Não há nada que reúna mais defensores do que o princípio da Transparência, que pode ser resumido como a permissão de acesso dos interessados às informações institucionais.
No processo eleitoral do Flamengo, a então Chapa Azul, ao enumerar seus Valores, colocou a Transparência em segundo lugar, abaixo apenas de Profissionalismo e à frente, por exemplo, de Honestidade, Dedicação e Paixão.
De forma ainda mais explícita, a aplicação da Transparência foi detalhada no resumo das propostas dos então candidatos, abrimos aspas: ”Transparência: qualquer contribuição efetuada por nossos torcedores será informada no website do Flamengo, bem como a prestação de contas de todos os projetos suportados por contribuições.”
Muita coisa mudou na Gávea – e para muito melhor, como até os mal humorados crônicos e abutres de plantão começam a dar o braço a torcer. Porém, em termos de transparência, continua a mesma prática, ou seja, a de só revelar os números quando a lei obriga, que é uma vez por ano no mês de abril, quando se publica o balanço patrimonial do ano anterior.
Acreditamos que o clube precisaria criar a cultura de que é uma entidade privada, mas de interesse público, o que o obrigaria a se esforçar para prestar contas não apenas ao Conselho Fiscal, mas sim aos milhões de FLAnáticos que constituem o seu maior ativo econômico. Afinal, é a imensa torcida, com seu potencial de rentabilidade, que turbina as receitas. Por que não deixá-la saber onde e como o dinheiro está sendo usado? Ainda mais em tempos de insistentes pedidos para adesão ao Sócio-Torcedor.
Há um bom debate, entre os especialistas no tema, sobre transparência x privacidade. Valeria a pena divulgar a remuneração de cada jogador? Isso evitaria as especulações corriqueiras, reverberadas pela imprensa, como recentemente vimos em relação ao festival de chutes na tentativa de acertar quanto custaria Mano Menezes para o Flamengo. Pelas notícias, nosso novo treinador poderá estar recebendo tanto R$ 300mil quanto R$ 1milhão.
Pode parecer esquisito, mas no setor público brasileiro isso já ocorre (graças à Lei da Transparência, que fez com que alguns órgãos federais passassem a exibir o contracheque de servidores na web). Nos esportes americanos isso também ocorre. Assim, não foi difícil descobrir que o Miami Heat pagou a LeBron James, melhor jogador da temporada, US$ 17,5 milhões, o que fez dele o 10º jogador mais bem pago (o primeiro é Kobe Bryant, com quase US$ 28 milhões).
Trata-se, portanto, de uma questão cultural. Que, naturalmente, nem seria a informação mais importante. O que realmente interessa aos torcedores, e demais “partes interessadas” (stakeholders), é saber o total dos gastos com cada departamento (modalidade esportiva) e mais diretamente com a folha salarial. Informação, não custa lembrar, que será revelada no balanço patrimonial, com abertura de futebol / esportes olímpicos. Qual o motivo de mantê-la oculta até lá?
Vale lembrar que na campanha para arregimentar novos sócios torcedores, o marketing do clube tem sido muito agressivo, no bom e às vezes no mau sentido. O discurso padrão é de que a receita vinda das contribuições dos torcedores é essencial para a recuperação das finanças do clube. Mas ao ocultar o montante arrecadado, a receita líquida e principalmente o destino dessa verba, o clube age como aquele parente atolado em dívidas, que pede ajuda sem deixar claro o quanto deve e o que vai fazer com o socorro familiar.
Para um clube de futebol, transparência não seria sinônimo de full disclosure, como exigido das companhias abertas. Estas sociedades, que são obrigadas a revelar todos os fatos relevantes de suas respectivas operações, estão sob um marco regulatório que as iguala na hora de tornar público seus atos. Portanto, não há como uma se privilegiar sobre a outra por conta da divulgação de informações. Além disso, a prática teve origem nos EUA, após a crise de 1929, quando se transferiu ao investidor a responsabilidade pelo risco, porém aferível por meio da disponibilização do maior número possível de informações. Convenhamos que não se trata do mesmo objetivo que o torcedor tem ao tentar buscar dados financeiros de seu time.
O sigilo sobre determinados aspectos pode sim ser um diferencial competitivo na atração de recursos de patrocinadores, investidores e provedores em geral. Por isso mesmo é que não defendemos uma política de portas permanente abertas, já que muita coisa ainda precisa ser tratada com discrição e qualquer medida deveria valer para todos. Mas, isso já seria tema para outro artigo.
No entanto, mesmo nesse segmento tão hostil à modernidade e às boas práticas de governança corporativa há exemplos ótimos a serem copiados.
Os azules chilenos, por exemplo, fazem questão de manter no site do time uma série de informações financeiras à disposição de quem as queira consultar. A mais recente é um relatório que avaliou as políticas corporativas e os diretores da Azul Azul S.A (a holding que controla a “La U”) não se constrangeram em tornar público que foram mal avaliados em alguns itens – ao contrário, deram suas explicações e prometeram melhorar.
Em outubro do ano passado, a Pluri Consultoria criou um ranking nacional sobre a transparência nos clubes de futebol. O Flamengo ficou na 15º posição. De lá para cá, sabemos que muita coisa ficou diferente no clube, mas entendemos que ainda seria necessário disponibilizar no site do clube itens como: o orçamento anual (com um histórico de pelo menos 3 anos), um maior histórico de balanços disponíveis (mínimo de 5 anos), a política de governança corporativa e o organograma com as equipes de executivos (além do custo total dos gestores por departamento).
As coisas na Gávea andam, como disse John Lennon, getting better, a little better all the time. Mas isso não significa que não possam ficar ainda melhores, com uma prestação de contas pública da arrecadação e destino do programa de Sócio Torcedor, com a revelação dos acordos feitos com a Receita Federal e no que eles impactam nos próximos orçamentos, com balancetes divulgados trimestralmente, com a ciência de quanto o clube pode realmente contar para atravessar essa fase de recuperação, tudo ao alcance de um clique. Até para diminuir cobranças desnecessárias em tempos de fluxo de caixa deficitário.
Não é o comum, não é obrigatório, não é indispensável. Só não é legal cobrar transparência alheia e quando chega a sua vez, agir intramuros. Além disso, o Flamengo é o clube mais popular do mundo e deveria estar liderando o processo de transformação do modelo de gestão. Ser transparente por opção é escolher entre ser presidente de um clube ou ser presidente de uma Nação.
Faça a escolha certa, Presidente Bandeira de Mello.
Mengão Sempre