29 de jul. de 2012

Londres, dia 2: morte e vida severina em um domingo sem medalhas


As Olimpíadas são uma gestação de quatro anos. Elas têm um ciclo marcado pelo tempo. Formam uma pequena existência, com nascimentos e despedidas, esperanças e decepções. E às vezes tudo acaba superacelerado pela rapidez dos acontecimentos. Veja o caso do esporte brasileiro: amanheceu todo prosa neste domingo, depois das três medalhas conquistadas no dia anterior, e se sentiu um tanto órfão ao anoitecer, como se sofresse um choque de realidade. Não houve pódios desta vez. Não houve hino. Mas houve (re)nascimentos, como o do time masculino de basquete, que voltou vitorioso às quadras olímpicas depois de inacreditáveis 16 anos de ausência. E, paciência, também houve despedidas, caso da ginástica feminina, eliminada precocemente de Londres 2012.
Esperanças e decepções. O ciclo da vida (ou do esporte) teima em indicar que para cada “adeus” há de existir um “bem-vindo”. Se Daiane dos Santos se despede longe daquele ouro que pareceu tão vivo há oito anos, em Atenas, aí estão, novinhos em folha, Neymar e Oscar, comandando a vitória da seleção brasileira sobre a Bielorrússia. Se foi eliminada do torneio individual a mesa-tenista polonesa Natalia Partyka, que tanto comoveu ao disputar as Olimpíadas com apenas uma mão (ela nasceu sem o antebraço direito e ainda disputará o torneio em duplas), vem aí o velocista Oscar Pistorius. O sul-africano não tem nenhuma das pernas. Mesmo assim, competirá nos 4x400m.
Natalia Partyka x Li Jie, Tenis de Mesa (Foto: Agência AP)Natalia Partyka, símbolo de superação, é eliminada do torneio individual no tênis de mesa (Foto: Agência AP)
Nascimentos e despedidas. É mais ou menos um dos vários motes de “Morte e Vida Severina”, obra-prima de João Cabral de Melo Neto. Um retirante, cansado de tanto sofrer, cansado de tanto caminhar sem chegar a lugar algum, decide dar adeus à vida. Mas volta a ver sentido na existência ao presenciar um nascimento, ao vislumbrar a outra ponta do ciclo da vida. O esporte tem disso. Londres mal sabe, mas também tem suas mortes e vidas severinas.
Bem-vindos
Leandrinho na partida de basquete do Brasil contra a Austrália (Foto: Reuters)Leandrinho marca mais dois: cestinha do jogo, com
16 pontos (Foto: Reuters)
Bem-vindo seja o time masculino de basquete do Brasil. Bem-vindo de volta. Fazia três Olimpíadas que a delegação verde-amarela não tinha representação do esporte em Jogos. E o retorno foi com vitória. Vitória suada, sofrida, até um tanto assustada nos minutos finais: 75 a 71 contra o bom time da Austrália. Leandrinho foi o cestinha do Brasil, com 16 pontos, mas cometeu dois erros que quase transformaram a vitória em derrota nos momentos decisivos da partida.
Bem-vindos sejam à maturidade esportiva Oscar e Neymar. São duas crianças de 20 anos. E desenharam, com tintas de dribles, arrancadas e gols, a vitória de 3 a 1 sobre a Bielorrússia em Manchester. O atacante do Santos marcou um golaço de falta e deu duas assistências, uma delas de calcanhar, justamente para Oscar. Alexandre Pato, 22 anos, fez o outro. Foi a segunda vitória da Seleção nas Olimpíadas. Ela está classificada para as quartas de final – quem sabe, a três jogos do ouro inédito. Na quarta-feira, a equipe de Mano Menezes enfrenta a Nova Zelândia, no encerramento do Grupo C.
Neymar comemora gol do Brasil contra a Bielorrússia (Foto: AFP)Neymar comemora com Oscar: os donos do time na vitória sobre a Bielorrússia (Foto: AFP)
Bem-vindo de volta a uma edição dos Jogos seja o levantador Ricardinho. Fora em Pequim 2008, por desentendimento especialmente com o técnico Bernardinho, ele participou da estreia da seleção masculina em Londres, com vitória por 3 sets a 0 contra a Tunísia. Mas começou na reserva. Jogou pouco tempo. Fez 20 levantamentos e deu seis saques.
Bem-vindo seja Robert Scheidt, agora acompanhado por Bruno Prada, a mais uma rotina de vitória nas águas. Eles fecharam o dia liderando a classe Star na vela. Ficaram em quarto na primeira regata e ganharam a segunda. Scheidt é bicampeão olímpico.
E bem-vinda seja Maria Elisa à realidade dos Jogos. Estreante em Olimpíadas, ela venceu, ao lado de Talita, as holandesas Meppelink e Van Gestel por 2 sets a 0 (21/10 e 21/19) na primeira rodada do vôlei de praia dos Jogos de Londres. Vitória também teve a dupla Alison e Emanuel, que padeceu para derrotar os austríacos Doppler e Horst por 2 a 1.
