Em 2003, o Barcelona vivia um momento complicado. O time havia acabado de terminar num decepcionante sexto lugar no Campeonato Espanhol e estava envolvido em uma preocupante crise financeira. Dez anos depois, o time tem o melhor jogador do mundo e venceu três vezes a Liga dos Campeões no período. O Barça virou mais que um clube, e um dos homens responsáveis por isso trabalha noManchester City, fala português fluentemente e, quem diria, ajuda as duas equipes de maior torcida do Brasil.
Ferran Soriano foi o vice-presidente financeiro do Barcelona de 2003 a 2008, período em que o clube catalão triplicou suas receitas e, esportivamente, alcançou o topo do futebol mundial. A reformulação da qual participou inspirou o dirigente a escrever um livro, intitulado “A bola não entra por acaso”, contando o tempo no Barça e explicando as decisões tomadas. A obra, que está sendo relançada no Brasil, virou uma espécie de bíblia para cartolas de Flamengo e Corinthians, que não demoraram para procurar o espanhol.
- Tenho amigos de muitos anos no Corinthians, e tive a oportunidade de falar com eles e compartilhar experiências. No Flamengo, também fui procurado por amigos e tive uma conversa com as principais pessoas da chapa que venceu as eleições, também para compartilhar dicas. Foi só uma conversa, mas fiquei bem impressionado com estas pessoas preparadas e com muito amor pelo clube, dispostas a trabalhar muito – contou Soriano, em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM
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A relação com o Corinthians, porém, é mais antiga: vem desde 2007. Soriano trabalhou no setor de telecomunicações no Brasil – daí o português fluente – e fez amigos, entre eles um dirigente do Timão. Depois, o relacionamento se estendeu a Luis Paulo Rosenberg, então vice-presidente de marketing do clube.
- Um conselheiro do Corinthians me pediu para encontrar os dirigentes, fazer uma palestra, ter algumas conversas. Depois, conservei contato com o Luis Paulo. Nos falamos de vez em quando. Não é nada profissional, é só amizade e colaboração, sem interesse. O mérito é só deles. O Corinthians é um exemplo de melhora de um clube por via da profissionalização.
No Fla, mandamentos são seguidos à risca
No Flamengo, muitas das decisões da nova diretoria no início do ano - a última foi a demissão de Dorival Júnior, após uma tentativa frustrada de redução salarial - ficam mais claras quando se conhece algumas das ideias de Soriano, com quem os dirigentes conversaram durante a Soccerex, no fim do ano passado. Em seu livro, o espanhol aborda formas dos clubes aumentarem suas receitas e ressalta o marketing como principal caminho. Também explica medidas que teve de tomar no Barcelona, como se desfazer de atletas mais caros do que o clube poderia pagar - na época, Saviola e Riquelme. No caso do Rubro-Negro, a preocupação dos cartolas em se aproximar dos torcedores e a saída de Vagner Love fazem mais sentido com a influência dos mandamentos do ex-dirigente do Barça.
Outro ponto em comum é a questão do profissionalismo. Soriano defende que a gestão dos clubes seja feita por pessoas remuneradas, comprometidas com metas, que administrem da mesma maneira que fariam com grandes empresas. Novamente, o discurso combina com o da nova gestão rubro-negra.
- Para tudo se precisa de profissionalismo. Craques no campo, mas também no escritório. Talentos chegados de outras indústrias para gerenciar os clubes de futebol do mesmo jeito que se gerencia as grandes multinacionais do mundo – disse Soriano.
Por fim, a valorização da base também é um dos lemas do espanhol. O Barcelona é conhecido no mundo por seu trabalho com jovens e a integração deles na equipe principal. No Flamengo, a máxima que fala em fazer craque em casa também se tornou plataforma da nova gestão.
- A lógica é primeiro esportiva. A história diz que sempre que o Barcelona ganhou, ele teve uma base de jogadores formados em casa. Jogadores que atuaram juntos desde crianças e que compreendem a dimensão e a complexidade do clube. Há também uma lógica econômica. É muito difícil um clube ser sustentável economicamente se tiver de comprar todos os jogadores. Lembro-me de que fizemos uma análise de qual era o custo médio de cada jogador formado no clube que chegava aos profissionais: € 2 milhões (R$ 5 milhões), muito menos que qualquer jogador comprado fora.
