É uma maluquice. Dizem que se temos, por exemplo, exatos 70 quilos no instante de nossa morte, passaremos a ter 69 quilos e 979 gramas um segundo depois, quando já tivermos batido as botas. O leitor, antenado que é, há de perguntar: onde cargas d’água foram parar os 21 gramas que sumiram repentinamente de nosso peso de defunto? Um ex-cientista americano, já falecido, jurava de pé junto que tinha a resposta. Esses 21 gramas são o peso da alma, dizia ele. O cara era um bocado pirado e, para provar sua tese, pesou seis pessoas pouco antes e pouco depois de elas morrerem. Bingo: todas elas perderam peso – geralmente, 21 gramas. Mas o criador da tese, chamado Duncan MacDougall, teve um porém na formulação dela, uma ressalva que deixa os resultados sob suspeita: ele não viveu o bastante para poder pesar Michael Phelps.
No caso do nadador americano, o experimento deveria ser mais amplo, para explicar como é que esse cara, com uma alma que pesa toneladas, consegue boiar. Mais: como ele consegue nadar? Mais ainda: como ele consegue ganhar, atenção, 15 medalhas de ouro? Mais ainda ao quadrado: como ele consegue se tornar o sujeito que mais ganhou medalhas (são 19!) na história dos Jogos Olímpicos?
Que os céus cuidem com carinho da alma (tenha ela o peso que tiver) de Duncan MacDougall, falecido em 1920. Mas não é pecado abrir algumas exceções na tese dele – que depois inspiraria um filmaço, chamado justamente “21 Gramas”, dirigido pelo mexicano Alejandro Iñárritu, com Sean Penn no elenco. E a exceção que nos cabe nesta terça-feira é Michael Phelps. Ele não pode ter, ao alcançar uma marca tão absurda, ao quebrar um recorde que durava quase meio século, uma alma igual à de todos os outros. Em um dia de altos e baixos para o esporte brasileiro em Londres, o nadador americano virou o maior vencedor da história das Olimpíadas - gostemos dele ou não.
Histórico
Phelps colocou mais duas medalhas na sua coleção nesta terça-feira. Foi prata nos 200m borboleta, superado pelo sul-africano Chad le Clos na última braçada, em prova daquelas de eliminar qualquer vestígio de fôlego. E depois fechou a participação da equipe americana nos 4x200m livre. No instante em que encostou seus dedos na marca final, ele virou história. Com sua 19ª medalha em Olimpíadas, superou a ex-ginasta Larissa Latynina, nascida na Ucrânia, que representou a União Soviétiva nos Jogos de Melbourne 1956, Roma 1960 e Tóquio 1964. A marca, portanto, durava 48 anos. (Na galeria de fotos ao lado, veja imagens do fenômeno com todas as medalhas que ele conquistou em Jogos Olímpicos. Abaixo, observe um comparativo entre as façanhas de Phelps e da recordista anterior).
O curioso é que Phelps se consolida ainda mais como mito olímpico em um momento que está muito longe de ser o melhor dele. Em 2009, o nadador foi flagrado usando maconha e acabou suspenso por três meses pela federação americana de natação. Perdeu patrocínios. E viu suas marcas piorarem. Passou a sofrer com críticas, até com alguma antipatia. Virou antagonista dele mesmo – os grandes personagens nem precisam de outros como antagonistas.
Nem tanto ao céu, nem tanto à terra
O Brasil fechou seu terceiro dia seguido sem medalhas em Londres, o que rendeu uma queda para o 14º lugar no quadro geral. Mas houve vitórias representativas.
No basquete, apesar de parecer ter tomado sonífero no primeiro quarto, com apenas quatro pontos, a equipe verde-amarela teve reação e venceu a Grã-Bretanha por 67 a 62. É o segundo triunfo do time brasileiro em dois jogos em Londres. Tiago Splitter foi o cestinha da partida, com 21 pontos.
No vôlei, outra vitória expressiva. O time de Bernardinho aplicou 3 sets a 0 na Rússia e ganhou moral para a disputa de um ouro que pode estar mais próximo do que parecia há poucos dias. As parciais foram de 25/21, 25/23 e 25/21.
No vôlei de praia, mais duas vitórias. Alison e Emanuel bateram a dupla suíça formada por Bellaguarda e Heuscher por 2 sets a 0, parciais de 21/17 e 21/12. Talita e Maria Elisa tiveram mais dificuldades, mas derrotaram Goller e Ludwig, da Alemanha, por 2 sets a 1, parciais de por 21/19, 29/31 e 15/13.
