22 de jul. de 2013

Recado de Rei aos atletas do Galo: 'Joguem com olhar de campeão'



É uma pequena maldade do tempo que Reinaldo, na quarta-feira, esteja no Mineirão apenas para assistir ao momento mais importante da história do Atlético-MG. É a casa dele, é a camisa dele. Mas quase três décadas afastam o presente da montanha de gols que o atacante colecionou no estádio dos seus sonhos. E agora ele é um torcedor à espera do maior título, à espera da Libertadores da América.
- Joguem com olhar de campeão. Tem que ser no coração - pede ele a seus sucessores.
Reinaldo ex-jogador Atlético-MG (Foto: Alexandre Alliatti)Reinaldo faz seu gesto dos tempos de jogador: ele confia em virada do Galo (Foto: Alexandre Alliatti)
José Reinaldo de Lima, o Rei do Mineirão, hoje com 56 anos e dores distribuídas por todo o corpo, mora em Nova Lima, perto de Belo Horizonte. Na metade do caminho entra as duas cidades, ele dirige um clube que chegou a ser profissional, mas que hoje está praticamente abandonado.
- Não troco mais nem as lâmpadas. Quero vender isso aqui - diz ele, incomodado com a falta de apoio dos empresários locais. E do Atlético-MG.
O clube chega a seu momento supremo afastado daquele que talvez seja seu maior ídolo. Reinaldo está distante do Atlético. Diz que tem dificuldades até para entrar na Cidade do Galo. Diz que a diretoria maltrata os ex-atletas, responsáveis por construir a história do clube.
Mas segue próximo da torcida. É parte dela. Em entrevista de pouco mais de 30 minutos, fala como torcedor.
- O Mineirão é do Galo - afirma ele, que ilustra dando um exemplo.- Vá ao centro da cidade e grite "Cruzeiro". Vão aparecer uns 20 atleticanos gritando "Galo". Quarta você vai ver a força do Atlético.
Reinaldo lamenta não ter uma Libertadores no currículo. Mas lembra que disputar a competição, em sua época, era mais do que jogar futebol. Na pele, o ex-atacante carrega as cicatrizes dos tempos em que defendeu a camisa atleticana por mais de uma década. Nesta quarta-feira, espera vibrar no Mineirão, no palco de seu reinado. E avisa:
- Eu acredito.
Confira abaixo a íntegra da entrevista com o ídolo atleticano.
Reinaldo, ídolo do Atlético-MG (Foto: Agência Estado)Ídolo do Galo, Reinaldo marcou a história do clube
nos anos 70 e 80 (Foto: Agência Estado)
Você é conhecido como o Rei do Mineirão. O que você achou dessa obsessão do Atlético por jogar no Independência? Vai ser um prejuízo jogar a final no Mineirão?
O Independência tem essa mística. O Atlético ainda não perdeu lá (desde que foi reinaugurado). Por ser mais acanhado, ele dá uma pressão maior da torcida, que enche, que completa o estádio. Mas o Atlético perde dinheiro jogando lá. Se é no Mineirão, em todo jogo bota 60 mil pessoas. Ele perde dinheiro por causa dessa mística. E tem isso de o Atlético ter assumido o Independência, ter um contrato, e o Cruzeiro tem um contrato no Mineirão. É meio político. São essas provocações de clube. Mas o Mineirão não é do Cruzeiro. O Cruzeiro tem contrato com a Minas Arena, mas o Mineirão é do Galo, até porque eu sou o maior artilheiro do Mineirão. Mas o Mineirão vai proporcionar a mesma pressão. Vai estar lotado. A torcida tem essa obsessão pelo título. O Atlético ainda não conquistou um título assim. E vem jogando o melhor futebol do país há mais de um ano. Seria um capricho, uma tragédia do futebol o Atlético não ser campeão.
A relação do Atlético com seus ex-jogadores é muito ruim. (...) Aqueles que construíram a história do clube são página virada."
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Você ainda acredita? Acha que é possível?
Acredito. Tecnicamente, o time do Atlético é melhor que o do Olimpia. Se jogar com disposição, com espírito de campeão, de final de campeonato, vai ganhar. Mas se jogar como no primeiro jogo, aceitando a marcação, sendo um time acomodado, aí não. Vai ser um jogo catimbado, pela vantagem do Olimpia. O Atlético vai ter que administrar o lado emocional, algo que ainda não faz bem. Ainda é um pouco irregular nisso. Se tiver controle emocional, suportar a catimba, pode ser campeão. Tem que usar a base do futebol: força e velocidade. Se não estiver bem tecnicamente, tem que recorrer à força e à velocidade. Se existe justiça, o Atlético tem que ser campeão. Ele merece o título.
