Em 1997, o pai de Cuca passou por uma cirurgia no coração. Após o procedimento, com seis horas de duração, o médico responsável pela operação chamou o filho do paciente e disse que ele se tranquilizasse, pois a chance de recuperação era de 97%. Cuca foi para casa aliviado, feliz.
No dia seguinte, o pai dele morreu.
Em 2009, Cuca assumiu um time que se debatia a caminho do rebaixamento. Chegou um momento em que matemáticos avisaram: a chance de queda do Fluminense era de 99%. Em seu íntimo, o treinador lembrou do que escutara do médico quase duas décadas antes. E pensou: "Danem-se os números."
O Fluminense não caiu.
A vida por vezes corre às avessas para Alexi Stival. Os melhores momentos parecem dar errado. As lutas mais improváveis parecem dar resultado. Aos 50 anos, Cuca é um sujeito que tenta equilibrar melhor essa dualidade tão característica do ser humano, essa luta frequente entre a racionalidade e a emoção, entre a consciência e a paixão. Os adjetivos que caracterizam sua personalidade sempre foram exacerbados: afetuoso ao extremo com quem gosta, desconfiado com quem não conhece, religioso até o limite, supersticioso quase até a paranoia, obcecado por vitórias, exageradamente preocupado, por vezes pessimista.
Pessimista? Na última sexta-feira, ao analisar a situação do Atlético-MG na Libertadores, o treinador foi direto assim:
- Sei que vamos ser campeões. Vamos sair vitoriosos na quarta-feira.
Acontece que Cuca mudou. A chegada a uma final de Libertadores coincide com um processo de amadurecimento do treinador - um sujeito que vai migrando dos extremos para o equilíbrio. Entre quem trabalhou com ele, existe uma visão quase unânime: taticamente, ele entende do riscado como poucos. O que pegou, durante anos, foi a instabilidade emocional. Um ex-jogador do São Paulo (seu nome será preservado) comparou o atual comandante do Atlético a seu sucessor no Morumbi, Emerson Leão. Disse que preferia lidar com o ex-goleiro, de quem sempre sabia que ouviria alguma grosseria, do que com Cuca, que em um dia era o sujeito mais afável do mundo, mas no outro mal olhava para os lados.
Agora, o treinador dá sinais de estar mais confiante, mais seguro. É o resultado da experiência que adquiriu ao treinar alguns dos principais clubes do Brasil: Flamengo, Fluminense, Botafogo, São Paulo, Santos, Grêmio, Goiás, Cruzeiro, Atlético-MG. Entre bons trabalhos e decepções, ele chega ao cume de sua carreira como técnico. Nesta quarta-feira, contra o Olimpia, pode ser campeão da Libertadores - um título suficientemente forte para desbancar os resquícios de desconfiança que o perseguem.
Homens também choram
Quando Maxi Rodríguez parte para a cobrança de seu pênalti naquele 10 de julho, Cuca está em transe, ajoelhado na beira do campo do Independência. A camisa com a imagem de Nossa Senhora gruda-se ao corpo dele, suado. O coração bate descompassado, fazendo vibrarem as medalhinhas que servem de escudo para um homem extremamente apegado à fé. O argentino bate. Victor voa para a esquerda. Espalma. Leva um segundo, quase um espasmo, para o corpo de Cuca reagir. Ele desaba no gramado. Fica com o rosto grudado na grama. Sente o cheiro da terra. Chora.
Homens também choram. E o choro foi uma marca de Cuca - literal ou simbolicamente. Ele sempre teve aversão à dor, por mais vinculado ao sofrimento que por vezes pareça ser. Quando criança, colocou as duas pernas em um pé de cacto. Foi para o hospital, sofreu muito com a retirada dos espinhos de uma perna e escondeu os ferimentos na outra. Preferia ficar com eles a passar por mais dor. Ao chegar em casa, foi desmascarado pelos pais. Teve que retornar para retirar os outros espinhos.
Ele é um crianção. É o paizão da família. É um ótimo filho, um ótimo pai, um irmão maravilhoso"
Dona Nilde, mãe de Cuca
Ainda jovem, quando consolidava sua carreira como jogador no Grêmio, Cuca chegava ao Olímpico prestes a desmoronar. Parecia que tinha acontecido algo terrível com ele. Na verdade, a aflição era porque deixara sua filha mais velha, Maiara, hoje com 24 anos, choramingando em casa - fruto de dores de barriga normais em crianças.
