Era 13 de novembro de 1993. Zico teria não mais do que um punhado de jogos pela frente até encerrar de vez a carreira. Ele jogava pelo Kashima Antlers, do Japão, que naquele dia enfrentava o Yokohama Marinos pelo campeonato local. Do outro lado, estava Ramón Díaz, argentino chato, bom de bola, hoje treinador do River Plate. Mal começou o jogo, o gringo foi lá e fez 1 a 0. Pouco depois, marcou outro. Não ficou satisfeito. Quis provocar. Olhou para Zico e, em espanhol, disse:
- Que foi, velho de merda? Tá na hora de parar...
Zico respirou fundo. Olhou para Alcindo, outro brasileiro do time, e disse que eles virariam o jogo. Passou a destruir em campo. Em instantes, o próprio Alcindo descontou para 2 a 1. Depois, novamente com gol dele, saiu o empate por 2 a 2. Ramón Díaz entrou em apuros. Correu o tempo, seguiu o jogo, e, quando o final se aproximava, uma bola sobrou para Zico, e ele não perdoou: fez o gol da virada. Encerrada a partida, o Galinho procurou o argentino. Olhou para ele e soltou o golpe final:
- Saiba que os velhos também fazem gols...
A história acima, contada pelo próprio Alcindo, é um pequeno retalho da genialidade do camisa 10, que completa 60 anos neste domingo. Não faltam testemunhas oculares do brilho do Galinho. Em mais de duas décadas como jogador, Zico encantou a quem o assistiu das arquibancadas e assombrou aqueles que dividiram a grama com ele. Ex-jogadores, amigos, colegas ou mesmo adversários dele deixaram ao GLOBOESPORTE.COM sua impressão sobre a importância do craque para o futebol brasileiro. Os relatos estão abaixo.
Junior, multicampeão com Zico no Flamengo e colega dele na Seleção
Zico e Junior: parceria em campo vira amizade
(Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)
- Quando falo de Zico, penso no privilégio de ter dividido os momentos mais importantes da história do Flamengo com ele. A amizade extrapolou o lado esportivo. A relação vai para toda vida. É quase parentesco. O comportamento faz diferença. Sempre respeitamos os adversários. Por isso todas as torcidas gostam da figura dele. Isso vem da formação e da educação. É difícil encontrar alguém para falar algo de ruim do Zico. Sempre foi a estrela da companhia e jamais pediu nada só para ele. Por isso tem o reconhecimtno de todos. Espero que ele tenha muito mais anos de vida pelo brilho que tem nos olhos ao ver os netos. E que possa ensinar os truques de futebol para as novas gerações. Gostamos sempre do Zico por perto.
Renato Gaúcho, campeão brasileiro com Zico no Flamengo
Renato Gaúcho tem Zico como grande ídolo
(Foto: Cíntia Barlem / Globoesporte.com)
- Nunca escondi de ninguém que sempre tive o Zico como um ídolo. Tinha o sonho de jogar ao lado dele e sinto muito orgulho de ter conseguido isso no Flamengo e na Seleção. O Zico era uma referência dentro e fora de campo e posso dizer que aprendi muitas coisas com ele. Jogar com ele era fácil. A bola chegava redonda sempre, e ali na frente tudo ficava mais tranquilo. O Zico sempre foi um exemplo para todos da minha geração. Um exemplo de atleta e de homem. Agradeço por tudo que vivemos juntos, pelos ensinamentos e pela amizade que construímos e que perdura até hoje. Quero desejar a ele toda a felicidade do mundo e muita saúde.
Edinho, companheiro de Zico na Seleção, no Udinese e no Flamengo e adversário dele pelo Fluminense
Edinho viveu os dois lados: jogou a favor de Zico e
contra ele (Foto: Divulgação/SporTV)
- A gente conviveu muito tempo junto. De 77 a 86 na Seleção e um pouco no Udinese. Depois, no Flamengo. A amizade já existia na Seleção, mas tínhamos a rivalidade dos clubes. Não podia sair abraçando o adversário. Existia uma rivalidade maior. No Udinese, eu falei que seria um jogador interessante para contratar. Ninguém imaginava que uma cidade pequena ia ter o Zico. Indiretamente, dei um empurrãozinho que ajudou na ida dele para a Itália. Lembro que em 81, nas eliminatórias, meu filho nasceu no Brasil e nós estávamos viajando. Criei um Jornal Nacional com uma câmera. O Zico queria ver antes de todo mundo e eu não deixei. E um ficou chateado com o outro. Porém, no voo de volta, ele mandou a aeromoça entregar o guardanapo e pediu desculpas. Outro dia descobri que ainda tenho esse guardanapo guardado.