Para apostar na base, porém, é preciso esperar que ela dê frutos. Soriano conta que uma das estratégias da diretoria catalã era se antecipar a possíveis interessados e cuidar para que as jovens promessas não tivessem vontade de sair do Barcelona. Atualmente, o Rubro-Negro vive um caso emblemático, tendo de negociar o meia Mattheus para não perdê-lo de graça no fim do ano. Destaque na temporada, Rafinha foi pelo lado oposto: mal começou a brilhar, já renovou contrato e ganhou um aumento salarial.
- Eu acho que a chave com estes jogadores foi sempre se antecipar às mudanças no valor que eles entregavam no campo. Várias vezes, no tempo em que eu estive no Barcelona, oferecemos melhorias de contrato a jogadores como Iniesta ou Messi antes de eles pedirem, para sermos justos com o valor que eles geravam para o time, mas também para dar a mensagem de que eles não deviam se preocupar, procurar fora, porque em casa eles sempre seriam reconhecidos e valorizados.
Os mandamentos de Soriano | |
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Gerir o futebol como se fosse uma empresa | Explorar o marketing como fonte de receita |
Montar um elenco equilibrado e comprometido | Renegociar contratos com variáveis de desempenho |
Valorizar as divisões de base do clube | Negociar com objetividade |
Fazer as mudanças no primeiro ano de gestão | Saber gerir a vaidade também entre dirigentes |
Ter cuidado com a imagem do clube | No fim das contas, talento ainda é o mais importante |
Otimismo com o futebol brasileiro
Além da relação com dirigentes de Corinthians e Flamengo, Soriano também demonstra interesse no futebol brasileiro. Para ele, o bom momento econômico significa uma grande oportunidade para que os clubes possam competir até mesmo com os gigantes do Velho Continente.
- Quando comecei a estudar o futebol brasileiro, há poucos anos, um clube do mais alto nível tinha um faturamento de 50 milhões de dólares. Hoje, isso multiplicou por três. Esta quantidade é maior que a de um clube médio espanhol e de um grande clube da Holanda. O futebol brasileiro cresceu, como outras indústrias, junto com o crescimento geral da economia brasileira. E tudo isso está acontecendo num país enorme, com uma paixão pela bola sem limites, pronto para organizar uma Copa do Mundo. O Brasil sempre foi o paraíso do talento futebolístico, agora pode ser também do negócio do futebol. Se os grandes clubes brasileiros não aproveitarem esta oportunidade, será responsabilidade deles.
Copa, marketing e TV: caminho para a evolução
As oportunidades citadas por Soriano são divididas por ele em três áreas: os investimentos nos estádios por conta da Copa – o Corinthians, por exemplo, terá uma nova arena por conta disto -, os contratos de televisão e o marketing.
- Os investimentos no estádios vão permitir oferecer uma experiência muito melhor aos torcedores e, assim, aumentar os preços. A grande oportunidade está na oferta de hospitalidade, nas cadeiras e palcos para empresas e seus clientes. Precisa-se também de uma mudança cultural para considerar assistir aos jogos como uma experiência cômoda, segura e até com um certo nível de luxo. Os contratos de TV dos clubes brasileiros melhoram substancialmente, mas ainda há espaço para o crescimento. E, no marketing, além do que já se faz, há uma enorme oportunidade no desenvolvimento de conteúdos mídia para os torcedores a serem distribuídos pela internet e os celulares.
Para Soriano, um exemplo bem-sucedido, que pode ser seguido por outros clubes, é o do Corinthians. O Timão, atual campeão mundial, já figura na lista de clubes com mais receitas no mundo e, no mercado de jogadores, faz ações “chanceladas” pelo espanhol: segurar jogadores valorizados (Paulinho) e repatriar atletas (Pato e Renato Augusto).
- Hoje em dia, os clubes brasileiros já podem competir com muitos clubes europeus. O Corinthians, com os seus quase € 100 milhões (R$ 260 milhões, aproximadamente) de faturamento, está em 31º lugar no ranking mundial de receita e pode competir pelo talento, em forma de jogadores brasileiros que já não precisam sair do pais tão cedo, como o Neymar, e outros brasileiros que são "recuperados" da Europa, além de outros jogadores da América do Sul que podem ir jogar no Brasil em vez da Europa
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