10 de jun. de 2012

Zinho completa um mês no Fla e admite: 'Mais difícil do que eu achava'


Zinho - Flamengo (Foto: Janir Junior / Globoesporte.com)Zinho pensativo durante entrevista. Diretor fala da 
nova fase (Foto: Janir Junior / Globoesporte.com)
Zinho completa neste domingo 30 dias como diretor de futebol de Flamengo. Desde que assumiu o cargo, não teve mais tempo para levar os filhos ao colégio nem curtir um cineminha com a mulher. Problemas até pequenos perto do filme que teve como protagonista Ronaldinho Gaúcho e a saída de forma conturbada, sem um único telefonema para o dirigente e com uma cobrança de mais de R$ 40 milhões na Justiça. Esse foi, segundo Zinho, seu primeiro grande objetivo frustrado no clube em que nasceu e cresceu para o futebol.
- De início, não consegui o meu grande objetivo no Flamengo, que era fazer com que o Ronaldinho voltasse a jogar o que todos nós sabemos que ele pode render. Estou triste, frustrado, eu não consegui isso. Que realmente a história dele no Flamengo não foi bonita, não foi - afirmou o diretor.
Antes da primeira entrevista depois do episódio Ronaldinho Gaúcho, Zinho chegou a dizer que não comentaria o caso. Mas, em 58 minutos de conversa com o GLOBOESPORTE.COM, regada a um café e uma água com gás, o dirigente falou sobre o ex-camisa 10, revelou o motivo de ter encoberto algumas indisciplinas e trouxe à tona o teor de algumas conversas motivacionais que teve com o jogador, hoje no Atlético-MG.
- Eu disse: "Fica aqui, vou te proteger, vamos lá, não vai sair daqui, vou comprar o seu barulho, mas quero você comigo, preciso de você, você é uma estrela, um talento, tem 33 anos, tem muita coisa para fazer, render". Mas que ele tenha sucesso e tire lições. Se ele continuar com a mesma vida, infelizmente, vai ser difícil - disse.
Se a presidente, eu e a comissão técnica entendermos que será benéfica uma volta dele (Adriano), e eu sentar, conversar, colocar as regras, pode ser que aconteça"
Zinho
Prestes a completar 45 anos – no próximo dia 17 –, Zinho tem um currículo com títulos e sem marcas de indisciplinas. Campeão do mundo pela Seleção em 1994, criado na base do Flamengo, ele sempre pautou sua carreira e sua vida pelo profissionalismo e pela disciplina, mas diz que não é "nenhum santinho". Com estilo franco, o diretor fala com olhar fixo nos olhos do interlocutor. Comenta os problemas, evita se prolongar ao ser questionado sobre uma indisposição com Cuca, quando ainda era jogador do Flamengo, e afirma que, caso Adriano seja contratado, terá que se enquadrar nas regras de profissionalismo.
A mecha de cabelos brancos não aumentou, afirma Zinho, que lembra que ela é herança do seu pai, Crizan. Sendo de preocupação ou não, mereceu até comparação com William Bonner, apresentador do "Jornal Nacional". Bonner e Zinho, com suas semelhanças nos fios de cabelo, falam para milhões de brasileiros. O boa noite do apresentador se dirige aos telespectadores. Abaixo, as palavras de Zinho para os torcedores do Flamengo.
GLOBOESPORTE.COM: Neste domingo, você completa 30 dias de clube. Apesar de tudo que ronda o Flamengo, esperava que fosse complicado assim?
Zinho: Está sendo mais (difícil) do que eu achava. Vim preparado para desafio, sabia que seria um desafio. De fora, você só escuta notícias, notícias, notícias. Mas eu nem estava preocupado com questões de indisciplina, não. Era mais como o grupo estaria pós-eliminação de Libertadores, Campeonato Carioca. Como estaria o astral da rapaziada, o comprometimento.
E o que encontrou?