Já homem formado, ele teve que lidar com as piores lágrimas. Ao enterrar o pai, tentou figurar como homem forte da família, já que os irmãos se mostraram extremamente abalados. Ferido na alma, Cuca aproximou-se da mãe, dona Nilde, e disse:
- A senhora, a partir de hoje, será minha mãe e meu pai.
A morte do pai foi um rito de passagem de Cuca. A dor pessoal foi a etapa definitiva para ele abandonar os campos. Resolveu estudar educação física. Logo virou treinador do Uberlândia, o primeiro passo na carreira que firmou em seguida. E que também teve o choro como uma marca - desta vez simbólica. A final da Taça Guanabara de 2008 fez o treinador, domando as lágrimas, reunir o elenco do Botafogo às suas costas para, diante da imprensa, reclamar da arbitragem contra o Flamengo. Cuca disse que o verdadeiro campeão do primeiro turno do Campeonato Carioca era seu time. O episódio ficou conhecido como "chororô".
Mas Cuca também ri. E muito. Quando está de férias, vai para o aconchego da família em Curitiba, onde foi criado. Lá, joga cartas, fica dando voltas na piscina, jogando água para tudo que é lado. Esquece o futebol. É um homem livre.
- Ele é um crianção. Quando está de férias, desliga mesmo. Fica jogando cartas, inventando brincadeiras. Vai na piscina, joga água ali, empurra aqui. Ele é o paizão da família. É um ótimo filho, um ótimo pai, um irmão maravilhoso. E é amigo de muita gente - orgulha-se dona Nilde.
Cuca foi criado em uma chácara, em meio a animais. Gostava deles. Muito pequeno, dava sustos na família ao se aproximar dos bichos. Chegou a ter os botões de uma camisa mastigados por um cavalo. Foi lá que começou a se interessar por futebol. Desde muito novo, saía chutando uma bola por tudo que era canto. Ou brincava como goleiro. Defendia os chutes dos mais velhos e os provocava, quicando a bola sobre a linha. Conforme foi crescendo, deixou claro que levava jeito era com os pés. Virou um grande jogador.
O jovem meio-campista foi para o Rio Grande do Sul trilhar sua história. Começou no Santa Cruz. Depois, foi para o Juventude. Lá, chamou a atenção de seu treinador, que fez questão de levá-lo junto quando foi para o Grêmio. Esse treinador se chama Luiz Felipe Scolari.
- Cuca foi um dos melhores meias com quem trabalhei. Ele sabia fazer todas as funções do meio, e muito bem. Sempre foi um jogador de equipe - comenta o treinador da seleção brasileira.
Felipão levou Cuca para o Grêmio porque percebeu no meia um jogador capaz de se entregar taticamente ao time. Aquela equipe tinha um outro jogador muito talentoso no meio, mas bem menos devotado à marcação. Ele se chamava Assis, e na época já se dizia que bom mesmo era o irmão dele, um garoto dentuço que batia bola pelos cantos do campo no Olímpico. Que ironia: mais de 20 anos depois, Cuca telefonaria para Assis e pediria a ele que agilizasse a contratação daquele menino, que virou Ronaldinho Gaúcho, para o Atlético-MG. Juntos, eles chegariam à final da Libertadores.
Assis e Cuca fizeram os gols do título da Copa do Brasil de 1989 para o Grêmio(veja no vídeo acima). O irmão de Ronaldinho marcou o primeiro. Mas aí o Sport empatou, em um gol contra do goleiro Mazaroppi. O presidente do time tricolor na época, Paulo Odone, lembra que Cuca logo assumiu a responsabilidade pela vitória.
- Aquele gol dava o título para o Sport. Foi uma infelicidade do Mazaroppi. Lembro que o Cuca foi até o goleiro, bateu no ombro dele e disse: "Deixa, vou fazer o gol."
E fez. No segundo tempo, ele deu o título ao Grêmio. Ali já estava, portanto, um atleta seguro, um porta-voz do time, um líder nato, certo? Errado. Quem visse Cuca naquela época não poderia ter a menor ideia de que ele viraria treinador. Era um jogador de pouca voz, até acanhado.
- O Cuca sempre foi um bom jogador. Mas era dificil imaginar que ele pudesse se tornar treinador, pelo perfil dele. Ele não tinha perfil de liderança. Não era um jogador que falasse muito. Não era de assumir muita responsabilidade, até por estar em início de carreira - lembra o ex-zagueiro e hoje comentarista Edinho, capitão do Grêmio de 1989.
A visão é corroborada por Antônio Carlos Verardi. Com quase 50 anos de serviços prestados ao Grêmio, o superintendente do clube fala com muito carinho de Cuca. Mas também diz que não via nele as caracaterísticas de um futuro técnico.
- Achava que ele não entendia nada. Eu o chamava de burrinho. Quem trouxe o Cuca foi o Felipão. Ele dizia: "Esse tem a cara do Grêmio, é obcecado, mete a cara na bola." O Cuca raramente saía de campo sem algum arranhão.
Cuca teve uma carreira sólida como atleta. Também defendeu o Valladolid, da Espanha, e voltou ao Brasil para jogar por clubes como Inter e Palmeiras, até encerrar a carreira no Coritiba. Antes, porém, passou por um dos momentos mais conturbados de sua vida. Em uma excursão do Grêmio à Suíça, foi acusado de estupro, junto com dois colegas de time (Eduardo e Henrique), por uma garota de 13 anos. Na época, ela alegou que foi violentada pelo trio ao entrar no quarto de um deles para ganhar camisetas do clube. Os jogadores ficaram 28 dias detidos. Eles e o Grêmio negaram as acusações.
Como treinador, um colecionador de histórias
A morte do pai tornou Cuca um sujeito mais paternal, mais responsável. Ele se sentiu pronto para virar treinador. Começou no Uberlândia, em 1998, e aí perambulou por clubes pequenos e médios até fazer seu primeiro trabalho de projeção nacional, em 2003, com o Goiás. Ele tirou o time da última colocação no Campeonato Brasileiro e o colocou entre os dez primeiros. Virou uma aposta no mercado de técnicos.
Veio 2004, e o treinador ganhou suas primeiras oportunidades entre algumas das principais equipes do país: primeiro no São Paulo, depois no Grêmio. Mas ele não estava psicologicamente preparado para o desafio. No Morumbi, determinado a fazer sucesso a todo custo, se deixou levar por um enorme sentimento de desconfiança. Achava que havia gente dentro do clube tentando derrubá-lo. Temia que a imprensa o perseguisse. Foi com o time até as semifinais da Libertadores, quando caiu para o Once Caldas, da Colômbia, que seria campeão sobre o Boca Juniors.
Nesta Libertadores, Cuca viveu uma situação emblemática de sua paranoia, lembrada ainda hoje, em meio a risadas, por seu amigo Milton Cruz, auxiliar e consultor técnico do São Paulo. O clube paulista estava em Lima, no Peru, para enfrentar o Alianza. Um dia antes, na mesma cidade, o Coritiba enfrentaria o Sporting Cristal. Cuca e Milton Cruz resolveram assistir à partida do time paranaense no estádio. Chegaram lá sem problemas. Na volta, porém, não havia táxi. Resultado: pegaram carona na caçamba de uma camionete guiada por pessoas que eles não tinham a menor ideia de quem eram.
Cuca ficou desconfiado, temeroso de ser sequestrado. E disse a Milton Cruz: "Se eles forem pro nosso hotel, eles têm que dobrar. Se seguirem reto, a gente pula". O auxiliar não deu atenção. Distraiu-se e, de repente, ouviu gritos: "Pula! Pula! Pula!". Era Cuca, já fora da caçamba, planejando uma fuga. A camionete seguira reto.
- Eu pulei e quase torci o tornozelo. Fomos para o hotel rindo pra caramba. O Cuca é um cara descontraído, brincalhão. Quando chegou num time grande, teve aquilo de ser meio desconfiado, mas é um dos grandes treinadores que conheci - diz Milton Cruz.
No mesmo ano, Cuca deixou o São Paulo e logo assumiu o Grêmio. Não poderia ter encontrado barca mais furada. Com um elenco mergulhado no caos, o treinador logo percebeu que estava assumindo o comando de um time a caminho do rebaixamento. Pior: tinha um Gre-Nal pela frente. Na semana de preparação para o clássico, o treinador percebeu que no refeitório havia um menino carregando dois celulares. Era um garoto de 16 anos. O diálogo entre eles foi mais ou menos assim:
- Ô, guri. Que negócio é esse de dois celulares? Tá achando que é melhor que os outros?
