1 de jun. de 2012

Coreografias, dívida, atrasos... os 16 meses de Ronaldinho no Flamengo


Do Bonde sem Freio ao Parado na Esquina. Do "agora eu sou Mengão" ao processo na Justiça. Dezesseis meses se passaram desde que a torcida lotou o gramado da Gávea para aplaudir a apresentação de Ronaldinho Gaúcho no Flamengo. Uma história de altos e baixos, com capítulos de drama e pastelão, que terminou sem um final feliz.
Ronaldinho túnel Flamengo Grêmio (Foto: Ag. Estado)Ronaldinho deixa o Flamengo após decisão judicial (Foto: Ag. Estado)
A chegada ao Rubro-Negro foi no dia 12 de janeiro de 2011. No palco montado na Gávea, cantores de pagode e funk fizeram a festa dos torcedores, que chegaram a até mesmo derrubar o portão da sede para garantir lugar e ficar à espera daquele que tentaria resgatar o prestígio do Império do Amor, formado por Adriano e Vagner Love em 2010. Ao lado da presidente Patricia Amorim, que mostrava o sorriso de campeã depois de vencer o leilão pelo jogador com Grêmio e Palmeiras, o novo camisa 10 recebeu o microfone e disse em alto e bom som:
- Estou fechado com vocês. Agora eu sou Mengão.
Ronaldinho no Flamengo
74 jogos
1 título
28 gols
19 cartões amarelos
2 cartões vermelhos
A estreia foi contra o Nova Iguaçu, em 2 de fevereiro. Minutos depois da entrada em campo, no Engenhão, Léo Moura passou a braçadeira de capitão ao novo contratado. Na arquibancada, um mosaico da torcida dava o tom: "Bem-vindo, R10". Mas foi Wanderley que garantiu a festa, com o gol que deu a vitória por 1 a 0.
Ronaldinho só veio a balançar a rede no jogo seguinte, de pênalti, no triunfo por 3 a 2 sobre o Boavista. Adversário também vencido na conquista da Taça Guanabara. Na Taça Rio, a vitória sobre o Vasco na final, em decisão por pênaltis, deu ao Flamengo o título carioca, única conquista de Ronaldinho no clube. Era o auge do Bonde sem Freio.
A alegria e as coreografias, porém, ficaram no âmbito estadual. Ao fim do campeonato, o semblante mudou. De Ronaldinho e da torcida. As notícias de festas até altas horas levaram a iniciativas como o "Disque-Dentuço", serviço colocava à disposição um número de telefone para vigiar os passos do jogador pela vida noturna do Rio de Janeiro. O departamento de futebol do clube chegou a pedir ajuda até mesmo ao irmão e empresário do craque, Assis, para conter os excessos do caçula.
R10 tem noite mágica contra o Santos
Em campo, a fase também não era boa. Depois da conquista invicta do Carioca, o time amargou a primeira derrota na temporada em 5 de maio, para o Ceará, no jogo de ida das quartas de final da Copa do Brasil. Pela primeira vez, Ronaldinho foi vaiado pela torcida. Em sua partida seguinte, em Fortaleza, o camisa 10 viu o Flamengo ser eliminado da competição, perdendo uma chance de chegar à Libertadores.
A má fase ficou de lado em uma noite. Uma noite mágica em que dois gênios do futebol se encontraram. Ronaldinho e Neymar protagonizaram o melhor jogo do Brasileirão de 2011. Depois que o Santos fez 3 a 0 ainda no primeiro tempo, o camisa 10 rubro-negro lembrou seus tempos de Barcelona e marcou três gols, comandando a vitória por 5 a 4 que entrou para a história do campeonato.
Ronaldinho nota de 100 caráter (Foto: Reprodução)Torcida do Grêmio leva cédula de '100
caráter' ao Olímpico (Foto: Reprodução)
As atuações naquele que já virou um clássico do futebol e nos jogos seguintes - contra Grêmio, quando foi chamado de pilantra e mercenário no Olímpico, Cruzeiro e Coritiba - ajudaram-no a recuperar um sonho antigo: voltar à Seleção Brasileira. O Flamengo, no entanto, não acompanhou a virada de maré do jogador e iniciou uma sequência de dez jogos sem vitórias no Brasileirão, passando da vice-liderança à sexta posição na tabela.
Dívidas vêm à tona
Em novembro, surgiram os primeiros sinais de crise direta com R10. Grande parte dos últimos vencimentos do jogador não estava sendo depositada devido a atritos na elaboração do contrato entre Flamengo e Traffic, que pagava parte de seu salário.
Ronaldinho voltou a marcar em 27 de novembro, contra o Internacional (assista ao vídeo abaixo). Em seguida, o empate por 0 a 0 com o Vasco levou o Flamengo de volta à Libertadores e ajudou a dar ao camisa 10 o prêmio de melhor meia pela esquerda no Craque do Brasileirão, superando o companheiro de time Thiago Neves e Montillo, do Cruzeiro.
Foi o último sinal de glória de Ronaldinho no Flamengo. Quando a folha do calendário virou para 2012, a profecia do fim do mundo parecia fazer algum sentido na Gávea. O imbróglio do clube com a Traffic tomou rumos mais dramáticos, com Assis avisando que o meia não entraria em campo para enfrentar o Real Potosí, pela fase prévia da Libertadores, caso a dívida de R$ 3,75 milhões não fosse depositada, o que só aconteceria se o contrato estivesse assinado. Rumores da saída do jogador para Itália e Espanha ganharam força na Gávea pelas palavras do próprio irmão do camisa 10.
E aquilo que se tornaria uma rotina teve início. Faltas e atrasos em treinos começaram a marcar a trajetória de Ronaldinho no Flamengo. Nos dois primeiros dias após a reapresentação, o jogador alegou insônia e dormiu no CT no turno da manhã, enquanto os companheiros entraram em campo.
