“Més que un crack”. A frase que expressa a relação do Barcelona com o povo catalão ("Més que un club", ou "Mais que um clube") pode ser sutilmente adaptada para representar a importância de LionelMessi nos dias atuais. O argentino já não cabe mais nas limitações do âmbito esportivo, passou a ser também entretenimento. No Camp Nou, jogos de futebol se tornaram espetáculos e ser um "culé" não é obrigatório para reverenciar um artista que se transformou em um ponto turístico vivo. Mais que um craque.
Nos arredores do estádio do Barça, tudo gira em torno de um camisa 10 capaz de encurtar distâncias. Se no passado era o Santos de Pelé que rodava o mundo para mostrar seu craque, hoje o mundo gira em torno de Messi. Da Ásia à América do Sul, passando pela África, povos se misturam por horas e horas, não na expectativa de mais uma vitória azul e grená, mas pelo orgulho de dizer: “Eu vi Messi”. O investimento é tiro certo, como foi no 3 a 1 contra o Milan, terça-feira, pelas quartas de final da Liga dos Campeões da Europa. E dessa vez com bônus: o recorde de gols em uma única edição da competição (veja acima).
Ao balançar as redes duas vezes, de pênalti, o argentino igualou o brasileiro Mazzola, goleador com a camisa do Milan, em 1962/63. Apenas mais uma marca para quem em breve deve se tornar também, ao lado do alemão Gerd Müller, quatro vezes artilheiro da Champions e único de forma consecutiva.
Ponto turístico: Lionel Messi
Uma partida de futebol de 90 minutos se tornou pouco para quem quer viver toda a atmosfera que cerca Messi e o Barcelona de Pep Guardiola. Se os lugares marcados no ingresso permitem que o Camp Nou lote apenas dez minutos antes do pontapé inicial, a movimentação em torno do local é enorme ao longo de todo o dia, em programa turístico que tem como atração principal um gigante de 1,69m.
Por onde quer que se passe, fotos e o nome de Messi estão expostos, seja em vitrines ou na camisa de fãs de todo o mundo. A partida contra o Milan foi apenas o ápice de uma programação que inclui visita ao museu e compras e mais compras na loja oficial do clube. O público é indefinido. Jovens, adultos e idosos de todas as partes do mundo aproveitam a oportunidade de acompanharem de perto jogador e time que já entraram para história.
Não seria exagero dizer que o Camp Nou é um estádio cosmopolita. Antes da partida contra os italianos, foi possível flagrar torcedores de nações como Brasil, Israel, França, Alemanha, China, Argélia, Bolívia, Venezuela, Noruega e Inglaterra. O motivo da visita? Ver Messi, Messí, Mexi ou Mêssi, depende do sotaque.
- Venho sempre que posso ao Camp Nou para jogos importantes. Quando Messi joga, é sempre diferente. A atmosfera muda, parece que tudo é mais fácil, ficamos mais confiantes. É perceptível. Ele é um gênio, um mágico – definiu o alemão Christian Heinrechs, que viajou de Colônia até Barcelona para ver o ídolo.
Trajeto curto se comparado ao que foi feito por Bin Jim Jim, que deixou a China por um bom motivo.
- Vim ver Messi. Ele é o melhor.
Ídolo que encanta e vende
Antes das arquibancadas, porém, o ponto de encontro preferido é a loja oficial do clube. Afinal, um legítimo turista deve estar devidamente trajado. Explicação óbvia para que 90% das camisas vendidas por cerca de R$ 240 no local tenham o número 10 e o nome do argentino nas costas, de acordo com uma vendedora. Fábregas e Iniesta são os mais procurados na sequência.
Não são somente os mais jovens que se deslumbram com o futebol do argentino. Um funcionário do clube, que trabalha há 10 anos no Camp Nou e não aceitou se identificar, resumiu um pouco da grandiosidade dos feitos de Messi.
- Antes de ser funcionário, sempre fui torcedor. Vi Cruyff, Ronaldinho, o Maradona também era impressionante, mas Messi é diferente. Além de ser craque, ele nos trouxe os títulos. Com 24 anos, já é o maior artilheiro do clube e teve a sorte de ser da mesma época de outros ídolos, como Guardiola, Xavi...
O fato de fazer parte do maior time da história do clube realmente pesa a favor de Messi. Entretanto, levanta a questão: a equipe atual alcançaria esse status sem o argentino? A reação dos torcedores assim que ele entra em campo ajuda a responder a pergunta.
Popstar: flashes para todos os lados
Já no aquecimento, a predileção dos torcedores por Messi é evidente. Ainda com muitos lugares vazios, o nome do argentino é o mais aplaudido ao ser anunciado no sistema de som, em ovação que passa a ser ensurdecedora já com casa cheia ao aparecer sua foto do telão para a escalação oficial. A histeria que o acompanha, em contraponto, em nada é capaz de tirar a tranquilidade do craque.
Messi entra em campo como se soubesse que está prestes a dar mais um show, em exibição de autoconfiança que em nada se mistura com arrogância. Ao som do hino da Champions e sob os flashes de torcedores com máquinas fotográficas e celulares nas mãos como em um espetáculo musical, ele é sempre o último na fila dos jogadores do Barcelona, para entrar em campo com estereótipo que em nada faz parecer o monstro que é.
Passos lentos, corpo envergado e calção que mais parece um bermudão abaixo do joelho. Se não soubéssemos de quem se tratava, seria difícil acreditar em tudo que é capaz. Obviamente, até a bola rolar.
Decisivo e recordista
Diante do toque de bola do Barcelona de Pep Guardiola, algo além dos gols deixa evidente o protagonismo do argentino. Enquanto raramente outro jogador dá mais do que três toques na bola, fazendo sempre o jogo girar, Messi tem a “licença poética” das arrancadas quase que imparáveis. Foi o que aconteceu, por exemplo, aos sete minutos.
