Certa vez, em 2008, quando ainda defendia o Manchester United, Cristiano Ronaldo citou palavras que ouviu de Luiz Felipe Scolari para justificar o desejo de se transferir para o Real Madrid, fato que se concretizaria apenas uma temporada depois: “Os trens circulam somente uma vez na vida”. Frase forte, que o próprio atacante desvirtuou anos depois dizendo que “para os grandes jogadores eles passam mais de uma vez”. Pode até ser, mas na noite de quarta-feira, no Santiago Bernabéu, o português desperdiçou uma grande e rara oportunidade de entrar no vagão que o levaria novamente, e por trilhos tranquilos, ao posto de melhor jogador do mundo. (Confira o vídeo com as cobranças de pênaltis)
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Culpar Cristiano pela eliminação do Real Madrid na semifinal da Liga dos Campeões, diante do Bayern de Munique, é injusto. Assim como dizer que trata-se de um jogador que não brilha em decisões. Para isso, basta se resumir a este próprio confronto: dos três gols marcados pelos merengues, ele fez dois e deu assistência para outro. Entretanto, ao parar em Neuer na primeira cobrança da série que terminou 3 a 1 para os alemães – após 2 a 1 a favor dos espanhóis no tempo normal – o gajo deixou passar o trem perdido por Messi na véspera e permaneceu parado na estação onde o argentino parece ter cartão VIP pelo conjunto da obra nos últimos anos. Ato final trágico para uma partida em que CR7 não poupou esforços para pegar um “atalho” que espera há três anos.
Aquecimento a mil faz efeito
Ciente da responsabilidade que tinha em seus pés, o português parecia elétrico desde a primeira aparição pública no Bernabéu. Enquanto os companheiros trotavam e ouviam os gritos do público na entrada em campo para aquecimento, ele surgiu em alta velocidade, dando tiros curtos e solitários. Em seguida, todos os jogadores de linha formaram duplas e trocaram passes, menos Cristiano. Como já é costume, a opção é “esquentar” a perna direita em cobranças de falta sempre do mesmo local: lado esquerdo de ataque, pouco à frente da intermediária.
Já na volta para a partida, uma mania igual à de Messi: ser o último da fila de jogadores. A fome de bola, ou ansiedade, por sua vez, novamente fez com que CR7 se mostrasse em outro ritmo. Assim que passou o portal da Uefa, ele correu e tomou seu lugar para execução do hino da Champions, mesmo que os companheiros mais próximos ainda caminhassem. Tamanha disposição deu resultado com bola rolando.
Logo aos seis minutos, pênalti para o Real Madrid. Era a hora do troco, de “comprar a passagem” para o trem. Se na véspera Messi desperdiçou cobrança que fez falta para o Barcelona, Ronaldo não poderia fazer o mesmo. A própria capa do jornal “Marca” avisava: “Vê se não falha”. E ele não falhou. Após receber palmas das arquibancadas a cada passo até a bola, o chute certeiro: Neuer para um canto, bola para o outro. Real 1 x 0.
Bem aberto pela esquerda, o atacante tinha dupla função: era o jogador mais próximo de José Mourinho, mas também o principal responsável por puxar os ataques merengues. Com Marcelo, levava Lahm a loucura e realizava boas tabelinhas. Em determinados momentos, o brasileiro o chamava sem bola e fazia sinais como se fossem jogadas ensaiadas.
Dica de Mourinho e gol
O posicionamento distante de Ozil e Di Maria, por sua vez, impedia trocas curtas de passes. O Real apelava para chutões e mais uma vez CR7 entrava em ação. As bolas vindas de Casillas eram todas destinadas a ele, que quase sempre levava a melhor no alto desviando para a proteção de Benzema. Aos 13, porém, Mourinho se cansou da ligação direta e chamou o compatriota. Com gestos, fez como se pedisse posse de bola e toques no chão. Dica perfeita.
No minuto seguinte, uma troca de passes acabou em assistência de Özil para Cristiano, que dominou e chutou rápido. Neuer não teve nem tempo de reagir: 2 a 0. Êxtase no Bernabéu, e o lugar privilegiado no trem para festa da Fifa, em Zurique, estava quase garantido. Com seu nome gritado por todo o estádio, o português celebrou o 10º gol em 10 jogos na Champions e retornou para seu canto esquerdo.