A questão de política que existe no clube, o vazamento de informações que é enorme dentro do Flamengo, muito maior do que em qualquer outro clube, a pressão por resultados. Mas ninguém é contratado para um lugar em que está tudo certo. Se bobear, chegar para fazer um trabalho onde está tudo maravilhoso é até mais difícil, pois a cobrança será sempre em cima de melhorias. Você chega num time campeão, que não tem problema financeiro, de disciplina... O que você tem para melhorar nesse lugar? Caramba. Você tem que trabalhar muito para seu trabalho aparecer. E corre um risco: se começar a perder, perder, perder, ter indisciplina, vai ser rotulado que foi depois da sua chegada. Era o momento para eu colocar meu nome no mercado nessa nova área de diretor de futebol, no clube em que fui criado, com o qual tenho identificação, no qual muita gente me viu chegando criança, com 11, 12 anos. Meu crescimento dentro do futebol fez com que as pessoas vissem que sou um cara sério, legal, identificado.
Ronaldinho Gaucho e Zinho treino Flamengo (Foto: Alexandre Vidal / Fla Imagem)O abraço em Ronaldinho no primeiro dia de trabalho: relação curta (Foto: Alexandre Vidal / Fla Imagem)
Mas acredita em sucesso do seu trabalho mesmo diante de todos os problemas?
O torcedor vai acreditar no projeto, a imprensa vai respeitar. Sempre tive bom convívio com vocês (jornalistas). Teve um momento em que levei muita pancada da imprensa (Copa de 1994), mas também fui muito elogiado, sempre tive uma relação de respeito. Com pessoas que não são do futebol, que vão para o humor, é diferente. Já o torcedor do Flamengo sempre brincou, falava para eu voltar, em qualquer canto do Brasil e até no exterior. Pensei: é uma grande oportunidade na minha vida. O Flamengo foi responsável pela minha formação como homem, não só como atleta profissional. Eu tive formação dentro da minha casa, com meus pais, uma formação digna. Foi humilde por questões financeiras, sou da Baixada, de Nova Iguaçu. Nunca neguei isso, tenho orgulho de falar, minha família mora lá, a da minha esposa, que morava na mesma rua, também. Vim para o Flamengo com 11 anos. Passava muito tempo no clube, então me formou como homem também. Ajudou na minha personalidade. Pensei, pensei, pensei, mas, aliado a isso tudo, eu disse: eu vou, sim. Muita gente falou: “Você é maluco, está lá na televisão, comentarista, tranquilinho e tal, só fala o que acontece”. Falaram também que eu estava no Nova Iguaçu, clube do qual sou sócio-fundador, tenho uma paixão, é na minha cidade, ajudei a fundar. Disseram que eu era doido, mas eu não acho que sou maluco. Estou no maior clube do Brasil, com a maior torcida, que atravessa dificuldades como vários outros. E se tudo der certo? E se tudo for bem? Então, são desafios.
Mas é difícil, não é? Já percebi você dando algumas respiradas profundas.
Tem hora, como você falou, que "fuuuuu" (faz gesto de uma expiração forte). Mas vou para casa, vejo minha esposa, meus filhos, minha família, vou à minha igreja, oro, peço a proteção do Senhor, e venho para o trabalho com motivação, disposição. Não é fácil, todo dia tem alguma coisa para resolver. Mas é o trabalho. Quem não quer crescer na vida vai ficar paradinho mesmo.
Disseram que eu era doido, mas eu não acho que sou maluco. Estou no maior clube do Brasil, com a maior torcida, que atravessa dificuldades como vários outros. E se tudo der certo?"
Zinho
Quando você era jogador, cobrava disciplina dos companheiros ou deixava isso para o dirigente?
Dentro de um elenco, você, como jogador, tem que ter um jogo de cintura, porque a sua função é igual à do outro. Às vezes, você pode ser tachado dentro de um grupo como traíra, mesmo querendo as coisas certas. Tive a felicidade e Deus me abençoou muito, pois só trabalhei nas equipes grandes, então sempre houve cobranças. E era outra época. Com a globalização, a evolução tecnológica, o futebol se transformou num grande marketing, numa grande empresa. Os jogadores hoje não são iguais aos do passado. Mudou bastante. Mas tinha indisciplina, existiam jogadores que iam fazer sua farrinha. O que a gente cobrava entre si era o seguinte: não pode prejudicar o trabalho do grupo. Eu também não sou nenhum santinho, também ia, fazia minhas coisinhas, mas minha conduta sempre foi: em primeiro lugar está minha profissão. Eu escolhi ser atleta profissional. Jogador de futebol é uma coisa, atleta é outra. Atleta profissional tem vida longa dentro do futebol, ele conquista vários títulos. Já o jogador tem um período só na vida dele. Aquele momento especial e depois acaba.
