1 de dez. de 2013

O outro lado do ‘Maracanazo’: livro destrincha, do ponto de vista uruguaio, as polêmicas que o gol de Ghiggia escondeu

A famosa foto do gol de Ghiggia, com o uruguaio já comemorando e o goleiro Barbosa estendido no chão
A famosa foto do gol de Ghiggia, com o uruguaio já comemorando e o goleiro Barbosa estendido no chão
Rafael Oliveira
Tamanho do texto A A A
O famoso gol de Ghiggia, que decretou, aos 34m do segundo tempo, a vitória do Uruguai sobre o Brasil por 2 a 1 na final da Copa de 1950, não silenciou só o Maracanã. Abafou também polêmicas que envolveram a organização do Mundial e criou uma mística eterna entre Brasil e Uruguai. Lançado em julho no país vizinho, que na semana passada comemorou a vaga para voltar a jogar um Mundial no Brasil em 2014, o livro “Maracana, la historia secreta” refaz os passos das duas equipes protagonistas do torneio e relembra histórias que acabaram escondidas debaixo mito do “Maracanazo”.
Um uruguaio que ouvisse, em 1949, a um ano do início da Copa, alguém dizer que a Celeste seria a vencedora, riria da previsão. O futebol na terra dos campeões de 1930 estava afundado no caos. Recém-saído de uma greve de jogadores que paralisou todas as competições por quase sete meses, o Uruguai não conseguia definir o técnico da seleção por conta de uma briga política entre Nacional e Peñarol. Cada um dos dois grandes clubes do país tentava emplacar um nome e boicotava a sugestão do rival. O martelo só foi batido a 23 dias da estreia, com a escolha de Juan López, que era vinculado ao modesto Central.
O Brasil fez o oposto. O técnico Flávio Costa isolou os jogadores primeiro em Araxá (MG), e depois em uma mansão no Joá, longe da euforia que tomou o Rio. Seria o ambiente perfeito, não fosse a intervenção dos políticos que tentaram se promover às custas da seleção na Copa.
— Criou-se um “Já ganhamos” empurrado pelo prefeito (Mendes de Morais) e pelo (presidente) Marechal Dutra. Empurrado por toda essa gente, comete-se a burrada de 13 de julho (três dias antes da final): em vez de voltar para a concentração, dão folga aos jogadores. E, depois, vão para São Januário, onde passam sexta, sábado e domingo em encontros políticos — conta o autor do livro, Atílio Garrido, enumerando ainda outros fatores para a derrota brasileira: a dificuldade de encontrar um time titular, a fragilidade da defesa e a falta de jogos internacionais na preparação.
A seleção de 1950 posa para a foto do título que nunca veio
A seleção de 1950 posa para a foto do título que nunca veio Foto: Reprodução
A semana que antecedeu a decisão foi uma aula de como se perder uma Copa. O livro descreve que, após a goleada por 7 a 1 sobre a Suécia, pelo quadrangular final, Flávio Costa e um dos massagistas da delegação aceitaram se candidatar a vereador nas eleições que ocorreriam três meses depois. Para completar, além das visitas de políticos, os jogadores passaram as horas prévias à decisão ganhando brindes de empresas interessadas em tê-los como garotos-propaganda. No domingo, quando o ônibus que os levava ao Maracanã enguiçou, eles tiveram que ajudar a empurrá-lo. Para completar, a preleção não foi dada só pelo técnico, mas também pelo prefeito.
— O mais interessante é que, primeiro, o Brasil não tinha mais time que o Uruguai. E que o Uruguai não se deu conta de que, novamente, tinha o melhor time do mundo. Portanto, (os brasileiros) não deveriam recriminar tanto os jogadores de 1950 porque perderam. Eles não eram invencíveis — afirma Garrido.
"Pode ser que haja um novo 'Maracanazo'"
Hoje, como sempre, futebol e política ainda caminham lado a lado. Mas os jogadores, protagonistas do que se passa dentro das quatro linhas, estão mais blindados. Para Garrido, a principal semelhança entre a preparação para 1950 e a atual está mesmo no aspecto técnico. Assim como Flávio Costa, Felipão não tem uma equipe indiscutível à sua disposição. Por isso mesmo, o autor se arrisca a fazer uma previsão nada populista entre os brasileiros:
— O que me preocupa é: como resolveram que o Brasil só joga no Maracanã se chegar à final? Pode ser que haja um novo ‘Maracanazo’. Não com o Uruguai, porque não acredito que o Uruguai vá chegar à final. Mas com Argentina ou Alemanha... É muito difícil jogar só uma partida no Maracanã, e várias pessoas que acompanham a seleção e entendem de futebol dizem que o time é fraco.
O gol de Ghiggia foi exibido no Estadio Centenário, antes do jogo entre Uruguai e Jordânia, pela respescagem da Copa-2014
O gol de Ghiggia foi exibido no Estadio Centenário, antes do jogo entre Uruguai e Jordânia, pela respescagem da Copa-2014 Foto: PABLO PORCIUNCULA / AFP
A relação de Garrido com o Brasil é antiga. O jornalista investiga as histórias da Copa de 1950 há três décadas e é amigo de Kleber Leite, ex-presidente do Flamengo. Tanto que deu a seus dois cachorros os nomes de Fla (a fêmea) e Mengo (o macho).
Começou a escrever o livro em 2007 e preparou uma edição brasileira, com menos páginas e que foca no lado verde e amarelo da história. Ele está à procura de uma editora no Brasil para publicá-lo e, ao mesmo tempo, acompanha a reta final de preparação do documentário que será baseado em seu livro e se chamará “Maracanã”, com previsão de estreia para março. Embora a história retrate um momento de glória uruguaio, 63 anos depois é vista com melancolia.
— Enquanto o mundo mudou e o futebol daqui se deteriorou, o país ficou olhando para a façanha do passado.
Curiosidades do livro
Troca-Troca
Nos sete meses que antecederam a Copa de 1950, o Uruguai teve cinco treinadores: Pedro Cea, Romeo Vazquez, Enrique Fernandez, Emérico Hirschl e Juan López, que foi campeão com o time no torneio.
Sem Eliminatórias
A vaga uruguaia para o Mundial de 1950 foi obtida sem esforço. Equador e Peru desistiram de participar, e a Celeste e o Paraguai se classificaram automaticamente.
Argentina e Bangu
Os argentinos anunciaram que, em protesto, não disputariam as Eliminatórias após a CBD proibir o Bangu de fazer excursão no país. Com isso, ficaram fora do Mundial.
Ghiggia, um anônimo
Treze meses antes da Copa, Ghiggia era um desconhecido. No terceiro escalão do elenco do Peñarol, teve chance entre os titulares devido à greve de jogadores.


Leia mais: http://extra.globo.com/esporte/copa-2014/o-outro-lado-do-maracanazo-livro-destrincha-do-ponto-de-vista-uruguaio-as-polemicas-que-gol-de-ghiggia-escondeu-10930492.html#ixzz2mFYyMrSG

Nenhum comentário: