A condição imposta pelo Flamengo foi ignorada por Adriano. No início do mês passado, Zinho decidiu dar uma nova chance ao atacante após o sumiço nos últimos dias de setembro. Ao saber que o jogador cogitara a aposentadoria, o diretor de futebol se reuniu com o camisa 10 em 1º de outubro e avisou que só o perdoaria se ele passasse a frequentar o consultório de um psicólogo. O clube indicou um profissional, mas Adriano não apareceu. Na última terça-feira, ao confirmar oficialmente o desligamento do Imperador, Zinho lamentou a quebra da promessa, disse que a condução do caso chegou ao limite e que esbarrou no próprio Adriano.
- Foram dados o número do telefone e o endereço do profissional para ele, o empresário (Luca) falou que chegou a marcar uma consulta com o psicólogo, mas ele não conseguiu ir. O próprio psicólogo disse que é ele (Adriano) quem tem que tomar a atitude, não pode ser obrigado. Acho que um clube como o Flamengo motiva qualquer ser humano. Ele não conseguiu ter essa motivação total para se recuperar. Depende só dele, ele querer – afirmou o dirigente, que pretende ajudar o jogador como amigo após a rescisão de contrato.
Na avaliação do psiquiatra Marcelo Migon, membro da Associação Internacional de Psiquiatria Esportiva e especialista em dependência química da Universidade Federal de São Paulo, o Flamengo errou na condução do caso. Para Migon, o quadro mostra que Adriano está doente e que já deveria ter sido submetido a um tratamento intensivo.
- Ele foi contratado em 22 de agosto. Sabia que não poderia ter faltas, que com três advertências por indisciplina o vínculo seria interrompido. Pouco depois, ele esquece o contrato e falta. Pede desculpa ao clube e diz que não vai se repetir. Depois acontece a mesma coisa e recebe a terceira advertênca. Uma pessoa que no dia 22 de agosto diz que vai se adaptar ao profissionalismo e não consegue tem uma doença. Não é porque o tendão inchou. Ele tem um problema e já sabemos qual é, que envolve o consumo exagerado de álcool. O que isso mostra? Mostra que não tenho mais o poder de decidir o que faço da minha vida. Eu não controlo mais a minha vida. Isso é um dos pontos centrais da dependência química, a perda do controle. Essa é a característica da doença. Ou a pessoa recebe o tratamento específico ou não terá saída. Entendo que hoje ele precisaria no mínimo de um acompanhamento 24 horas por dia, de um cão de guarda. Tem de ser feito o bloqueio de acesso a qualquer tipo de pessoa que o prejudique, tem que limpar a casa, tirar todo o álcool, tem que ser radical. Se não modificar a vida dele radicalmente, a doença vai continuar. O Flamengo não conduziu da forma correta. Não tem nada de depressão porque perdeu o pai. O problema é o álcool – frisou o médico, que já conversou informalmente com Adriano em algumas ocasiões.
O jogador costuma desconversar quando lhe sugerem um tratamento psicológico. Ao longo de sua vida, compareceu a poucas sessões durante os anos de 2008 e 2009, em suas passagens por São Paulo e Flamengo. Segundo Marcelo Migon, o caso exige internação.
- O tratamento do dependente químico envolve a família. Às vezes alguém da família acha que é bobagem, diz para ele tomar uma cervejinha, mas é essa cervejinha que conduz ao padrão de uso exagerado, abusivo. A família precisa aprender. A casa dele tem que ser limpa, jogar álcool no lixo. Se nos próximos três meses conseguir se manter em abstinência, você tira esse cão de guarda. Nesse momento, precisa de alguém. Eu deixaria internado. Internaria numa clínica. Seria da clínica para o treino, do treino para a clínica. Sem visita dessas pessoas que querem se aproveitar da fama dele. Atendo alguns profissionais que passam horas na clínica, dormem e saem de manhã para trabalhar. Não interrompe a carreira, consegue ter a segurança de que está dormindo num local confortável, alimentação e que vai treinar. Aceleraria a recuperação. Desta forma, eu o colocaria para jogar em um mês, quarenta dias, num trabalho em conjunto com a parte médica e física.
Na entrevista de terça, Zinho evitou comentar o estado de saúde de Adriano, mas deixou claro que não considera normais algumas das atitudes do jogador, como o fato de ele ter discursado durante uma festa numa casa de shows da Barra da Tijuca na quinta-feira passada. Pessoas que estavam no evento registraram em vídeo o momento em que o camisa 10 foi para a frente do palco e, de microfone em punho, disse ser favelado e que sabia que no dia seguinte as imagens estariam na internet. Adriano havia faltado ao treino de quinta, não apareceu na atividade de sexta e pediu liberação até terça-feira.
- Não sou médico, não posso dizer se ele está doente. Isso que ele fez ali não é de uma pessoa que está normal. Não vem para o trabalho, mas sobe num palco e dá uma declaração daquelas? Você acha normal isso? Não é errado ir a uma festa. Não é errado ser da favela. Eu sou de Nova Iguaçu. Não nego as minhas raízes, amo minha cidade, continuo indo lá, tenho casa lá. E nem por isso tenho condutas diferentes do que tem que ser de um profissional. Ele tem que se cuidar para não tomar atitudes como naquele vídeo, algo que não é de um atleta profissional – comentou Zinho.
Para o psiquiatra Marcelo Migon, o discurso de Adriano aos palavrões durante o show de funk e outras manifestações, como os textos postados por ele no Twitter, são uma forma de defesa encontrada pelo jogador.
- É medo de assumir a responsabilidade pelo problema real que existe hoje. Ele se defende agredindo. Eu conversei com ele algumas vezes e ele dizia: “Tem nada, não, tem nada, não”. Ele nega, agride. É a forma que a pessoa que está acuada usa para se defender. A questão do controle é uma das características centrais. A outra é a negação. Ele cria boas justificativas, passa por coitado, perdeu o pai, menino pobre. Você vê vários meninos que saem de baixo, como Neymar, Robinho, que não seguiram esse caminho. Zico não era rico. Veio de baixo. O Ronaldo (Fenômeno) veio de baixo. Não veio da favela, mas o primeiro apartamento que ele comprou foi em São Cristóvão. Um apartamento de um quarto para morar com a família. É uma característica hereditária. Não é defeito dele (Adriano), mas é uma alergia que ele tem ao álcool. A combinação dele com a substância dá uma reação totalmente contrária. O mais importante é dizer que o Adriano não é culpado por ter adoecido. Mas ele é responsável por se cuidar daqui para frente. Como é uma doença, precisa de orientação médica definitiva. Ou não vai ter jeito.
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