Como jogador, você teve algum grande problema?
Nunca tive uma briga seríssima com um companheiro, mas existia uma cobrança. Às vezes, ia na farrinha com o cara, mas falava: “Ó, deu, minha hora já deu”. E o cara dizia: “Ah, que isso”. Não dá para ir, na minha profissão, com treino de manhã, tem que descansar. Sempre priorizei o sono, repouso, a boa alimentação. Agora, fazia minhas farrinhas na hora certa. Ia no meu pagodinho. Nunca gostei de cerveja, mas tomava meu vinhozinho, minha caipirinha com meu pai, seu Crizan. Eu morava em Nova Iguaçu, mesmo quando jogava no profissional do Flamengo. Voltava do jogo, parava no restaurante, musiquinha ao vivo, tomava meu vinhozinho, bailava um pouquinho e acabou. No Palmeiras, Grêmio, havia os momentos do churrasquinho da rapaziada. É bom você estar envolvido também. Não estou falando que era santinho, não fazia nada. Mas não prejudicava minha carreira. É isso que falo para os atletas: tem momento para tudo. Sou parceiro da rapaziada. Fui jogador como eles.
Depois da saída do Ronaldinho, você deu uma declaração de que “acabou a bagunça, acabou a festa”.
Ficou muito rotulada a frase que falei que "acabou a bagunça, acabou a festa". Falei dentro do CT, de cumprir horário, treinar com dedicação, se comprometer com o projeto do clube, respeitar os comandos, se dedicar. Mas, se está de folga, não tem treino no outro dia... Qual o problema de beber sua cervejinha, seu vinho? O que tenho passado é uma ajuda para os jogadores: cuidem da imagem de vocês, pois hoje não está fácil. Qualquer celular grava tudo, uma foto em um segundo já está na internet. A imagem é fundamental para um futuro na carreira. Ainda mais os jovens, que estão começando, têm que se cuidar, pois terão uma vida longa, garantir o futuro da família. Uma atitude errada pode prejudicar uma carreira brilhante. Não estou como salvador da pátria, para ser sargentão com ninguém, estou para ajudar, e a prioridade é o melhor para o Flamengo. Fui contratado para ser diretor de futebol do Clube de Regatas do Flamengo. Tenho que ver o melhor para o clube, sem ser arrogante, prepotente. Não quero ser indelicado. O que quero fazer aqui é o que foi a minha vida. Não é só o jogador, é o diretor, o preparador físico, o assessor de imprensa, segurança, roupeiro, todos devem ser profissionais na sua função. O clube indo bem será bom para todo mundo.
Por que num primeiro momento o clube e você tentaram defender o Ronaldinho, negando que existisse indisciplina?
Tem sido assim com todos. Todo mundo está sujeito a um erro, você tem que ser um cara honesto e dizer: “Pô, fui mal, cheguei tarde”. Se quer o meu respeito, me respeita. Não estou rotulando para o Ronaldo, mas falando num geral. Eu dei carinho, eu chamei, motivei, eu tentei. Até tenho falado para mim: de início, não consegui o meu grande objetivo no Flamengo.
Acredito de coração que Ronaldinho tem todas as condições de jogar de novo, mas vai ter que mudar radicalmente a postura fora de campo para que dentro mostre o talento que todos nós sabemos que ele tem"
Zinho
Que era...
Fazer com que o Ronaldinho voltasse a jogar o que todos nós sabemos que ele pode render. Meu primeiro passo era motivar o Ronaldinho, dar oportunidade para ele voltar a ser aquele atleta profissional. Por isso, cara, disse: "Fica aqui, vou te proteger, vamos lá, não vai sair daqui, vou comprar o seu barulho, mas quero você comigo, preciso de você, você é uma estrela, um talento, tem 33 anos, tem muita coisa para fazer, render. Sentei com ele depois e falei: vamos projetar o futuro. Ser campeão brasileiro. Você nunca foi campeão brasileiro, só campeão gaúcho uma vez e carioca uma vez". Nada contra, são dois títulos importantes que eu também tenho. Mas ser campeão brasileiro como capitão do maior time do Brasil, isso independe de parte financeira. Graças a Deus que o cara está bem resolvido. Mas e a satisfação, o ego, aquela coisa de você parar de jogar e dizer: sou campeão brasileiro, disso, daquilo. Isso é história, independente de dinheiro ou qualquer coisa. E continuei motivando, dizendo que, se ele fosse campeão brasileiro, ou fizesse um bom campeonato, poderia voltar para a Seleção, disputar uma Copa no seu país, como capitão. Olha que história. Eu tentei, mas infelizmente as atitudes dele não levaram para isso e culminou com esse problema financeiro.