- Sou. Se tu me colocar para jogar, vai ver que sou melhor que todos esses aí.
O Grêmio perdeu aquele Gre-Nal por 3 a 1, e a torcida, indignada, chegou a arremessar um carrinho de pipoca na direção do gramado. Mas houve um alento. No segundo tempo, Cuca mandou o tal menino a campo. De falta, abaixo de chuva, ele fez o único gol tricolor na partida. Um ano depois, Anderson também faria o gol que recolocaria o Grêmio na primeira divisão, na histórica Batalha dos Aflitos. Hoje ele defende o Manchester United, da Inglaterra. De fato, era melhor que todos aqueles que estavam lá...
Foi em 2004 que Cuca se notabilizou como um treinador inseguro. Depois da desconfiança no São Paulo, ele viveu quase um desespero no Grêmio. Sentiu-se impotente. Em um período de reclusão do time em Bento Gonçalves, o técnico sentou-se com dois jornalistas e disse a eles:
- Eu não sei mais o que fazer. Digam o que eu devo fazer. Esse time vai ser rebaixado.
O Grêmio efetivamente caiu. E Cuca, que zarpou antes do rebaixamento, entrou em um período de baixa. Dividiu 2005 em passagens curtas por Flamengo, Coritiba e São Caetano. Até se encontrar no Botafogo.
Foi aí que Cuca provou que tinha ferramentas para ser um dos melhores treinadores do Brasil. Acima de tudo, ele teve sequência no clube. Mostrou trabalho de campo. Certa feita, depois de um treino, resolveu fazer com que o atacante Wellington Paulista dominasse a bola sem perder o controle dela. Jogou uma vez. Duas. Três. Dezenas. Beirou as centenas. Até que o jogador conseguiu mostrar perícia. Quando o atleta respirou aliviado, Cuca pôs um zagueiro grudado nele e começou a testar movimentos de pivô. Wellington Paulista fez hora extra naquele dia.
Já era um treinador em evolução. E que ganhou a confiança de um elenco apelando para duas vertentes: a competência tática e o envolvimento emocional. Em Cuca, é notória a capacidade de surpreender nas preleções. Nos tempos de Botafogo, há relatos até de ele levar um pedaço de carne para o vestiário e passar o sangue no rosto dos atletas, para deixá-los com espírito de combate. Ele também costuma valorizar os funcionários. Em 2007, antes do empate por 4 a 4 com o Vasco, levou cozinheiras e camareiras para a preleção. Usou a história de vida delas para motivar os atletas.
Mais tarde, no Fluminense, após um jogo no Paraguai, guardou, sem ninguém perceber, pedras que torcedores arremessaram no elenco tricolor. Antes do jogo seguinte, na última conversa, tirou as pedras do bolso e as atirou perto dos jogadores. Os atletas riram com a lembrança do sufoco que passaram. Foram a campo mais leves.
Cuca é um sujeito muito supersticioso. Em uma final de Carioca pelo Flamengo, dormiu na véspera com a camisa do título da Copa do Brasil de 89, pelo Grêmio.
- Ele me falou de uns jornais do Rio que diziam que ele era pé-frio, que não ganhava nada. Ele estava traumatizado com aquilo. Aí ele pediu pra eu ir no vestiário depois do jogo. Fui lá, e ele se fechou comigo para mostrar que, com toda aquela história, foi resgatar um momento de vitória dele. Ele ainda tinha aquela camisa de 89, e me mostrou. Ele tinha dormido com a camisa! - recorda Paulo Odone.
Houve um momento na carreira em que Cuca proibiu os ônibus dos clubes onde trabalhava, no Rio, de entrar de ré nos estádios. Hoje, dizem pessoas próximas dela, a mania se perdeu. Mas a religiosidade segue firme. Antes dos jogos, ele ajoelha-se diante de uma imagem de Nossa Senhora, em um altar dentro do vestiário, e faz sua oração. É um resquício da infância. Ele vem de uma família católica. Ainda menino, era muito devoto, daqueles de sempre frequentar a igreja. Jamais perdeu isso, mesmo com os percalços que a vida e a carreira apresentaram a ele.
Cuca sofre como poucos na beira do campo. Agita os braços. Pula. É bom saber: quando ele se agacha e fica pensativo, é que ele está mais tenso. Roer as unhas é um vício do qual ele não se cura. Maltrata as mãos. É curioso: a mãe dele, vendo os jogos pela TV, fica mordendo os dedos. Hereditariedade.
