Alemanha e Argélia não têm apenas um abismo de tradição em Copas do Mundo que teima separá-los. Basta olhar para as extremidades do gramado, no objetivo de todo o jogador, o gol. Lá moram dois goleiros que em nada se parecem. A não ser pelo bom motivo de terem sido destaques nesta segunda-feira no Beira-Rio, em emocionante confronto que levou, a muito suor e sofrimento e a despeito da desigual tradição, os alemães às quartas de final com a vitória por 2 a 1 construída construída nas agruras finais da prorrogação. Muito por causa desses homens de luvas.
A dupla conseguiu se sobressair mesmo com números tão díspares. O argelino Rais M'Bolhi teve mais trabalho, com 22 finalizações alemãs. Enquanto isso, Neuer viu seu gol ser fustigado em sete oportunidades. Mas o seu destaque pessoal foi menos em intervenções perto da linha fatal e muito mais em saídas precisas e arrojadas contra a velocidade africana.
O único item em que M'Bolhi parece ousar é no fardamento. Um laranja daqueles cintilantes, à la cone de trânsito. De resto, esbanja sobriedade. O argelino é um goleiro clássico, de saltos precisos e que dispensa estripulias. Se um tapa discreto resolver, isso será feito, sem enfeites. Assim o fez em chute de fora da área de Lahm, aos nove minutos do primeiro tempo. Primeiro indicativo de uma noite de muito trabalho.
Neuer voa para, fora da área, afastar de cabeça o perigo argelino (Foto: Getty Images)
Não que o alemão Manuel Neuer não estivesse em apuros. Estava, claro. Porque a Argélia não se apequenou diante de uma tetracampeã mundial. Foi ao ataque com desenvoltura, velocidade e qualidade. Características que levaram o goleiro alemão a exercitar um de seus dons preferidos. Saídas da meta em alta velocidade. Trabalhou como líbero boa parte do jogo. Em sua primeira intervenção, foi assim. Praticamente correu lado a lado com Slimani, travando-o num carrinho, fora da área, de dar inveja a muito zagueiro rompedor.
Enquanto isso, M'Bolhi preferia ficar sob as traves. Até porque ali, na morada tradicional de um goleiro clássico, já há muito trabalho. Normalmente, conseguia segurar os petardos que caíam sobre seu colo. Quando isso não foi possível, fez milagre. Aos 40 minutos do primeiro tempo, espalmou foguete de Özil. Götze, sozinho, chegou a pensar num gol fácil. Até a muralha laranja de 1,90m se transformar num armário de seis portas: defesaça.
nMapa de calor e o contraste das posturas: Neuer age quase na meia-lua, e M'Bolhi, na pequena área (Foto: Reprodução)
Goleiro do CSKA Sofia, da Bulgária, M'Bolhi mostrou no segundo tempo que também é bom em bolas altas. Lahm resolveu, aos nove minutos, colocar no ângulo. A rede já estava à espera da bola quando apareceu a luva branca do argelino. Uma defesa que nem mil replays explicam. De cinema. Já a praia do carismático Neuer é mesmo cativar pelo ar performático. Numa saída de bola, ensaiou um drible de letra. Depois, mostrou saber jogar sério.
Aos 26, o alemão se antecipou ao lançamento nas costas da defesa e tirou de cabeça, corajoso. Logo depois, agarrou chute perigoso de fora da área. Lá da meia-lua para frente, local em que, ousado, costuma assistir às investidas de seu ataque, observou de camarote a mais um milagre do colega. Müller cabeceou à queima-roupa, e M'Bolhi defendeu, é claro.
M'Bolhi em um dos vários momentos em que mostrou segurança e sobriedade ao defender (Foto: Reuters)
Também virou rotina Neuer sair bem do gol. Aos 43 minutos, não havia margem de erro. Se faltasse velocidade, Fegholli entraria com bola e tudo. Aos 49, Sandro Meira Ricci encerrava o tempo normal. O último a tocar na bola? M'Bolhi.
Seria melhor para ele que assim terminasse de vez. Um fim perfeito. Mas havia a letra de Schürrle, um calcanhar de puro oportunismo que merecia o caminho das redes, e a insistência de Özil, em gol praticamente quando não havia tempo para mais nada. Ou para a Argélia levar a decisão da vaga para os pênaltis. Neuer também acabou batido, nos acréscimos, por Djabou. A prorrogação contou com três gols, mas não apagou o brilho dos goleiros, que, na tentativa de evitar o melhor do futebol, provaram, cada um a seu modo, que o "quase" também tem valor.
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