que há a estampa “venda proibida” nas entradas entregues pela guia da Follow Me para o jogo de sábado, Tiago respondeu:
- Eu não estou vendendo o ingresso, estou vendendo um pacote turístico, o Maracanã é um ponto turístico. A gente leva turistas não só do Brasil, mas de todo o mundo – disse.
Anderson e Tiago informaram que não poderiam mostrar o contrato de aluguel no domingo por falta de tempo, pois não estavam com o documento em mãos. Perguntado sobre o sobrenome de Anderson, Tiago foi seco:
- Você não é repórter? Investiga. Eu não tenho obrigação de dar o nome dele.
Cambistas no entorno também vendem cativas
Mas não é apenas nos saguões de hotéis luxuosos na orla carioca que é possível comprar entradas de cadeiras cativas. No entorno do estádio, nas proximidades da rampa da Uerj e do estacionamento da universidade, há diversos cambistas oferecendo ingressos do gênero (assista ao vídeo ao lado). A reportagem comprou entradas dessa forma para duas partidas diferentes: o confronto entre Botafogo e Vasco, no dia 20, e o jogo entre Fluminense e Ponte Preta, no dia 19. Para a partida dos tricolores, o ingresso custou R$ 62. Para o clássico, o valor foi de R$ 70. As negociações com os cambistas para ambos os jogos foram gravadas. Em uma das tratativas, a reportagem pediu um telefone de contato a um cambista e ele respondeu, em tom irônico:
- Sou bandido. Meu telefone é rádio. Radiotransmissor, da favela. Bandido não pode ter telefone, não.
Suderj se isenta por vazamento
A Suderj foi questionada, por e-mail, a respeito do vazamento de ingressos de cadeiras cativas para agências de turismo e cambistas. O órgão enviou a seguinte resposta:
A Suderj foi questionada, por e-mail, a respeito do vazamento de ingressos de cadeiras cativas para agências de turismo e cambistas. O órgão enviou a seguinte resposta:
- A Suderj faz a entrega dos ingressos somente aos titulares de cadeira cativa ao longo de três dias antes dos jogos. Isso é feito somente mediante apresentação de documentos pessoais que comprovem a titularidade. O papel da Suderj é entregar somente aos titulares os ingressos das cadeiras cativas. Não existe na legislação que criou o direito às cadeiras cativas nada a respeito da livre disposição dos assentos por seus respectivos titulares. O direito de uso das cadeiras é privado, e a Suderj não tem qualquer ingerência legal sobre a forma com que os titulares exercem seu direito.
O secretário de Esporte e Lazer e presidente da Suderj, André Lazaroni, afirmou que considera difícil o vazamento acontecer dentro da entidade, mas que ordenará a apuração do caso:
- Essa questão é com a Polícia. Acho muito difícil que isso ocorra dentro da Suderj. Mas vamos apurar. Cambista é um problema crônico e existe em todas as partes do mundo. O papel da Suderj é entregar os ingressos aos titulares. O que sobra nós picotamos. Não acredito que seja fruto de sobra o que os cambistas vendem. As sobras dos ingressos são invalidadas e passam pela máquina fragmentadora de papel
Segundo a Suderj, 3.600 dos 4.968 proprietários se recadastraram para o sorteio da próxima quinta-feira. O órgão prevê que em 15 dias os donos das cadeiras terão seus cartões de acesso. Os proprietários que não fizeram recadastramento continuarão a buscar ingressos para cada jogo através da apresentação de documentos.
Ingressos comprados pela reportagem
- Fluminense x Ponte Preta, dia 19/10, nível 5, bloco 508, fila M, assento 6, subsetor 508.
- Botafogo x Vasco, dia 20/10, nível 5, bloco 510, fila N, assento 16, subsetor 510.
- Flamengo x Botafogo, nível 5, bloco 509, fila M, assento 12, subsetor 509.
- Botafogo x Atlético-MG, nível 5, bloco 504, fila B, assento 26, subsetor 504
- Botafogo x Vasco, dia 20/10, nível 5, bloco 510, fila N, assento 16, subsetor 510.
- Flamengo x Botafogo, nível 5, bloco 509, fila M, assento 12, subsetor 509.
- Botafogo x Atlético-MG, nível 5, bloco 504, fila B, assento 26, subsetor 504
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