Mas como você analisa todo o caso, a forma como a saída foi conduzida?
Eu acho o seguinte: de repente, acham que penso que o clube está certo. Não. O Flamengo tem que honrar o que o Ronaldo trabalhou. Ele e qualquer atleta. Eu cobro, mas também defendo os atletas. Tem que receber em dia, tem que ter premiação por objetivo, dar a melhor condição de trabalho, o melhor vestiário, o melhor campo de treino, a melhor viagem, o melhor hotel, a melhor alimentação. Vou lutar por eles. Cobrei do Ronaldo? Cobrei. Mas não foi para ganhar holofote, não preciso disso. Cobrei para trazê-lo de volta, para ser um atleta profissional, porque ainda acreditava que ele poderia render. Mas estou triste, frustrado, eu não consegui isso. Não estou feliz pela forma como ele saiu. Mesmo que saísse, que fosse de uma maneira legal. O Flamengo devia, mas não se negou a pagar. Assumiu uma dívida que talvez não devesse assumir quando a patrocinadora saiu. É uma parte financeira do clube, mas posso dar opinião, pois vi o esforço da Patricia, do Michel (Levy, vice de finanças), de buscar recursos para pagar o Ronaldo. De repente, o cara entra na Justiça, nem voltou... Ficou uma coisa chata, nem veio aqui falar. Poderia dizer: “Não estou mais querendo, a torcida está pegando no meu pé, o Flamengo está me devendo, eu prefiro sair, vamos fazer um acordo aqui, me paga o que trabalhei”. Acho justo, ele está com razão. Não acho justo entrar com uma ação pedindo uma cifra descomunal por uma coisa que não vai cumprir até o fim. Não estou fazendo média para defender o Flamengo. Claro, vou defender o clube, mas defendo a coisa correta.
montagem Zinho Flamengo entrevistão 2 (Foto: Editoria de Arte / Globoesporte.com)Zinho em diversos momentos de seus 30 dias no Flamengo (Montagem: Editoria de Arte / Globoesporte.com)
Ficou alguma mágoa?
Não tenho nada contra o Ronaldo, até falei que não comentaria muito sobre Ronaldo. Minha postura e religião nem permitem. Não tenho mágoa, raiva. Mas cobro seriedade e profissionalismo, gostaria que ele tivesse entendido, seria bom para ele e para o Flamengo. Não dando certo, gostaria que ele sentasse, visse o que o clube deve certinho, e seguisse a vida dele. Mas que ele tenha sucesso e tire lições. Se ele continuar com a mesma vida, infelizmente, vai ser difícil. De repente, depois de todo esse episódio, o Flamengo será importante para ele não repetir o que fazia. Pensar: vou me dedicar mais nos treinos, correr mais nos jogos, me dedicar mais, vou chamar a responsabilidade, partir para cima, me cuidar fora do campo para que tenha saúde para exercitar isso. Acredito de coração que Ronaldinho tem todas as condições de jogar de novo, mas vai ter que mudar radicalmente a postura fora de campo para que dentro mostre o talento que todos nós sabemos que ele tem. É simples: não foi legal a forma como saiu, as atitudes que teve dentro do clube de comportamento profissional, mas não desejamos nenhum mal a ele. Mas que realmente a história dele no Flamengo não foi bonita, não foi. A situação como ele estava jogando e se comportando já estava difícil, eu acho atitude melhor encerrar, mas não dessa forma.
E o momento pós-Ronaldinho, como foi a conversa com o grupo?