Você gosta desse time atual do Atlético? Gosta de vê-lo jogar?
O Atlético fez jogos espetaculares, maravilhosos. Mas quando sofreu algumas alterações, o time não foi o mesmo. Quando teve um espaço maior, uma folga maior, saiu um pouco do foco. Mas se tiver a mesma energia, a mesma vibração de alguns jogos, é um time quase imbatível. Gosto muito desse time do Atlético. Do time titular. Quando altera um ou outro, você já vê que é diferente.
Isso pode ser um problema, não? Está sem os dois laterais para a final.
Um lateral. O outro (Richarlyson), se trocar, não faz nenhuma diferença. O Marcos Rocha é um lateral importante para o time, vem muito bem. Mas tem a volta do Bernard, que é a velocidade do time. Se o Ronaldinho estiver em um dia inspirado, ele decide o jogo. E também o Tardelli e o Jô...
Ronaldinho Gaúcho Atlético-MG decisão Libertadores Olimpia (Foto: AP)Ronaldinho foi elogiado por Reinaldo (Foto: AP)
Quando o Atlético contratou o Ronaldinho, muita gente achou que a diretoria estava maluca. Você teria feito o mesmo?
Eu teria contratado o Ronaldinho. Ele saiu muito humilhado do Flamengo. O retorno dele ao Brasil foi um fracasso. Houve uma campanha muito grande contra o Ronaldinho quando ele saiu do Flamengo, como se fosse o fim da carreira dele. Eu contrataria pelo histórico dele, por sua qualidade, pelos títulos, pelos gols, pelas jogadas, pelas condecorações. Contrataria ainda mais pelos valores, que foram racionais. Mas o principal é que ele foi recebido com muito carinho aqui em Minas. O pessoal o abraçou. Isso o comoveu, o provocou. E ele respondeu acima das expectativas. Ele jogou aqui como quando ele tinha 20 anos.
A diferença foi essa na comparação com a passagem dele pelo Flamengo? Ser abraçado? Receber carinho?
É. Tem que fazer uma massagem no ego. Ele foi tratado como o cara que ia levar o time. E assumiu isso. Encontrou um grupo bom, um clube bem estruturado. Foi bem diferente do Flamengo.
Já existe uma comparação entre esse time e os times de sua geração, talvez especialmente o de 1980, considerado por muita gente como o melhor time que o Atlético já montou. É possível comparar?
Esse time atual é muito bom. Tem Ronaldinho, Tardelli, Bernard. São jogadores de alto nível. E tem que se dar méritos sobretudo ao Cuca. Foi ele que montou esse time maravilhoso. Mas não dá para comparar. Na minha época, era muito mais difícil. O futebol hoje é muito fácil.
Reinaldo e Zico, Atlético-MG Flamengo (Foto: Divulgação)Reinaldo mata a bola em frente a Zico, no confronto entre Galo e Flamengo (Foto: Divulgação)
Por que era mais difícil?
Uai, o campo era ruim, a bola era ruim, o juiz era ruim, o vestiário era uma m... Porrada não tinha punição. Recuperação, preparação física, tudo. Era bem precário. Hoje, o jogador profissional só não joga se for ruim de bola. Mesmo sendo só atleta, não sendo nem jogador de futebol, consegue chegar até a seleção brasileira. Na nossa época, todos os craques do país estavam aqui. Hoje, não: os craques jogam um campeonato e vão embora. As equipes ficavam mais entrosadas. Zico jogou dez anos no Flamengo. Eram times mais entrosados, um jogo mais bruto. A regra não protegia ninguém. Se o nosso time daquela época, e acho o de 77 melhor, jogasse hoje, a gente jogaria para c... E o time de hoje, se jogasse em 77, teria muita dificuldades. Se eu jogasse hoje, teria mais tempo de futebol e mais mídia. Na minha época, a gente não tinha essa comunicação toda, essa coisa internacional. Era muito mais caseiro.
E talvez naquela época a Libertadores não valesse tanto quanto vale hoje. Você sente falta desse título? Especialmente hoje, vendo essa expectativa toda da torcida, é um título que faz falta?
