19 de jul. de 2012

Vítima de episódio em 1992 realiza sonho em festa de 20 anos do penta


No último sábado, ex-jogadores do Flamengo se reuniram em uma partida festiva para celebrar os 20 anos da conquista do pentacampeonato brasileiro. Torcedores aproveitaram a proximidade dos craques, em um clube da Zona Oeste do Rio, para abusar dos flashes, em busca de um registro ao lado de seus ídolos do passado.
Para um torcedor em especial, a festa teve um significado a mais. O empresário Renato Gama foi um dos flamenguistas que caíram da arquibancada do Maracanã, de uma altura de cinco metros, depois que a grade de proteção cedeu, minutos antes de a bola rolar para o empate por 2 a 2 com o Botafogo. Foram três mortos - um deles, amigo de Renato - e quase cem feridos.
Renato, que na época tinha 16 anos, foi obrigado a passar por uma cirurgia na coluna. E convive até hoje com lembranças daquele 19 de julho. Agora, elas vão se misturar com um sonho realizado: o empresário conheceu de perto seus ídolos no sábado e teve o privilégio de bater uma bola com eles.
- Como se não bastasse a coincidência de a comemoração do penta ser justo no clube onde jogo minha pelada há quatro anos, ainda pude participar e jogar com eles. Foi uma experiência surreal. Junior, Zinho, Gelson Baresi, Piá, Marquinho, Gilmar Rinaldi, Gaúcho... Foi uma grande emoção. Muitas pessoas gostariam de estar no meu lugar. Mas para mim, por toda a minha história, teve um sabor especial. Era como se eu estivesse no Maracanã. Eu me senti um adolescente e realizei o meu sonho de infância. Pena que joguei no time adversário (risos) - disse.
Zinho, Penta (Foto: Igor Castello Branco / Globoesporte.com)Após 19 anos, 11 meses e 26 dias da final, Renato encontra Gilmar e Junior (Foto: Globoesporte.com)
Renato da Cunha Gama era uma das 122 mil pessoas que lotaram o Maracanã naquela tarde de domingo, numa maioria esmagadora de rubro-negros. O clima era de euforia. Afinal, na semana anterior, o Flamengo havia vencido o Botafogo por 3 a 0 e estava a um passo do título. Porém, nem tudo foi festa. Antes da partida, a tragédia abafou o grito da torcida.
- Naquele dia, éramos um grupo de quase 15 pessoas. O estádio estava muito cheio, um empurra-empurra danado. E, em uma fração de segundos, a grade cedeu, e o pessoal foi caindo. Parecia efeito dominó. Eu fui o último a cair da arquibancada. Um amigo meu caiu antes. Eu ainda tentei segurá-lo pela camisa, mas recebi um empurrão por trás e me desequilibrei. Eu o soltei e despenquei de uma altura de aproximadamente seis metros. Foi tudo muito rápido. Pode parecer incrível, mas no momento da queda passou um filme da minha vida. Desde quando eu ainda estava no útero da minha mãe até as últimas palavras dela, horas antes de eu ir ao jogo: "Meu filho, toma cuidado. Vai ter muita gente lá".
As cenas que Renato presenciou após a queda jamais saíram de sua memória.
- Foi um momento de desespero e solidariedade. A minha sorte foi que caí exatamente num corredor entre um bloco de cadeiras e outro. Visualmente, muitas pessoas estavam numa situação pior do que a minha. Lembro de um rapaz com as vísceras para fora, foi impressionante. Mesmo naquela situação, ainda tentei me levantar para ajudar, mas caí novamente. Nesse momento, apareceu um senhor que era torcedor do Botafogo e médico. E dizia: "Você está bem", ao mesmo tempo em que verificava meus sinais vitais. E eu gritava: "O pessoal vai cair". Depois, só sei que os bombeiros me colocaram numa maca, e eu desmaiei.
Policiais, bombeiros e torcedores se uniram para salvar as vítimas, e até um helicóptero desceu no campo para ajudar. Apesar do acidente, o show tinha que continuar. Jogadores de Flamengo e Botafogo entraram em campo sem saber o que tinha acontecido. Só depois do término da partida é que os times tiveram a dimensão exata da tragédia.
Um dos heróis da conquista, Junior revela que ficou sabendo ainda no vestiário do episódio, junto com Gilmar Rinaldi. Mas decidiu não contar aos outros jogadores.