Não reuni o grupo todo, pois acho que não é necessário. Às vezes, os caras sabem da notícia antes da gente. Quando o Ronaldinho entrou na Justiça, a maioria dos jogadores já sabia. No bate-papo do dia a dia, você acaba falando sobre isso. O que falei aqui a maioria dos jogadores comenta: “Pô, poderia ser diferente”. Alguns até falavam com ele: “Segura, cara, vamos lá”. Não é criticar, é a verdade, mas num tom pacificador. Não podemos deixar de falar as coisas verdadeiras. Não pode é ir para imprensa e deturpar. “Ah, o Flamengo que errou”. O Flamengo não foge do seu erro, devia cinco meses de direitos de imagem e trabalhava para pagar. O Flamengo ficou magoado com toda a arquitetura, isso não foi feito de um dia para o outro. A entrada na Justiça, a ida para outro clube, de uma noite para outra? Não acredito, uma coisa tão grandiosa assim. Faltou carinho, consideração com um clube que fez um investimento mega para trazê-lo. Ah, mas o Flamengo fez porque quis. Mas o Ronaldo também veio porque quis. Muito fácil acusar um ou outro. Houve erros de ambos os lados. Mas, se houvesse uma conversa mais verdadeira, olho no olho, seria melhor para todo mundo. Sempre fizemos as coisas honestamente, sem mandar recado.
Achei que, se continuasse (em 2005), seria prejudicial ao Flamengo. Eu não ia me relacionar bem com a comissão técnica e poderia arranhar minha imagem com o clube, sair pela porta dos fundos, brigar com treinador"
Zinho
Em 2005, no seu último jogo como jogador do Flamengo, na final da Taça Rio, Cuca te colocou no banco, com seu pai, Crizan, na arquibancada, e o Fluminense venceu por 4 a 1. Você reconheceu que ficou chateado...
Fiquei chateado. Tive esse meu último momento como jogador do Flamengo. Eu vinha observando o comportamento comigo. Não é ficar no banco, é como ficar no banco. Para aquele jogo, Renato Abreu tinha levado cartão e não ia jogar, eu fiz uma semana maravilhosa de treinamentos, elogiado pela comissão técnica. Aí, quando chegou a hora do jogo, não fui aproveitado. Entrou o Adrianinho, até bom jogador, com todo o respeito, mas não era o correto, pelo desempenho. Fiquei no banco, entrei quando estava 3 a 0, fiz o gol, perdemos por 4 a 1 e ficamos fora da final do Carioca. Achei que, se continuasse, seria prejudicial ao Flamengo. Eu não ia me relacionar bem com a comissão técnica e poderia arranhar minha imagem com o clube: sair pela porta dos fundos, brigar com treinador, discutir, o técnico pedir minha dispensa. Chamei os dirigentes da época e comuniquei que preferia sair pela porta da frente. Falei para me pagarem o que deviam até aquele dia, e disse que não queria mais nada do que tinha pela frente do contrato. Saí corretamente, falei com a comissão, com os jogadores...
E com Cuca?
Cara, não vou voltar nisso, principalmente agora que o Cuca é treinador do Ronaldinho. Senti que não seria útil e saí da forma correta. Por isso, acho que dá para fazer isso. No futebol, existe muita vaidade. No diálogo, na transparência, na honestidade dá para resolver as coisas. Não é fácil. Vai tomar muita pancada. Não sou certinho, cometo erros, mas sempre tentando acertar.
Flamengo, Zinho (Foto: Agência o Globo)Zinho em ação no último jogo pelo Fla, em 2005. Ele ficou irritado com a reserva (Foto: Agência o Globo)
O Flamengo tem relação problemática com alguns dos seus ídolos, como Zico, Andrade e Petkovic. Você acha que tem como trabalhar para melhorar essa relação?
Quanto mais perto você tiver os grandes ídolos do Flamengo, é excelente, faz bem para a imagem do clube, bem para o torcedor. Qual torcedor não quer ver Andrade, Adílio, Zico, Rondinelli, Mozer, Leandro, Julio Cesar perto? Podemos enumerar vários que fizeram história no clube. Sou a favor. Mas não dá para dizer que vai aproximar todos com funções ou remunerações. O Junior é meu irmão, me ligou, se colocou à disposição, ele já exerceu esse cargo. O Zico sempre manda mensagens de apoio. Todos são rubro-negros. Mas, às vezes, estão feridos pela atitude de um, de outro. O ídolo também erra, nós também erramos. Sou ser humano, eu já cometi erro nesse mês de gestão, posso ter dito algo que magoou alguém. Em relação ao ídolo, da minha parte, todos estão convidados. Tem tanta gente dentro do CT que nem sei que é. E os ídolos não estão lá? Devem aparecer para os jogadores verem os caras que fizeram história.