O envolvimento dele com os times que treina é notório - está com herpes, tamanha a ansiedade pela final da Libertadores. Como diz o hino do Atlético, o treinador é obstinado por "vencer, vencer, vencer". Ele fica arrasado ao treinar times derrotados. No Grêmio, em 2004, depois daquele Gre-Nal de Anderson, foi para a coletiva e, quase em estado de choque, enumerou cinco ou seis posições carentes do time e disse que se a diretoria não contratasse, ele iria embora.
No Santos, em 2008, com o time ameaçado de rebaixamento, Cuca acordou no início de uma madrugada com o barulho de gatos namorando no telhado. E não dormiu mais. Passou o resto da noite pensando em como arrumar a equipe. Aos atletas do Botafogo, chegou a dizer que não se preocupassem em caso de eliminação na Copa do Brasil, pois o culpado pela eventual queda seria ele. Com tudo isso, ganhou fama de deprimido. Mas começou a mudar sua história em 2009, não sem antes viver nova batalha.
Às turras com Adriano
Cuca conquistou dois títulos em 2009. O primeiro, de forma tradicional, ganhando uma final, erguendo uma taça - com o Flamengo, no Carioca. Mas o segundo, sem troféu, sem nova linha no currículo, foi o mais expressivo. Salvar o Fluminense do rebaixamento se equipara a levar o Atlético-MG a uma final de Libertadores como a maior conquista do treinador.
No Rubro-Negro, o técnico teve relação bastante ruim com grande parte do elenco. E especialmente com Adriano. Como o Imperador costumava chegar atrasado aos treinamentos, Cuca pegou o hábito de só permitir a entrada da imprensa quando o atacante já estivesse em campo, para preservá-lo. Mas perdeu a paciência com o jogador. Os atrasos dele se tornaram públicos. E os dois viraram desafetos.
Mais tarde, quando Cuca já estava no Fluminense, chegou a hora do reencontro. Adriano, antes do Fla-Flu pelo returno do Brasileirão, reuniu o elenco rubro-negro e pediu um pacto: que nenhum jogador cumprimentasse o treinador adversário. Disse que precisava vencer Cuca. Chegou a sugerir que poderia oferecer dinheiro aos colegas para ganhar a partida. Era pessoal.
Veio o jogo, e o Flamengo venceu por 2 a 0. Detalhe: com dois gols de Adriano. Naquele momento, o time rubro-negro arrancava rumo ao título, e o Fluminense parecia despencar para o rebaixamento. Mas ambos sairiam vencedores naquela temporada. O Imperador realmente ganhou o Brasileiro. E Cuca salvou o Tricolor.
A consolidação
Nas últimas 11 rodadas do Campeonato Brasileiro de 2009, o Fluminense teve sete vitórias e quatro empates. Foi uma arrancada impressionante, de um time que parecia condenado à queda. Cuca foi fundamental nisso. Fez uma revolução no time, sacando atletas experientes, apostando em jogadores mais jovens. Comprou uma briga que deu certo.
Mas sofreu. Viveu tempos de agonia, de incertezas. Centralizador, tentava abraçar o mundo no clube. Ficou uma pilha de nervos. E usou seu preparador físico da época, Ronaldo Torres, para desabafar.
- Ele queria resolver tudo: time, problemas de jogadores, tudo. E ficava muito tenso com aquilo. Aí ele me levava pro cantinho e dizia: "Só dez minutos, só dez minutos." Daí a gente conversava de tudo. Quando ele ficava calmo, dizia: "Obrigado, Ronaldo." Ele queria desabafar - recorda o preparador físico.
É emblemática a imagem de Cuca e Ronaldo, abraçados, aos prantos, depois do empate com o Coritiba no Couto Pereira. O resultado manteve o Flu na Série A (veja no vídeo acima). O treinador seguiu no clube até o ano seguinte, quando não teve sucesso no primeiro semestre.
Foi aí que começou a trajetória mineira do treinador. Ele fez o time do Cruzeiro engrenar. Entrou na briga pelo título brasileiro. E novamente fez um desabafo, em tom de revolta, contra a arbitragem. Após jogo contra o Corinthians, pela 35ª rodada, reclamou muito de pênalti marcado sobre Ronaldo. Sugeriu ao Fluminense, outro concorrente ao título, que "abrisse o olho" para eventuais favorecimentos ao clube paulista. Indignado, prestes a chorar, chegou a dar um soco na mesa onde estava posicionado na entrevista coletiva (veja no vídeo acima). Chamou o árbitro daquela partida, Sandro Meira Ricci, de "safado".