Sinto. Gostaria muito de ter conquistado. Os clubes brasileiros não tinham tanta empolgação com a Libertadores, porque era uma guerra, né, cara? Uma guerra aberta. Não tinha nem exame antidoping. Como você vai ganhar de um time que usa desse expediente? Aí você vê como Argentina ganhou, Uruguai ganhou. Foi muito pelo químico. Os caras se transformavam em campo. Era guerra. Hoje, não. O cara hoje vai jogar na Bombonera, a pressão está só fora. Ainda tem muita catimba, esse negócio de apagar luz...
Você acha que a luz apagou por acaso no Independência?
Em tudo que é Libertadores começa a apagar a luz. É normal de Libertadores... (Risos)
Como é sua relação hoje com o Atlético? Você está próximo do clube?
Infelizmente, estamos muito distantes.
Por vontade sua ou do clube?
Uai, do clube. Eu já me ofereci diversas vezes para me aproximar. Especialmente aqui no meu clube. Temos estrutura para fazer uma minifilial do Galo. E nem assim há interesse.
Por quê?
Deve ser coisa política. Ou pessoal, não sei. Sempre estive aberto. Meu clube tem 20 anos. Ofereci umas dez vezes pro Atlético, e nunca houve interesse. E nem é comigo. A relação do Atlético com seus ex-jogadores é muito ruim. O próprio presidente já disse isso publicamente. Disse que o cara jogou, recebeu, vai embora, tchau. Aqueles que construíram a história do clube são página virada.
Você fica incomodado com isso?
Não incomoda, não, porque também não podemos ficar esperando. Mas ficamos envergonhados, porque todos os clubes têm uma relação tranquila com os ex-jogadores, pelo menos uma relação cordial. O Atlético, não. Um ex-jogador não tem nem acesso à Cidade do Galo.
Não? Você não consegue entrar lá?
Ah, conseguir, até consegue. Mas o porteiro vai dizer: "Espera, fica aí, vou ligar ali". Eles não querem que o ex-jogador se aproxime. O Atlético tem um poder muito centralizado. E imagino que tenha o seguinte: que pensem que o ex-jogador vai lá para pedir. Às vezes, não é isso.
Reinaldo pelo Altético-MG (Foto: Agência O Globo)Reinaldo em ação pelo Atlético-MG no Mineirão, estádio em que é o maior artilheiro (Foto: Agência O Globo)
Apesar disso, dessa distância, você torce pelo Atlético? É um torcedor?
Vejo todos os jogos. Torço. Até porque meus filhos são apaixonados pelo Galo. São atleticanos natos. É hereditário. O maior sentimento de Minas é do atleticano. Pode fazer a pesquisa. Vá ao centro da cidade e grite "Cruzeiro". Vão aparecer uns 20 atleticanos gritando "Galo". Vejo nessa proporção, especialmente em Belo Horizonte e nas cidades mais antigas de Minas. Nas cidades mais novas, parece que tem mais cruzeirense.
Você ordenou que seus filhos fossem atleticanos?
(Risos). Está no DNA. Atleticano não quer saber de título, não. Quer é torcer pelo Galo.
Como está sua relação com a torcida? Você tem o reconhecimento que acha que merece?
Tenho, tenho. Nessa torcida mais nova, não tanto. Mas o torcedor chega muito emocionado. É uma relação emocionante. Os caras chegam com muito carinho, com muita admiração.
Mineirão Brasil x Uruguai (Foto: Getty Images)Novo Mineirão foi elogiado por Reinaldo: "Mesma
coisa que jogar no teatro" (Foto: Getty Images)
O que achou do novo Mineirão?
Maravilhoso. É a mesma coisa que jogar no teatro, no Palácio das Artes. Ali dá vontade de jogar bola. Está bonito, confortável.
Ainda se sente em casa ali?
Sinto. Gosto muito da atmosfera, do clima do Mineirão.
E como estará quarta-feira?
Uh... Aí você vai ver a força do Galo. Aí para tudo. Para Minas Gerais inteira. Se ganhar, é feriado.
E como você vai reagir? Ter sido jogador profissional dá uma frieza ou você vai estar enlouquecido, como mais um torcedor?
A análise do ex-jogador é sempre mais fria, mais técnica. Na final, conforme vai se aproximando, aí, sim, vai acelerando o coração.
Que dica você pode dar ao elenco do Atlético?
Que joguem com vontade. Tem que estar no olhar. Tem que ter olhar de campeão, vibração de campeão. Eles já fizeram um campeonato maravilhoso, mas para pegar a taça, tem que ter isso. Tem que ir no coração.

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