Hoje podia muito bem ser um dia pra não escrever nada no blog, afinal o Flamengo não jogou. Podia ser até um dia pra escrever algo sacana sobre o Flor, esculachado categoricamente em casa, que é, diz a estatística, uma espécie de sentença de morte para os delírios continentais de quem disputa a Libertadores.
Mas, e daí a disputa da Libertadores? Perde-se muito do entusiasmo pelo futebol depois de tragédias como a que rolou ontem em Oruro. A morte em um estádio lança uma sombra que encobre e escurece todo o futebol. O resultado das partidas, os gols, as colocações na tabela, o ato de torcer por um time e tudo o mais perdem momentaneamente o seu sentido. Quando confrontada com a perda de uma vida, ainda mais a vida de um jovem, a bola e seus caprichos assumem uma gritante e deslavada desimportância.
Depois da tragédia consumada sempre entra em cena a infalível Liga da Justiça. Culpa-se o clube, as organizadas, a Comenbol, a polícia e os cartolas em geral. Há quem clame pela punição mais dura que houver a quem soltou o morteiro, sinalizador, o que seja. Há quem contemporize e considere que quem solta um rojão no estádio não quer matar ninguém, só quer fazer barulho. E quando há tantos pré-culpados o que sói acontecer é que ninguém seja punido.
Li relatos de presentes ao estádio em Oruro que o sinalizador que vitimou o mártir de 14 anos Kevin Beltrán não teria sido lançado deliberadamente em direção à torcida adversaria. Que o artefato teria escapado da mão de um pobre torcedor por imperícia ou má sorte e sem qualquer dolo. Fato que se comprovado, ainda que seja um atenuante, não absolve o perpetrador da prática de um crime. Ainda que seja um crime consentido pela hipocrisia dos dirigentes e pela nossa própria leniência histórica, tão brasileira e que beira a cumplicidade, em consentir que o crime seja praticado cotidianamente ao nosso lado.
Da mesma maneira que o cara que tomas umas cachaças a mais e sai dirigindo não pretende matar ninguém, quem leva morteiro, sinalizador, ou qualquer artefato com poder letal a um estádio, a princípio também não quer matar ninguém. Hoje, felizmente, já existe consenso em torno da tese que dirigir chapado é crime grave, não porque seja feio beber e dirigir, mas porque é uma prática estúpida que envolve um altíssimo risco de matar gente. Logo, dirigir sob o efeito de álcool é crime e ponto final.
Acredito que o infeliz torcedor causador da tragédia jamais teria premeditado o crime que viria cometer. Mas isso não diminui sua culpa. Ele tinha perfeita consciência que fogos de artifício são artigos proibidos, que só entram nos estádios e praças de esporte contrabandeados. Não é admissível classificar o que aconteceu como fatalidade ou acidente. Se algum imbecil comemora um gol disparando sua pistola para o alto e uma das balas na descendente atinge a uma pessoa ninguém vai achar que foi acidente ou uma fatalidade, vai?
Agora me expliquem se existe alguma diferença entre um sinalizador, um morteiro, um rojão e uma arma de fogo. É tudo a mesma coisa, artefatos que combinam fogo, pólvora, uma espoleta e um idiota para dispara-lo. E se todo o Brasil aprendeu da forma mais dolorosa que disparar um sinalizador dentro de uma boate é um crime, por quê tantas dúvidas sobre cometer a mesma idiotice dentro de um estádio não seja um crime também?
É muito difícil que essa tragédia sirva de lição para algum dos diretamente envolvidos, cujo instinto de sobrevivência os fará encontrar quantos argumentos forem necessários para que suas consciências o eximam de suas responsabilidades. Não devemos condená-los por essa atitude porque ela é própria do ser humano.
Somos nós, torcedores que estamos de fora, que podemos dar um passo a frente e assumir nossa parcela de culpa. Se não quisermos abrir mão do nosso prazer em frequentar e torcer pelos nossos times em estádios vamos ao menos parar de bater palma e achar lindo as salvas de morteiros nos estádios. E repudiemos as torcidas, organizadas ou não, que persistirem nesse costume bárbaro. Fogos de artificio matam, e as mortes que provocam são estúpidas, sem sentido e desnecessárias.
Se em vez de proibir o consumo de cerveja nos estádios, uma medida inócua e demagógica, os donos do futebol, que não somos nós que o sustentamos, mas os que lucram com ele, se preocupassem realmente com a segurança do público e essa tragédia poderia ter sido evitada. E é para esses relapsos, argentários e irresponsáveis donos do jogo que faço um apelo. Salvem as suas peles, os seus negócios e os seus patrimônios. Decretem para ontem o banimento definitivo e irrevogável dos fogos de artifício nos estádios. Sem exceções e sem artifícios.
Se vocês, que são os donos do futebol, não tomarem rapidamente as medidas necessárias para proteger o esporte, algum poder maior e totalmente fora do seu controle o fará.
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Mengão Sempre
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