O começo avassalador também tem seus contras e o camisa 7 começou a tentar jogadas desnecessárias de efeito. Primeiro, tentou passe estranho e atrapalhou contra-ataque. Depois, escorou de peito para ninguém e viu o Bayern assustar em seguida. Foi o suficiente para cair na real. Entre orientações de Mourinho e pedidos de calma para Pepe, Ronaldo pedalou para cima de Lahm e cruzou com perigo para Benzema, que não alcançou a bola.
Mudanças táticas não funcionam
Pouco depois dos 20 minutos, a primeira boa oportunidade em cobrança de falta. Após jogada individual, Özil foi derrubado exatamente no local do aquecimento. Cristiano conversou, pegou a bola com Xabi Alonso e fez o já famoso ritual. Na cobrança, porém, nenhum perigo. No outro lado, o Bayern marcou. Robben, de pênalti, e a semifinal estava empatada na soma dos dois jogos: 2 a 2.
Percebendo a queda de rendimento merengue, Cristiano decidiu, enfim, abandonar a banda esquerda. Seja por decisão própria ou orientação de Mourinho, o português revezou com Özil, Benzena e Di Maria por todas as posições do ataque, mas somente o alemão fazia boa partida. Disposto a não deixar passar o trem, ele deu carrinhos, tentou passes longos e não foi feliz. Tanto que errou todos os três lançamentos que arriscou.
Antes do fim do primeiro tempo, porém, mais duas oportunidades em um de seus fundamentos preferidos: as cobranças de falta. Na primeira, sobre Di Maria, pelo lado direito, recebeu o incentivo de torcedores com palmas no estilo da música “We will rock you”, do Queen, e errou o alvo. Na seguinte, conversou com Xabi Alonso mais uma vez e deixou a cargo do volante o cruzamento na área. Foi quando se mostrou ansioso e trombou com Khedira ao tentar atacar a bola. Fim do primeiro tempo, e mais um pique para ser o primeiro a descer ao vestiário.
Muito esforço e pouco perigo
Na volta do intervalo, Cristiano Ronaldo se posicionou mais centralizado. Era uma maneira de tentar colocar Benzema na partida. Não deu muito certo e o português acabou sobrecarregado, sendo praticamente a única opção dos apoiadores. A inoperância ofensiva do Real o forçou ainda a recuar para buscar a bola no meio-campo. Estratégia que o fez sumir do jogo e errar em demasia ao tentar lances individuais.
Uma arrancada de Pepe, aos 21, entretanto, o despertou. O luso-brasileiro abriu a jogada na direita para cruzamento perigoso de Cristiano. Logo depois, a terceira chance em cobrança de falta. E a terceira sem perigo para o goleiro alemão.
Se não levava perigo, Cristiano não pecou pela omissão e tentou fazer com que o Madrid se mantivesse no ataque. Já de volta ao lado esquerdo, recuperou bola quase perdida após passe longo de Benzema, ficou frente a frente com a marcação e rolou para o francês isolar. Chute ruim, como o do próprio Cristiano em sua quarta e última oportunidade de bola parada.
Se não levava perigo, Cristiano não pecou pela omissão e tentou fazer com que o Madrid se mantivesse no ataque. Já de volta ao lado esquerdo, recuperou bola quase perdida após passe longo de Benzema, ficou frente a frente com a marcação e rolou para o francês isolar. Chute ruim, como o do próprio Cristiano em sua quarta e última oportunidade de bola parada.
Mesmo jogando em casa, o Real não conseguia ser o senhor absoluto da partida e sofria com o bem arrumado meio-campo alemão. Com domínio territorial e maior posse de bola, o Bayern girava o jogo e complicava uma marcação que não vinha sendo bem feita por Khedira e Xabi na frente da área. Outro que sofreu para fechar os espaços foi Marcelo, que a partir da metade da segunda etapa passou a receber o auxílio de Cristiano Ronaldo.
Carrinho na defesa e exaustão ao término dos 90
Sabendo que um gol bávaro praticamente encerraria o jogo àquela altura, CR7 fechava os espaços no lado esquerdo de defesa e até mesmo acompanhava o lateral quando necessário. Foi o que aconteceu quando Lahm foi à linha de fundo e fez o português provar do próprio veneno: corte seco, que o deixou caído. Mas como legítimo marcador, ele levantou, correu atrás do prejuízo e desarmou o lateral.