- Nosso time ainda estava aquecendo, quando o Marcelo Pontes e o Helvécio Pessoa, preparadores físicos do Flamengo, entraram no vestiário. Eu e o Gilmar percebemos que não estavam com uma cara muito boa. Aí eles nos contaram o que tinha acontecido: "Uma grade da arquibancada cedeu. Segura, porque o negócio foi chocante. Talvez não tenha jogo". Não falamos nada para os outros jogadores. Se tivéssemos visto o acidente, não sei o que poderia ter acontecido.
Pelada 20 Anos do Penta, Flamengo, Zinho (Foto: Igor Castello Branco / Globoesporte.com)Renato ganha autógrafo de Zinho na camisa
durante a festa do penta (Foto: Globoesporte.com)
A conquista de 1992 reuniu jogadores mais experientes - como Junior (então com 38 anos), Zinho, Gaúcho, Gilmar e Gottardo - e alguns jovens, casos de Marquinhos, Djalminha, Marcelinho, Nélio, Paulo Nunes, Júnior Baiano e Piá. O Flamengo se tornou o maior vencedor da história do Brasileirão na época, com cinco títulos. O empresário Renato Gama acompanhou o último capítulo dessa história por um "radinho de pilha salvador".
- No (hospital) Souza Aguiar, recuperei os sentidos e acordei numa maca com enfermeiros prontos para realizar algum procedimento, não sei bem o que era. Mas lembro que eles queriam cortar a minha camisa do Flamengo e não deixei. Disse que, se fosse para cortar a camisa, que cortassem a bermuda (risos). Fomos atendidos num corredor, estávamos todos ensanguentados. Nesse momento, apareceu um rapaz com um radinho de pilha. Mesmo com dor, ainda acompanhamos o jogo. Coisa de maluco. Quando saiu gol do Mengão, então, foi uma festa só. E o médico dando bronca na gente.
Ainda hoje, Renato se emociona ao falar do sacrifício de sua mãe para tentar encontrá-lo.
- Um homem me perguntou: "Você é o Renato da Cunha Gama?". Respondi que sim, e ele disse que minha mãe estava me procurando. Quando ela chegou ao hospital, o prontuário com os nomes das vítimas não havia sido divulgado. Ela estava desesperada. Aí peguei um papel e escrevi: "Fica tranquila. Estou bem, mas acho que o cara que está do meu lado vai morrer".
Zinho, Penta (Foto: Igor Castello Branco / Globoesporte.com)As marcas da cirurgia de coluna de Renato
(Foto: Igor Castello Branco / Globoesporte.com)
A partir daí, o adolescente de 16 anos travou uma batalha para se recuperar do acidente. Um exame detectou uma fissura na vértebra. Os momentos de sofrimento são lembrados pelo empresário, mas não o fizeram abandonar o amor pelo Flamengo.
- Foi muita luta, muita fisioterapia, muito dinheiro gasto com táxi. Minha mãe perdeu o emprego. Foi muito sofrimento. Depois da operação na coluna, fiquei usando um colete durante oito meses. Perdi contato com muitos amigos e acabei mudando de escola. No novo colégio, escondi que era uma das vítmas desse episódio porque gostava muito de educação física. Ainda continuei frequentando o Maracanã para ver o Flamengo jogar e viajei muitas vezes.
Renato hoje é casado com Maristela e pai da pequena Nicole, de dois anos. Sem sequela do acidente, pode fazer qualquer atividade física. Isso permitiu que aceitasse o convite no sábado para participar da pelada com ex-jogadores do penta. O empresário, que contou ter ficado com febre e vomitado ao chegar em casa após a partida ("acho que foi emocional"), agradeceu a Junior pelo Facebook.
- Foi uma grande coincidência o fato de ele jogar futebol com a rapaziada do clube onde comemoramos os 20 anos do penta. Chamá-lo para a pelada era nossa obrigação. Ele é sobrevivente de uma tragédia. Certamente, participar da comemoração de sábado teve um significado muito especial para ele, mas para nós foi maior ainda. Poder reencontrá-lo e ver que ele superou aquele episódio foi bem especial - comentou Junior.
Penta Flamengo (Foto: Reprodução / Facebook)
Igor Castello Branco colaborou sob supervisão de Bernardo Ferreira.

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