- Dou minha vida ali, trabalhando pelo Cruzeiro, suando! É vergonhoso. É o tipo de coisa que faz a gente pensar em seguir ou não na profissão. Porque eu sou honesto. Eu ganho meu dinheirinho com o salário do meu trabalho. Isso aí não é erro comum. Isso aí é muito grave e faz a gente repensar muita coisa - disse o treinador em 2010.
Cuca não abandonou a profissão, tampouco o Cruzeiro, com quem foi campeão mineiro em 2011. No mesmo ano, porém, deixou o clube após cair para o Once Caldas na Libertadores. Voltou ao mercado como um profissional mais valorizado. Mas ainda sofria desconfianças públicas. E um episódio foi emblemático nisso.
A diretoria do Inter decidiu que demitiria Paulo Roberto Falcão em julho de 2011. Antes mesmo de afastar o treinador do cargo, ligou para Cuca. Ele disse que só conversaria quando o clube estivesse sem técnico. Falcão, então, foi demitido. E o clube iniciou conversas com Cuca. A negociação evoluiu. Houve um acerto verbal. E aí a torcida colorada iniciou um movimento de contestação ao treinador. Enquetes em rádios mostravam rejeição quase total ao nome dele. A diretoria recuou. Desistiu de contratá-lo. E isso mudou o destino do Atlético-MG.
Forte e vingador
Cuca chegou ao Galo mais forte. Estava preparado para vingar as desconfianças do passado. Inicialmente, voltou a ter o desafio de evitar o rebaixamento. E conseguiu, após início muito ruim, em que chegou a entregar o cargo à direção. Veio 2012, e a história começou a mudar: título estadual, vice brasileiro, vaga na Libertadores. Veio 2013, com mais uma conquista do Mineiro. E com a disputa da Libertadores.
Alexi Stival mora no hotel da Cidade do Galo. Ali, se dedica integralmente ao Atlético. Sofre por não estar o tempo todo com a esposa, Rejane, e as duas filhas, Maiara e Natasha. Passa as horas convivendo com funcionários do clube, pessoas comuns, coadjuvantes no mundo midiático do futebol. Gosta muito de conversar. E, principalmente, de escutar.
Ele chega à final da Libertadores como um homem mais sereno. Seu lado emotivo ainda pulsa, claro. Mas não é mais tão desconfiado. Conseguiu se livrar de boa carga do pessimismo que o marcava. Com um tricampeonato estadual nas costas e a certeza de ter montado o melhor time do país em 2013, não pode mais ser considerado um azarado. E deixa aqueles que o cercaram em sua trajetória até este 24 de julho, dia mais importante de sua carreira, com a sensação de que hoje ele é um profissional melhor.
- Tenho falado bastante com ele pelo telefone. É fácil perceber que ele está mudado. É um homem amadurecido - diz Milton Cruz.
- Ele melhorou muito em termos de comportamento. Não fica mais empolgado com tudo isso. Está aprendendo a lidar com esses momentos - afirma Ronaldo Torres.
- Hoje em dia, depois de uma derrota, ele ainda fica abalado, mas logo diz: "Vamos lá, vamos virar a página" - conta dona Nilde.
- Ele hoje é um dos melhores técnicos do Brasil. Gosto de sua personalidade, de sua forma de agir como pessoa. Estarei torcendo por meu amigo na quarta-feira - completa Felipão.
Depois da derrota de 2 a 0 para o Olimpia no Paraguai, um matemático diria que é improvável o título do Atlético-MG nesta quarta-feira. Assim como era improvável a morte do pai de Cuca após a cirurgia no coração. Assim como era improvável o Fluminense seguir na Série A. "Danem-se os números", há de pensar novamente o treinador.
- Vamos ganhar quarta. Fiz 50 anos neste mês. Se Deus quiser, meu presente virá na quarta-feira. Sou o que mais sofre aqui. Largo minha mulher, minhas filhas, e quero fazer esse povo feliz. Quero ganhar isso. Tenho essa coisa que vocês falam, de ser azarado. Mas quero acabar com isso na quarta. (...) Se acontecer, vou ser o homem mais feliz do mundo.
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