Até mais
Dizem que é perdendo que se aprende. Se for verdade, os jovens atletas da seleção masculina de futebol da Espanha tiveram lições incalculáveis para chegar perto do posto alcançado pelo time “adulto” do país, campeão mundial e bicampeão europeu. A “Furinha”, uma das grandes favoritas ao título, foi eliminada já na segunda rodada da fase de grupos, ao perder por 1 a 0 para Honduras, depois de já ter sido batida pelo Japão na estreia. Um fiasco.
O Uruguai não foi eliminado, mas também patinou feio. Os charruas levaram 2 a 0 de Senegal pelo Grupo A. Foi a primeira derrota da Celeste em Olimpíadas. Na mesma chave, a Grã-Bretanha fez 3 a 1 nos Emirados Árabes.
Thomaz Bellucci tênis Wimbledon Londres 2012 1r (Foto: Reuters)Thomaz Bellucci perde para Tsonga (Foto: Reuters)
O domingo foi de eliminação para o Brasil no tênis. Thomaz Belucci até que jogou bem, mas perdeu para o francês Tsonga por 2 sets a 1. Alguns medalhões da raquete, casos de Andy MurrayNovak Djokovic eMaria Sharapova, venceram suas partidas.
Houve despedidas também no boxe. Myke Carvalho perdeu por 16 a 10 para o americano Errol Spence pela categoria meio-médio (até 69kg). Róbson Conceição caiu diante do escocês Josh Taylor, por 13 pontos a 9.
No judô, mais derrotas. Érika Miranda perdeu logo na primeira luta da meio-leve (até 52kg). A judoca brasiliense, que teve folga na primeira rodada da competição, foi superada pela sul-coreana Kyung-Ok Kim, por ippon no golden score. Antes, Leandro Cunha, duas vezes vice-campeão mundial, decepcionou no torneio peso-meio-leve (até 66kg). Foi derrotado pelo polonês Pawel Zagrodnik logo na estreia, por 1 yuko a 0.
Recordes e façanha na natação
Em Olimpíadas se faz, em Olimpíadas se paga. Quatro anos depois de roubar o ouro da França nos 4x100m livre, os Estados Unidos levaram o troco. Mesmo com feras do naipe de Michael Phelps e Ryan Lochte na piscina, os americanos foram surpreendidos por uma arrancada quase sobrenatural de Yannick Agnel, que tirou 45 centésimos de vantagem do campeão dos 400m medley nas últimas braçadas. Ouro para a França.
Franceses ganham o 4X100m na natação (Foto: Agência AFP)Franceses festejam ouro nos 4x100m livre, em revanche contra americanos (Foto: Agência AFP)
O dia teve três quebras de recordes. Ruíram duas marcas mundiais: a dos 100m peito masculino, que agora pertence ao sul-africano Cameron Van der Burgh (antes, era do australiano Brenton Rickard), e a dos 100m borboleta feminino, graças à façanha da americana Dana Vollmer, que toma o feito que anteriormente cabia à sueca Sarah Sjostrom.
Além disso, a francesa Camille Muffat estabeleceu o novo recorde olímpico nos 400m livre. A antiga marca era de Federica Pellegrini, que terminou a prova em quinto. A campeã olímpica anterior da prova, a britânica Rebecca Adlington, ficou com o bronze – a prata foi da americana Alisson Schmitt.
Para o Brasil, foi um dia negativo nas águas. Fabiola Molina não conseguiu ir às semifinais dos 100m costas. Aos 37 anos, foi a provável despedida dela das competições olímpicas. E o revezamento 4x100m, sem Cesar Cielo, preservado para as provas individuais, ficou em nono na classificação geral, sem vaga na final.
A parte que nos cabe deste latifúndio
No sábado, podíamos dizer, sem mentir, que fomos os primeiros colocados no ranking de medalhas das Olimpíadas de Londres, graças à proximidade do bronze de Felipe Kitadai e do ouro de Sarah Menezes. O Brasil fechou o dia em quarto. Neste domingo, sem medalhas, caiu para oitavo. Como cantaria Chico Buarque em “Funeral de um lavrador”, música do disco “Morte e vida severina”, em referência à obra citada na abertura deste texto, é um lugar “de bom tamanho, nem largo, nem fundo. É a parte que te cabe deste latifúndio”.
No latifúndio interminável de conquistas nas Olimpíadas, o Brasil dificilmente conseguirá manter uma posição de top-10, mas a largada é animadora. Ao fim do domingo, a liderança esteve com a China, com 12 medalhas (seis de ouro, quatro de prata e duas de bronze), seguida pelos Estados Unidos, com 11 – três de ouro, cinco de prata, três de bronze.

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