Reinaldo, parceiro de Zico na Copa de 78 e adversário dele nos duelos entre Flamengo e Atlético-MG
Reinaldo viveu grandes duelos com Zico quando
defendia o Galo (Foto: Globoesporte.com.)
- O Zico foi um dos jogadores mais importantes do futebol mundial. A imagem que tenho dele é como o rei do Rio. Durante muitos anos, o Zico foi quem mais deu alegrias no Rio de Janeiro. Foi um craque genial. Ele reunia todas as qualidades de um craque. Sabia fazer gols, driblar, lançar, cabecear, bater faltas, pênaltis. Reunia todas essas qualidades. Era um jogador completo. E o mais importante era seu profissionalismo, sua liderança. Sempre treinou muito, se dedicou muito. Sempre participou muito ao lado dos jogadores. Em 78, quando jogamos a Copa juntos, ele já era um jogador desenvolvido. Já começava ali a se destacar como uma das figuras principais da Seleção. Sei que ele também tinha admiração por mim, e isso me enche de orgulho. Fico muito honrado, com o ego inflado. Tivemos grandes duelos, grandes jogos. Eram grandes times. O Flamengo era mais técnico. O Atlético-MG era mais pesado. Quando ia jogar contra o Flamengo do Zico, a gente se concentrava mais cedo.
Nunes, campeão brasileiro, da Libertadores e do mundo com Zico no Flamengo
Nunes foi um dos principais parceiros de Zico
(Foto: Globoesporte.com)
- O Zico foi uma pessoa muito importante no futebol brasileiro, no Flamengo. Nos entrosamos muito bem dentro e fora de campo. Ele fez muita coisa por muitos jogadores. Ajudou muitos jogadores em renovações de contrato. Nosso entrosamento foi desde a base. Nos conhecemos desde pequenos. Já sabíamos o que fazer em campo. Sempre me impressionou a simplicidade dele. Jogava simples. Dava tudo certo. Desde muito novo, dava para ver que tinha uma visão diferente. Mas treinou muito para alcançar o sucesso que teve. Tudo que conquistou de títulos tem um significado muito especial, porque trabalhou para isso.
Éder, colega de Zico na Seleção e adversário dele por clubes como Cruzeiro e Atlético-MG
Éder aprendia com Zico, apesar da diferença de
personalidades (Foto: Marco Antônio Astoni)
- Como pessoa, é um cara sensacional, muito bacana. Tenho um carinho muito grande por ele. Sempre foi muito profissional. Falar sobre como ele jogava é brincadeira. Foi o maior jogador do futebol brasileiro com quem tive a oportunidade de jogar. Era uma pessoa que eu admirava muito. Um líder na Seleção. Um cara muito respeitado e muito respeitoso. Eu procurava sempre estar do lado dele, para acompanhar os treinamentos. Eu era um cara totalmente diferente, mais arredio. Ele era muito tranquilo. Mas sempre ajudou muito a gente. Sou abençoado por ter jogado com ele, um jogador muito inteligente dentro de campo. Ele já antecipava a jogada. Batia faltas tão bem... Ele gostava muito, treinava muito. É aquilo: quando treina muito, erra menos.
Alcindo, colega de Zico no Flamengo e no Kashima Antlers
Alcindo acompanhou Zico em experiência no Japão
(Foto: reprodução RPCTV)
- Eu vi o Zico no Flamengo e depois vi o recomeço dele no Japão. Ele lavava a chuteira, lavava roupa. Morava em Tóquio e levava duas horas para ir para o treino. Nunca vi o Zico reclamar de algo em que não tivesse razão. Jogar com ele foi meu maior orgulho. Ele é um deus no Japão. E merece tudo que conquistou. Não foi à toa. Teve paciência, ajudou o clube, criou a liga japonesa. Deixo para ele desejos de muitas felicidades. Que ele continue sendo sempre essa pessoa que é. Que curta bastante os netinhos dele. E continue assim. Que nunca deixe de falar quando vê as coisas erradas. Ele é um cara positivo, as pessoas gostam dele, e as opiniões dele sempre serão ouvidas. Papai do céu deu a ele grandes qualidades. Que ele continue assim.