O jogo era lá e cá, apesar das poucas chances de perigo, e Cristiano também seguia esse fluxo. Entrega que o fez desabar exausto no gramado, após desperdiçar contra-ataque no último lance do tempo normal, até ser “socorrido” por Granero.
Erros bobos já na prorrogação
O cansaço antes da prorrogação era evidente. Assim como era evidente que isso não seria motivo para que Mourinho tirasse seu principal jogador de campo. E voltou Cristiano para os 30 minutos finais, quando, empurrado pelo torcedor, o Real ensaiou momentos de pressão. Logo no início, escanteio cobrado em direção ao português, que tentou o gol duas vezes e não foi feliz.
Em uma rara arrancada, CR7 foi derrubado por Luiz Gustavo e caiu em cima da bola. Argumento necessário para permanecer no chão alegando dor e respirando fundo. Pouco depois, a última boa chance com bola rolando: Pepe partiu em disparada, trombou com a zaga adversária e descolou com passe na meia-lua. Cristiano dominou, o Bernabéu levantou-se, mas ele perdeu a passada e chutou na zaga, de canhota.
Em uma rara arrancada, CR7 foi derrubado por Luiz Gustavo e caiu em cima da bola. Argumento necessário para permanecer no chão alegando dor e respirando fundo. Pouco depois, a última boa chance com bola rolando: Pepe partiu em disparada, trombou com a zaga adversária e descolou com passe na meia-lua. Cristiano dominou, o Bernabéu levantou-se, mas ele perdeu a passada e chutou na zaga, de canhota.
Já nos 15 minutos finais, o jogador participativo do começo não se fazia mais presente. Errando passes bobos e com chutes sem direção, Cristiano chegou a mancar, a cair sozinho após lançamento de Granero e viu o impedimento de Higuaín atrapalhar sua última oportunidade de evitar a cobrança de pênaltis, após linda jogada de Marcelo.
Filme repetido e frustração
Nos pênaltis, o português se viu de frente com os piores momentos de sua carreira: as cobranças desperdiçadas no Camp Nou, na semi da Champions de 2008, e em Moscou, na final do mesmo ano. Em ambos os casos, porém, o final ainda foi feliz. Não dessa vez.
Sentado no gramado, Cristiano tinha a certeza de que evitar a cobrança seria impossível e puxava a ponta do pé para amenizar a dor e se manter aquecido: ele era o primeiro merengue da série. Já com 1 a 0 para o Bayern, partiu para cobrança caminhando, deu um trote do grande circulo até a meia lua e recebeu a bola de Neuer. Antes de colocá-la na marca do pênalti, trocou de uma mão para outra duas vezes, beijou e deu dois pequenos quiques no chão. Era a hora.
Foram cinco passos em corrida lenta até que o sexto terminasse no chute de direita que encontrou a mão de Neuer. A bola mal saiu pela linha de fundo e Cristiano já cobria o rosto. O filme de quatro anos atrás se repetiu. Restava ainda a esperança do final feliz. Enquanto caminhava de volta para o meio-campo, um consolo: os torcedores batiam palmas e gritavam seu nome.
A série continuou, Kaká também perdeu, Casillas recolocou o Real na briga, e Cristiano, mais atrás e afastado de seus companheiros, parecia não ter forças sequer para celebrar ou perceber o que estava acontecendo. Antes da cobrança final de Schweinsteiger, agachou-se, mirou o gol onde minutos antes tinha comprometido sua atuação, se jogou de joelhos e viu o alemão decretar a presença do Bayern na final do dia 19, em casa.
Mal a bola estufou as redes, levantou-se e seguiu de cabeça baixa em direção ao vestiário. O primeiro e tentar consolá-lo foi o compatriota Coentrão. CR7 passou direto. Passos depois, virou-se como se fosse voltar para o meio-campo, bateu com as mãos duas vezes na coxa, botou as mãos na cintura e decidiu sair de cena.
De cabeça baixa e mão direita nos olhos, como se enxugasse lágrimas, sumiu no túnel para o vestiário. Foi sua última imagem, já que não foi visto na zona mista. O trem da Champions League passou.
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