Na pré-temporada em Londrina, no Paraná, o relacionamento de R10 com o técnico Vanderlei Luxemburgo chegou a um momento crítico. O ápice foi o episódio Sherlock, quando o técnico desconfiou que o jogador levara uma mulher para a concentração e foi à sala de vídeos do hotel onde a delegação estava hospedada para conferir a movimentação do camisa 10 nos corredores, nos dias 10 e 11 de janeiro.
Com a divulgação da tentativa de Luxemburgo de ter provas da falta de comprometimento do jogador, a crise foi aumentando. Assis levou o assunto a uma reunião com Patricia Amorim e saiu de lá com a garantia de que Luxa sairia do cargo. O mesmo foi dito a Ronaldinho, em uma ligação antes do amistoso contra o Corinthians na pré-temporada, enquanto ele ainda estava no ônibus que o levaria ao estádio.
Assim foi feito. Após a vitória no segundo jogo contra o Real Potosí, e a vaga confirmada na Libertadores, Luxemburgo foi demitido, e Ronaldinho saiu fortalecido.
Aumenta a dívida; diminui a participação em treinos
Saiu Luxa, entrou Joel Santana, mas a situação não mudou. O Flamengo continuou devendo a Ronaldinho, que manteve as faltas e atrasos a treinos. O cenário piorou quando a Traffic tentou renegociar questões ligadas a patrocínio, licenciamento de produtos e programa de fidelidade para o torcedor, esbarrando em resistências do departamento de marketing. Juntou-se a isso o fato de a empresa não ter recebido um centavo da negociação do patrocínio master com a Procter & Gamble, agenciado pela 9ine, que tem como sócio Ronaldo Fenômeno.
O resultado foi a suspensão do pagamento do camisa 10 por cinco meses, até o início de fevereiro, quando a relação do Flamengo com a Traffic foi encerrada e o clube se comprometeu a assumir o valor integral de R$ 1,25 milhão do salário de Ronaldinho e a pagar R$ 3,75 millhões que a empresa devia ao meia.
A essa altura, os atrasos e faltas a treinos ficaram mais constantes. Até o fim de março, Ronaldinho já tinha sido ausência em nove atividades do grupo. As razões alegadas foram de precaução com a parte física, passando por diarreia, conjuntivite e insônia.
Na semana da estreia pelo Brasileiro, numa quarta-feira, o jogador chegou sem condições ideais para trabalhar. Diretor de futebol recém-contratado, Zinho negou, mas fez dura cobrança na frente do elenco. No dia seguinte, novo atraso, de oito minutos. A paciência do dirigente foi ao limite, e ele chegou a levantar a voz para o meia, pedindo desculpas em seguida. O time se preparava para o nacional após frustrações na Libertadores - com eliminação na primeira fase - e no Carioca - com derrotas para o Vasco nas semifinais da Taça Guanabara e Taça Rio.
Vídeo de Coutinho leva à ação na Justiça
A história de Ronaldinho no Flamengo parecia estar chegando aos capítulos finais. Mas ainda faltavam alguns contos, que deram um tom dramático aos rubro-negros e cômico aos rivais. Há pouco mais de uma semana, Assis esteve na loja da sede da Gávea e quis levar cerca de 40 itens sem pagar, alegando:
- O Flamengo não paga o meu irmão, então não vou pagar também.
episódio foi contornado pelo vice de finanças Michel Levy, que cedeu 25 camisas que faziam parte de sua cota ao empresário. Neste momento, Assis já alegava que o clube devia R$ 5 milhões referentes a salários e direitos de imagem. A diretoria fala em R$ 2,25 milhões.
Fora do futebol, Ronaldinho e Assis também não viviam um bom momento. O meia foi liberado do treino da última segunda-feira para ir a Porto Alegre visitar a mãe, Miguelina, que havia sido submetida a uma cirurgia para retirada de um tumor. O jogador, porém, era esperado para o treino de terça-feira, mas não foi, ligando para Zinho e avisando que ficaria com a mãe, ainda internada.
R10 só voltou ao Rio de Janeiro na noite desta quarta-feira. Um dia depois, assistiu ao vídeo do vice de futebol Paulo Cesar Coutinho conversando com torcedores no desembarque em Teresina, onde o Flamengo disputou um amistoso contra a seleção do Piauí. Nas imagens (assista ao vídeo acima), gravadas por um torcedor, Coutinho disse que conversou com Patricia Amorim e afirmou que Ronaldinho já havia sido afastado do Flamengo. Após a repercussão na mídia, Zinho negou o afastamento, e o dirigente pediu desculpas.
As declarações foram o estopim para Ronaldinho e Assis acionarem o Flamengo na Justiça para cobrar uma dívida de R$ 40.177.140 e conseguir a liberação para o jogador assinar com outro clube, apesar de ter contrato até o fim de 2014. Além disso, a dupla pretende processar Coutinho por danos morais.
Há 54 dias, Ronaldinho falou pela primeira vez em deixar o Flamengo. Ao marcar o gol contra o Vasco, na sétima rodada da Taça Rio, declarou em entrevista ao canal PFC:
- Desde o primeiro dia que cheguei, sempre venho sendo tratado com muito amor, muito carinho, e é assim que eu espero sair daqui, pela porta da frente, fazendo aquilo que eu sei e ajudando meus companheiros.
Menos de dois meses depois, a alegria virou frustração, o carinho foi abatido pela dívida e pelas discussões com dirigentes, e a história de Ronaldinho Gaúcho com o Flamengo - ao menos dentro de campo - terminou.

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