Tenho um nome a zelar. Fiz movimento estudantil, sempre votei em candidatos progressistas, sou identificado com ideais libertários. Em paralelo, construí minha história nas arquibancadas do Maracanã, às vezes mesmo até na geral, mas foi ali, naquele cimento ensolarado em frente à bandeira do corner que vivi os melhores momentos da minha vida, primeiro, molequinho, na Falange Rubro-Negra e depois, marmanjo, na eterna Fla Manguaça.
Minha reputação, contudo, está indo para o espaço. Virei o reaça e elitista de plantão.
Se o Maracanã não está completamente lotado, a primeira reação dos meus conhecidos, antes mesmo de xingar a diretoria, é me ligar, me mandar Whatsapp, me taguear no Facebook, me citar no Twitter e colocar em minha conta a culpa dos lugares desertos, já que caí na esparrela de sugerir que o clube cobrasse pelos ingressos um preço que mirasse a máxima rentabilidade para os cofres combalidos.
Meu parceiro Pablo “Camacho” fez aniversário essa semana e eu nem tive coragem de ligar dando parabéns, porque como ele se orgulha de nunca ter deixado de assistir um jogo no Maracanã, fiquei com medo que a esposa atendesse a ligação e esbravejasse contra o baque que as finanças familiares estão sofrendo com essa mania do Pablo de ir a todas as partidas.
A grande onda do momento é imaginar que nos tempos do antigo Maraca as filas davam voltas no quarteirão, em qualquer situação, mesmo que do outro lado estivesse o Bambala ou o Bonsucesso. Compreendo, em parte, essa sensação.
Primeiro, ela vem de gente mais novinha, que só sabe do que acontecia nos anos 80 ou 70 porque ouvem de nós, os quarentões, o papo de gente velha.
Segundo, porque as ilusões da consciência são um fenômeno conhecido e absolutamente natural, como a psicologia cansou de provar. O ser humano projeta lembranças de coisas que não aconteceram e distorce a realidade.
A revolta foi incendiada pelo indecente público composto por 3 mil e poucos heróis, que ao invés de encararem o match no conforto dos seus lares, foram ao Maraca na madrugada de 4ª para 5ª ver a batalha dos reservas contra o time da terra da Portela (vejam os senhores que até a Nivinha, musa do blog e habitué dos estádios, meteu um atestado e ficou na poltrona): tudo culpa do escandaloso valor cobrado, bastava dar um desconto que aquilo ali iria ter mais gente que criança na rua em dia de São Cosme e São Damião.
E eu fui ali me defendendo dos ataques a mim dirigidos como podia, lembrando, como quem não quer nada, que em 2007 tinham 4 mil para ver Fla x Nova Iguaçu, em 2006 também contra o Americano, mas a turma não queria dar o braço a torcer, então eu fui voltando no tempo: 2.500 contra o América em 1990, 1.900 contra o Goytacaz em 1985, 3.700 contra o Bonsucesso em 1983, 6 mil para ver uma goleada contra o Olaria no mítico 1981, com Raul, Leandro, Mozer, Junior, Andrade, Adílio, Zico, Tita, Lico….
Só que a rapaziada não joga a toalha fácil. O mago dos vídeos lá do Magia Rubro-Negra, Léo Magamon, me mandou pesquisar 50 anos atrás, quando estava certo de que o Maracanã entupia. Não achei nada, afinal em 1964, data do maldito golpe militar, portanto um dos anos mais tristes da história do Brasil, jornal não estava noticiando nem previsão do tempo, quanto mais público do Maracanã.
Mas inspirado em Marcelo D2, fui até 1967, ano em que o mundo começou, ao menos para ele e para mim. E foi aí que descobri uma coisa sensacional…
Ao contrário do que todos imaginam, naquela época sem TV também tinha um monte de jogo vazio: 4 mil pessoas para Flamengo x Bonsucesso, 1.800 para Flamengo x São Cristóvão, 1.600 pra Flamengo x Olaria. Contra os “grandes” o panorama era semelhante aos dias atuais, 50 mil no Fla x Flu ou contra o Vasco, 25 mil contra o Botafogo, mas também aconteceu Flamengo x Vasco com 12 mil pessoas.
A primeira conclusão que dá para tirar do túnel do tempo é que nossos avós não tinham Pay Per View, mas eram iguaizinhos a nós: se o jogo era atraente, eles iam, mas não a ponto de lotar o estádio, isso só em finais, tanto assim que o jogo de maior público naquele ano foi contra o Santos, imagino que também graças a um rapazinho esforçado que jogava com a 10 no time adversário; se o jogo era mequetrefe, só a galera mais fanática dava as caras, provavelmente Jaime de Carvalho, Moraes (que na época era novinho) e mais uma meia dúzia.
O que era realmente diferente, então?
Simples: o Maraca era palco apenas dos grandes espetáculos, contra os pequenos a partida era jogada na Gávea mesmo.
E ali, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, com a vista mais bela do Rio, dava para conviver com 2 mil pagantes, as despesas eram baixas e a arquibancada miúda ficava lotada de qualquer jeito. Quando os mandantes eram os adversários, o Flamengo também jogava para plateias minúsculas na Rua Bariri, em Ítalo del Cima, Conselheiro Galvão e outras maravilhosas arenas desse porte.
Então se a FERJ quer mesmo manter esse Carioca com 16 clubes, com jogos desinteressantes na hora da Sessão Coruja onde só os muito aficionados irão, não tem problema nenhum: vamos voltar para a Gávea, no nobre estádio José Bastos Padilha, o avô do Robocop. Improvisa umas cabines de imprensa, compra uns refletores e fim de papo. Ali 500 pessoas parecem uma multidão, ninguém nem vai reparar que estará vazio.
Era assim que se fazia antigamente. O que mostra que caminhamos muito para trás. Não tem porque deixar de lutar por essa solução. É muito melhor do que ficar todo mundo em busca de responsáveis para o fracasso total de público, como se a culpa fosse dos malvados azuis, da CIA ou do José Dirceu.
A culpa, com todo respeito, é do Madureira, do Bonsucesso e do Audax. Ninguém gosta de ver filme cujo final já se sabe de véspera. Assim faziam nossos avós, assim fazemos nós, assim farão nossos netos.
Operação Gávea 2015 – eu apoio.
Walter Monteiro
Mengão Sempre
Rubro-negro bem vestido, me ajuda a acabar com os perebas no time do Flamengo. Entra logo no sócio torcedor.
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