Após jogadas perigosas de Ibra e Robinho, o camisa 10 recebeu na intermediária, partiu em disparada e chutou para defesa de Abbiati: o jogo começou. Nas arquibancadas, novos sinais da idolatria: Messi foi o único nome gritado durante os 90 minutos, alternado com cantos em espanhol e catalão.
E, se parar Messi já é difícil, a missão se torna impossível quando há vacilos como o de Mexés, aos 10 minutos. Da caminhada lenta e displicente de quando não está com a bola, o argentino acelera, aperta a marcação, faz o desarme e arranca. A jogada segue, passa por Xavi, mas a bola procura o craque, que sofre pênalti de Antonini. Cobrança no cantinho: 1 a 0. A viagem de torcedores do mundo todo não foi em vão. Minutos depois, um lençol no meio-campo seguido por um “Ohhh!” de admiração deixava claro que o investimento já estava pago.
Ao redor de Messi, entretanto, tinha um jogo, e o Milan empatou, aos 32, com Nocerino em passe de Ibra. Silêncio momentâneo, quebrado por um grito seco da torcida rossonera no quinto andar do estádio e abafado por mais de 90 mil culés que reagiram: “Meeeeeeeeeessi! Meeeessi!”. A resposta não demorou e chegou em grande estilo: mais um pênalti para o Barça, outro gol do argentino, o 14º na história da Liga dos Campeões da Europa. Recorde. Quem estava presente viu ao vivo a história.
Durante o frisson que tomou conta do Camp Nou, uma cena interessante: Pep Guardiola não comemorou. Rapidamente, chamou Iniesta, falou meia dúzia de palavras e uma correria se fez em campo: o camisa 8 se mandou para esquerda, Cuenca veio para o lado direito, e o Barça, como num toque de mágica, mudou a forma tática. Messi, obviamente, seguiu intocável, podia fazer o que quisesse em campo. E fez muito.
O fantástico mundo de Messi
No segundo tempo, Messi atacou para o gol onde estava localizada a reportagem do GLOBOESPORTE.COM. Momento de olhar menos para o gênio e focar no homem: reações, postura, palavras, atitudes. Mas o argentino parece viver em um mundo próprio. Nada lhe chama a atenção a mesma medida que está atento a tudo. Consegue se manter alheio a discussões que acontecessem ao seu lado, como as de Xavi e Ambrosini ou Mexés e Busquets, com a mesma naturalidade que descola passes geniais, como o que deu para Thiago Alcântara perder gol feito.
Ali, de pertinho, em posição privilegiada, o sentimento de Alcântara é o mesmo de quem jamais chegou perto do melhor do mundo.
- De vez em quando a gente até para. Estamos jogando e ficamos parados olhando para ver se ele vai fazer alguma coisa, esperando. É um luxo poder compartilhar o vestiário com um jogador que faz a diferença e vai ser um dos melhores da história.
Foi também o filho de Mazinho o único responsável por uma reação de Messi que não fosse com a bola nos pés, ao ser derrubado por Ambrosini na intermediária. O argentino se revoltou com a falta e cobrou cartão, que não foi mostrado pelo árbitro holandês Bjorn Kuipers.
O melhor do mundo é melhor quando dita ele mesmo o que acontece em campo. Como fez aos oito, quando fintou em velocidade na entrada da área e chutou de canhota. A bola desviou na zaga e se transformou em passe para Iniesta dominar e tocar na saída de Abbiati: 3 a 1. Na comemoração, abraços ao autor do gol e papo mais demorado com Daniel Alves. A classificação estava definida.
Camp Nou reverencia outros craques
Camp Nou reverencia outros craques
Diante de um Milan sem forças para reagir, o Barcelona trocava passes sob aplausos já aos 12 minutos. Aplausos que, por sinal, repetiram-se nas substituições de Seedorf e Xavi – este com todo o estádio de pé. Ode ao futebol, ode aos craques, e drama para Pato.
Enquanto o mundo reverencia o craque que não cai diante de pancadas e não se machuca, o brasileiro foi o ponto mais negativo em um Milan que não chegou a se surpreender com a eliminação, apesar dos protestos contra os pênaltis marcados. Poucos minutos após entrar em campo, Pato viu Emanuelson pronto para o campo, chamou Massimiliano Allegri e pediu para trocar a substituição. Não dava mais para ele, que, com a 14ª lesão nos últimos quatro anos, deu lugar a Maxi Lopez.
Mas o drama do brasileiro passou despercebido para quem foi ver o show de Messi. Com 58 gols em 48 jogos na temporada, o argentino continuava incansável e contava com a ajuda generosa dos companheiros. É evidente que a cada ataque o argentino é o alvo de todos os passes, como em jogada em que Dani Alves partiu em velocidade, viu uma avenida a sua frente, mas optou pelo passe em vez de chutar da entrada da área. Contra o Milan, dois gols eram o bastante. Um recorde foi igualado, outro ficou bem encaminhado, e a classificação assegurada.
Em um último ato, Messi fez os torcedores que já tinham vibrado, reverenciado e se impressionado com ele sorrirem. Dominou de costas para o gol, fez embaixadinhas e tocou para Busquets. Na arquibancada, gargalhadas de quem tinha certeza de ter vivido um dia de turista inesquecível. Foi o último ato antes que o apito final fechasse as cortinas do espetáculo.
Terça-feira que vem, às 17h (de Brasília), tem mais. O adversário será o modesto Getafe, pela 33ª rodada da Liga Espanhola, mas o que importa mais para o mundo é a oportunidade de ver brilhar no Camp Nou aquele que é “més que un crack”: Lionel Messi.
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