E a preocupação com as divisões de base, jogadores que estão começando? Como você está lidando com a garotada?
Estou em contato direto com as pessoas responsáveis pela base. O coordenador Toninho Barroso foi meu treinador no juvenil. Falo direto com Noval (Alexandre, responsável pelas categorias). Dei palestra para infantil, juvenil, juniores. Um mês é muito pouco, ainda mais por conta dos problemas, principalmente o do Ronaldo. Me preocupo e muito. Não adianta queimar etapas, usar num momento errado, pois pode queimar o garoto para torcida, imprensa. Não adianta trazer precocemente para, depois, retornar, isso pode dar um baque na cabeça do rapaz. Mas, em 1985, fui para o profissional, treinei e não joguei um jogo. Treinava e voltava para os juniores. Em 1986, fui campeão carioca pelo profissional, voltei e fui campeão da Taça BH pelos juniores. É o processo. Vai no profissional, vê o ambiente, joga um jogo e volta. É uma preparação. Os jogadores têm que entender isso. Também me preocupa um garoto de 16 anos já ter empresário, assessor de imprensa, personal compras, personal isso. Parece até a Chayene da novela (personagem vivida por Cláudia Abreu na novela "Cheias de Charme", da TV Globo). Tem personal colega, personal não sei o quê. Desculpa a brincadeira. Estou assustado, não estava acostumado.
O que te assusta?
O garoto já é badalado como se fosse um profissional consagrado. E, às vezes, esse garoto pensa que já é. É uma crítica construtiva. O cara vai numa Seleção sub-17 e já tem que ser titular do Flamengo? Não vou citar o que já estou sabendo, mas já me preocupo com o comportamento fora de campo de uma garotada nova. Tudo com boné virado, brinco, cheio de mania. Ronaldinho saiu, aí dizem: bota o Adryan, o Thomás... e o Negueba, o Diego Maurício, que também foram formados na base? Como ficaria a cabeça desse caras? O Thomás, o Adryan, o Matheus, o Lucas, Frauches, Cesar, todos eles estão sendo observados e trabalhados. Acreditamos que num futuro eles possam entrar e, juntos, fazer o Flamengo vencer. Que eles façam sua parte, sejam profissionais, entendam como é conduta, não fiquem deslumbrados com uma coisa que não aconteceu. Já estão pensando em quê? Comprar carro, ser isso, aquilo. Calma. Já destinei um membro da comissão técnica do profissional para acompanhar treinos, jogos, na medida do possível eu também vou ver. O treinador do profissional também tem que ver. Temos que visualizar quem pode se juntar ao profissional. A torcida tem que entender. Priorizo muito a base do Flamengo, mas vou cobrar também. Mas não vai ser na marra, tem que ter paciência.
O garoto é badalado como se fosse  consagrado. É uma crítica construtiva. Não vou citar o que estou sabendo, mas já me preocupo com o comportamento fora de campo de uma garotada nova. Tudo com boné virado, brinco, cheio de mania"
Zinho
O que você deixou de fazer desde que assumiu como diretor do Flamengo?
Levar meus filhos para o colégio, jogar minha peladinha na casa do Bebeto. Bebetinho está me cobrando que estou faltando à pelada (risos). Não curti um cineminha com minha esposa. E só vou à minha igreja em Nova Iguaçu no domingo quando jogamos no sábado.
E a sua relação com a religião?
Não gosto de falar muito, pois às vezes posso ser interpretado mal, o cara fala: “Ih, esses crentes”. Respeito todas as pessoas, cada um na sua religião, mas busquei o meu caminho, Eu creio em Jesus, sou batista, vou à igreja todos os domingos. Durante a semana está difícil, mas faço os cultos no lar, com minha família, busco um conforto na palavra. Mas não vou para o fanatismo, não misturo as coisas. Meu momento de ter um encontro com a religião chegou, se a pessoa quer dialogar sobre o tema específico, eu falo. Mas não precisa falar muito, o único caminho é Jesus. O melhor testemunho é sua conduta. O cara vai olhar para você e perceber que tem uma diferença. Não sou perfeito. O único perfeito foi morto na cruz. Sou cheio de pecados, falhas, todo dia alguém comete um erro. Mas aí dizem: "Ele erra, perde perdão e está tudo bem?". Está tudo bem, sim. Deus é misericordioso com todos, quer o melhor para cada um. Agora, basta buscá-lo e ser verdadeiro com Ele. Não tem ninguém que te conheça melhor do que Deus. Eu nunca dei uma entrevista e falei disso, foi apenas por que você me perguntou.
