Do Bonde sem Freio ao Parado na Esquina. Do "agora eu sou Mengão" ao processo na Justiça. Dezesseis meses se passaram desde que a torcida lotou o gramado da Gávea para aplaudir a apresentação de Ronaldinho Gaúcho no Flamengo. Uma história de altos e baixos, com capítulos de drama e pastelão, que terminou sem um final feliz.
A chegada ao Rubro-Negro foi no dia 12 de janeiro de 2011. No palco montado na Gávea, cantores de pagode e funk fizeram a festa dos torcedores, que chegaram a até mesmo derrubar o portão da sede para garantir lugar e ficar à espera daquele que tentaria resgatar o prestígio do Império do Amor, formado por Adriano e Vagner Love em 2010. Ao lado da presidente Patricia Amorim, que mostrava o sorriso de campeã depois de vencer o leilão pelo jogador com Grêmio e Palmeiras, o novo camisa 10 recebeu o microfone e disse em alto e bom som:
- Estou fechado com vocês. Agora eu sou Mengão.
A estreia foi contra o Nova Iguaçu, em 2 de fevereiro. Minutos depois da entrada em campo, no Engenhão, Léo Moura passou a braçadeira de capitão ao novo contratado. Na arquibancada, um mosaico da torcida dava o tom: "Bem-vindo, R10". Mas foi Wanderley que garantiu a festa, com o gol que deu a vitória por 1 a 0.
Ronaldinho só veio a balançar a rede no jogo seguinte, de pênalti, no triunfo por 3 a 2 sobre o Boavista. Adversário também vencido na conquista da Taça Guanabara. Na Taça Rio, a vitória sobre o Vasco na final, em decisão por pênaltis, deu ao Flamengo o título carioca, única conquista de Ronaldinho no clube. Era o auge do Bonde sem Freio.
A alegria e as coreografias, porém, ficaram no âmbito estadual. Ao fim do campeonato, o semblante mudou. De Ronaldinho e da torcida. As notícias de festas até altas horas levaram a iniciativas como o "Disque-Dentuço", serviço colocava à disposição um número de telefone para vigiar os passos do jogador pela vida noturna do Rio de Janeiro. O departamento de futebol do clube chegou a pedir ajuda até mesmo ao irmão e empresário do craque, Assis, para conter os excessos do caçula.
R10 tem noite mágica contra o Santos
Em campo, a fase também não era boa. Depois da conquista invicta do Carioca, o time amargou a primeira derrota na temporada em 5 de maio, para o Ceará, no jogo de ida das quartas de final da Copa do Brasil. Pela primeira vez, Ronaldinho foi vaiado pela torcida. Em sua partida seguinte, em Fortaleza, o camisa 10 viu o Flamengo ser eliminado da competição, perdendo uma chance de chegar à Libertadores.
A má fase ficou de lado em uma noite. Uma noite mágica em que dois gênios do futebol se encontraram. Ronaldinho e Neymar protagonizaram o melhor jogo do Brasileirão de 2011. Depois que o Santos fez 3 a 0 ainda no primeiro tempo, o camisa 10 rubro-negro lembrou seus tempos de Barcelona e marcou três gols, comandando a vitória por 5 a 4 que entrou para a história do campeonato.
As atuações naquele que já virou um clássico do futebol e nos jogos seguintes - contra Grêmio, quando foi chamado de pilantra e mercenário no Olímpico, Cruzeiro e Coritiba - ajudaram-no a recuperar um sonho antigo: voltar à Seleção Brasileira. O Flamengo, no entanto, não acompanhou a virada de maré do jogador e iniciou uma sequência de dez jogos sem vitórias no Brasileirão, passando da vice-liderança à sexta posição na tabela.
Dívidas vêm à tona
Em novembro, surgiram os primeiros sinais de crise direta com R10. Grande parte dos últimos vencimentos do jogador não estava sendo depositada devido a atritos na elaboração do contrato entre Flamengo e Traffic, que pagava parte de seu salário.
Ronaldinho voltou a marcar em 27 de novembro, contra o Internacional (assista ao vídeo abaixo). Em seguida, o empate por 0 a 0 com o Vasco levou o Flamengo de volta à Libertadores e ajudou a dar ao camisa 10 o prêmio de melhor meia pela esquerda no Craque do Brasileirão, superando o companheiro de time Thiago Neves e Montillo, do Cruzeiro.
Foi o último sinal de glória de Ronaldinho no Flamengo. Quando a folha do calendário virou para 2012, a profecia do fim do mundo parecia fazer algum sentido na Gávea. O imbróglio do clube com a Traffic tomou rumos mais dramáticos, com Assis avisando que o meia não entraria em campo para enfrentar o Real Potosí, pela fase prévia da Libertadores, caso a dívida de R$ 3,75 milhões não fosse depositada, o que só aconteceria se o contrato estivesse assinado. Rumores da saída do jogador para Itália e Espanha ganharam força na Gávea pelas palavras do próprio irmão do camisa 10.
E aquilo que se tornaria uma rotina teve início. Faltas e atrasos em treinos começaram a marcar a trajetória de Ronaldinho no Flamengo. Nos dois primeiros dias após a reapresentação, o jogador alegou insônia e dormiu no CT no turno da manhã, enquanto os companheiros entraram em campo.