Bom resultado também na vela. Robert Scheidt e Bruno Prada ficaram em primeiro e segundo nas duas regatas do dia e pularam para a vice-liderança da classe Star. Nenhum dos demais brasileiros está entre os dez em suas respectivas categorias.
Nas piscinas, Cesar Cielo fez aquilo que se espera de um dos favoritos na prova, medalha de bronze nela em Pequim. Cravou presença na final dos 100m livre. Fez o quinto melhor tempo do dia na prova. O mais veloz foi o principal adversário dele, o australiano James Magnussen. A final é nesta quarta-feira – as provas decisivas começam às 15h30m.
Também nas águas, houve decepções.Joanna Maranhão sequer foi às semifinais dos 200m borboleta. Nos 200m peito para homens, Tales Cerdeira fez muito boa prova e não se classificou para a final por detalhes. Teve o nono tempo. Henrique Barbosa não conseguiu chegar às semifinais na mesma prova.
No futebol, a seleção brasileira feminina, depois de boa largada na competição, perdeu por 1 a 0 para a Grã-Bretanha e ficou com o segundo lugar do Grupo E. Com isso, pegará o Japão nas quartas de final, na sexta-feira. É uma parada dura. São as atuais campeãs mundiais.
Mas a maior tristeza do dia esteve no judô. Leandro Guilheiro, candidatíssimo ao ouro, não conseguiu medalhas na categoria meio-médio. Perdeu para o americano Travis Stevens nas quartas de final e depois foi derrotado pelo japonês Takahiro Nakai na repescagem.Mariana Silva caiu na primeira fase, para a chinesa Lili Xu, também no meio-médio.
Se a terça-feira foi positiva ou negativa para o tênis, só a quarta-feira poderá dizer. É que o jogo de duplas de Bruno Soares e Marcelo Melo contra os tchecos Tomas Berdych e Radek Stepanek foi interrompido no terceiro set, empatado por 18 a 18, por falta de luz natural. Detalhe: o confronto já durava 3h45m.
Prodígio chinesa nas águas e nariz com nariz no tatame
Foi um dia de disputas fortes, entre alguns dos principais nomes dos Jogos. Na natação, além da marca histórica de Phelps e da classificação de Cielo, chamou a atenção a conquista demais um ouro pela prodígio chinesa Shiwen Ye. Aos 16 anos, ela ganhou os 200m medley e quebrou o recorde olímpico da prova, com 2m07s57. Antes, já havia sido a primeira nos 400m medley, com recorde mundial.
No judô, saiu faísca. Quase acabou em socos a disputa entre o alemão Ole Bischof e o americano Travis Stevens, aquele que eliminou Guilheiro. O algoz do brasileiro levou uma pancada no supercílio e lutou com o rosto enfaixado. Houve um momento em que ele e o europeu, com a luta interrompida, ficaram nariz com nariz, se desafiando. O árbitro teve que separar. No fim, vitória do alemão e desespero do americano, que caiu em choro com a derrota – faria o mesmo ao perder o bronze para o canadense Antoine Valois-Fortier. Na final, o sul-coreano Jae-Bum Kim venceu Bischof e ficou com o ouro.
Outro destaque do dia foi a conquista da medalha de ouro pelos Estados Unidos na disputa por equipes da ginástica artística. Uma das favoritas, a Rússia cometeu falhas nos quatro aparelhos e ficou com 5.066 pontos a menos que o quinteto formado por Jordyn Wieber, Alexandra Raisman, Kyla Ross, McKayla Maroney e Gabrielle Douglas. O terceiro lugar foi da Romênia.
A terça-feira também teve um recorde, mas longe de ser tão expressivo quanto o de Phelps, no tênis. O jogo entre o francês Jo-Wilfried Tsonga e o canadense Milos Raonic durou 3h57m. Além de ter o set mais longo em games disputados (25/23 para o europeu no terceiro), o duelo quebrou o recorde de partida mais longa disputada em melhor de três nas Olimpíadas (66 games). Tsonga venceu por 2 a 1.
A vontade de vencer dos tenistas foi o extremo oposto de duas duplas do badminton. As chinesas Xiaoli Wang e Yang Yu e as sul-coreanas Kyung Eun Jung e Ha Na Kim não quiseram vencer o duelo desta terça-feira. Quem perdesse, só pegaria as chinesas Tian Qing e Zhao Yunlei, favoritas ao ouro, na final. As duas duplas forçaram erros de saque e irritaram o público, que passou a vaiar as atletas. A arbitragem chamou as quatro para conversar, e o jogo passou a ter o mínimo de normalidade. A parceria da Coreia do Sul acabou vencendo o duelo por 2 sets a 0 (21/14 e 21/11), em apenas 23 minutos de jogo.