Como diretor, já aumentou essa mecha branca no cabelo, não é?
(Risos). O Joel brincou comigo. Pode tirar foto, não tenho vergonha do cabelo branco, não. Eu estava sentado, o Joel em pé, e ele perguntou há quantos dias eu estava aqui. Tem quase um mês, respondi. Ele disse: “Rapaz, já aumentou bastante o cabelo branco”. Mas eu falei que não tinha passado gel (risos). Eu não pinto o cabelo. Com 30 anos, meu pai já tinha cabelo branco, ele mesmo fala isso comigo. Quando eu jogava, já tinha essa mecha. Encontrei com William Bonner e Fátima Bernardes. O Bonner disse: “Ué, está me imitando?” Eu pensei: o cara bonito pra caraca, eu todo feinho, como vou imitar o cara? Ele disse: “Tá com essa mecha branca também”. Mas não, já tenho há bastante tempo..
Adriano bicicleta, Flamengo (Foto: Reprodução / Twitter)Adriano já começou a fisioterapia no Ninho do
Urubu (Foto: Reprodução / Twitter)
Mas pode aumentar, pois Adriano já começou a fazer fisioterapia...
(Sério) Estou vendo a manifestação. Eu não era de ler noticiários esportivos, pois não concordava, às vezes você sofre. Uma coisa vou te falar, não é média: com a imprensa, foi uma coisa que me surpreendeu. Mesmo com todas as polêmicas, a relação supera as expectativas, espero que continue assim. Não pode depois dessa entrevista começar a brigar, “Vamos falar mal do cara” (risos). Estou sendo verdadeiro com vocês (jornalistas) que me respeitam.
E o Adriano?
Já conversei a respeito disso com a presidente, ela é a chefe. Minha relação com a Patricia é maravilhosa, e fiz essa pergunta: Adriano está fazendo recuperação ou já está fazendo para ser contratado? Ela disse: "Não, Zinho, o Flamengo sempre abriu as portas para atletas que vêm de fora, que jogaram no Flamengo. Ele é um cara que ganhou títulos aqui, demos um voto de confiança". Teve o problema de cirurgia, quem fez foi um médico do clube (José Luiz Runco). É uma solidariedade por um atleta que foi importante dentro do clube. Ponto. Até para evitar polêmica e badalação, eu fiz um cronograma de atletas que estão voltando de empréstimos. O Adriano foi inserido nesse grupo que trabalha num horário diferente. Não é demérito ao Adriano, pelo contrário. Estamos de portas abertas, mas ele é uma estrela, muito famoso. Se treinar no mesmo horário, dá margem a muita badalação, oba-oba, e quero um pouco mais de tranquilidade. Adriano está indo nos horários determinados, e torço muito para que ele se recupere por inteiro.
E se ele conseguir se recuperar mesmo?
A partir daí, vamos conversar. Se a presidente, eu e a comissão técnica entendermos que será benéfica uma volta dele, e eu sentar, conversar, colocar as regras, pode ser que aconteça. Pode ser. Que o torcedor entenda, me dê tranquilidade para trabalhar. Não adianta, de repente, acontecer um resultado negativo, ficar pressionando. Vamos ser profissionais, não agir com a emoção. Adriano tem que se encaixar nas regras do clube. Adriano é um baita de um jogador, baita de um centroavante, existem pouquíssimos igual ao cara, mas precisa ter uma conduta legal, e a gente sabe que houve muitas polêmicas com o Adriano. Quero evitar problema para ele, para o Flamengo, e não quero dar margem para sair mais coisa ruim na mídia. Polêmica, agora, será cobrança se o time jogou bem ou mal, esse convívio é o normal do futebol. Quero que no Flamengo se fale mais disso agora. Pô, vamos falar de futebol. Que acreditem que nós estamos tentando fazer tudo para chegar lá

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