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Na pré-temporada em Londrina, no Paraná, o relacionamento de R10 com o técnico Vanderlei Luxemburgo chegou a um momento crítico. O ápice foi o episódio Sherlock, quando o técnico desconfiou que o jogador levara uma mulher para a concentração e foi à sala de vídeos do hotel onde a delegação estava hospedada para conferir a movimentação do camisa 10 nos corredores, nos dias 10 e 11 de janeiro.
Com a divulgação da tentativa de Luxemburgo de ter provas da falta de comprometimento do jogador, a crise foi aumentando. Assis levou o assunto a uma reunião com Patricia Amorim e saiu de lá com a garantia de que Luxa sairia do cargo. O mesmo foi dito a Ronaldinho, em uma ligação antes do amistoso contra o Corinthians na pré-temporada, enquanto ele ainda estava no ônibus que o levaria ao estádio.
Assim foi feito. Após a vitória no segundo jogo contra o Real Potosí, e a vaga confirmada na Libertadores, Luxemburgo foi demitido, e Ronaldinho saiu fortalecido.
Aumenta a dívida; diminui a participação em treinos
Saiu Luxa, entrou Joel Santana, mas a situação não mudou. O Flamengo continuou devendo a Ronaldinho, que manteve as faltas e atrasos a treinos. O cenário piorou quando a Traffic tentou renegociar questões ligadas a patrocínio, licenciamento de produtos e programa de fidelidade para o torcedor, esbarrando em resistências do departamento de marketing. Juntou-se a isso o fato de a empresa não ter recebido um centavo da negociação do patrocínio master com a Procter & Gamble, agenciado pela 9ine, que tem como sócio Ronaldo Fenômeno.
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O resultado foi a suspensão do pagamento do camisa 10 por cinco meses, até o início de fevereiro, quando a relação do Flamengo com a Traffic foi encerrada e o clube se comprometeu a assumir o valor integral de R$ 1,25 milhão do salário de Ronaldinho e a pagar R$ 3,75 millhões que a empresa devia ao meia.
A essa altura, os atrasos e faltas a treinos ficaram mais constantes. Até o fim de março, Ronaldinho já tinha sido ausência em nove atividades do grupo. As razões alegadas foram de precaução com a parte física, passando por diarreia, conjuntivite e insônia.
Na semana da estreia pelo Brasileiro, numa quarta-feira, o jogador chegou sem condições ideais para trabalhar. Diretor de futebol recém-contratado, Zinho negou, mas fez dura cobrança na frente do elenco. No dia seguinte, novo atraso, de oito minutos. A paciência do dirigente foi ao limite, e ele chegou a levantar a voz para o meia, pedindo desculpas em seguida. O time se preparava para o nacional após frustrações na Libertadores - com eliminação na primeira fase - e no Carioca - com derrotas para o Vasco nas semifinais da Taça Guanabara e Taça Rio.
Vídeo de Coutinho leva à ação na Justiça
A história de Ronaldinho no Flamengo parecia estar chegando aos capítulos finais. Mas ainda faltavam alguns contos, que deram um tom dramático aos rubro-negros e cômico aos rivais. Há pouco mais de uma semana, Assis esteve na loja da sede da Gávea e quis levar cerca de 40 itens sem pagar, alegando:
- O Flamengo não paga o meu irmão, então não vou pagar também.
O episódio foi contornado pelo vice de finanças Michel Levy, que cedeu 25 camisas que faziam parte de sua cota ao empresário. Neste momento, Assis já alegava que o clube devia R$ 5 milhões referentes a salários e direitos de imagem. A diretoria fala em R$ 2,25 milhões.
Fora do futebol, Ronaldinho e Assis também não viviam um bom momento. O meia foi liberado do treino da última segunda-feira para ir a Porto Alegre visitar a mãe, Miguelina, que havia sido submetida a uma cirurgia para retirada de um tumor. O jogador, porém, era esperado para o treino de terça-feira, mas não foi, ligando para Zinho e avisando que ficaria com a mãe, ainda internada.
R10 só voltou ao Rio de Janeiro na noite desta quarta-feira. Um dia depois, assistiu ao vídeo do vice de futebol Paulo Cesar Coutinho conversando com torcedores no desembarque em Teresina, onde o Flamengo disputou um amistoso contra a seleção do Piauí. Nas imagens (assista ao vídeo acima), gravadas por um torcedor, Coutinho disse que conversou com Patricia Amorim e afirmou que Ronaldinho já havia sido afastado do Flamengo. Após a repercussão na mídia, Zinho negou o afastamento, e o dirigente pediu desculpas.
As declarações foram o estopim para Ronaldinho e Assis acionarem o Flamengo na Justiça para cobrar uma dívida de R$ 40.177.140 e conseguir a liberação para o jogador assinar com outro clube, apesar de ter contrato até o fim de 2014. Além disso, a dupla pretende processar Coutinho por danos morais.
Há 54 dias, Ronaldinho falou pela primeira vez em deixar o Flamengo. Ao marcar o gol contra o Vasco, na sétima rodada da Taça Rio, declarou em entrevista ao canal PFC:
- Desde o primeiro dia que cheguei, sempre venho sendo tratado com muito amor, muito carinho, e é assim que eu espero sair daqui, pela porta da frente, fazendo aquilo que eu sei e ajudando meus companheiros.
Menos de dois meses depois, a alegria virou frustração, o carinho foi abatido pela dívida e pelas discussões com dirigentes, e a história de Ronaldinho Gaúcho com o Flamengo - ao menos dentro de campo - terminou.
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