Há sete anos Barcelona já era mais do que um clube, mas não exatamente um time. O famoso lema do Barça ("més que un club", no original, em catalão) soava mais como um grito de orgulho ferido pelos anos à sombra do maior rival do que como manifesto de um clube exemplo a ser seguido. Até o Barcelona ser salvo por um brasileiro. Nas palavras de jogadores, dirigentes e torcedores, o melhor time do mundo de hoje em dia não seria o que é não fosse por Ronaldinho Gaúcho. A dúvida é o que teria acontecido se ele continuasse por lá.
- Nós vínhamos numa sequência muito ruim, de muitos anos sem títulos. Ronaldinho foi muito importante para acabar com essa dinâmica negativa e trazer uma filosofia vencedora ao clube - disse o meia Xavi sobre Gaúcho antes do clássico contra o Real Madrid, nesta quarta-feira, pelo jogo de ida das quartas de final da Copa do Rei.
Poucos têm tanta autoridade para falar sobre o Barcelona do que ele, recordista em partidas pelo clube (400) e um dos símbolos do time atual que encanta o mundo. Mas até a chegada de Ronaldinho, atualmente sem saber se continua ou não vestindo a camisa 10 do Flamengo, Xavi havia conquistado apenas um título (o Campeonato Espanhol, em 1999) em seis anos como profissional. No mesmo período, o arquirrival Real Madrid vencera duas Ligas dos Campeões, mais do que o Barça em toda a sua história até então, além de outras quatro taças. Além disso, aplicara um duro golpe nos barcelonistas ao tirar do Camp Nou o português Luís Figo. Ou seja, uma época na qual o Barcelona, diferentemente de hoje em dia, estava "acostumado" a perder para o Real Madrid.
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A virada na história do Barcelona começa graças a outro jogador perdido para o Real Madrid. Joan Laporta, eleito presidente do clube catalão em 2003, sonhava com o inglês David Beckham, que acabou assinando com o rival. Para compensar, tirou Ronaldinho do Paris Saint-Germain, com a ajuda do então vice-presidente esportivo Sandro Rosell, hoje presidente do Barça.
Além de Ronaldinho, Laporta e Rosell foram buscar outros jogadores talentosos e experientes para o elenco comandado por um técnico com currículo pouco expressivo, o holandês Frank Rijkaard. Em 2004, chegaram o camaronês Samuel Eto'o, o sueco Henrik Larsson, o brasileiro Edmílson e o também brasileiro naturalizado português Deco.
- Assim como Ronaldinho, Deco, Eto'o e todos os outros que chegaram contribuíram com sua experiência para essa mudança de mentalidade - lembrou Xavi.
Desde o momento em que chegou ao Barça, ele mudou a história do clube"
Valdés, sobre Ronaldinho
Mas os grandes feitos daquela equipe, como ganhar a Liga dos Campeões em 2006 após 14 anos, estão associados diretamente a Ronaldinho. Ou Ronnie, como é conhecido pelos ex-companheiros e pelos torcedores do Barça.
- Desde o momento em que chegou ao Barça, ele mudou a história do clube. Estávamos há anos sem ganhar nada. Chegou Ronnie e ele ajudou, sendo líder daquela equipe, a conseguir outros títulos do Espanhol, Liga dos Campeões. Para mim, foi um companheiro espetacular, um craque em tudo - afirmou o goleiro Víctor Valdés, em entrevista ao SporTV durante a disputa do Mundial de Clubes, em dezembro, no Japão.
Imagem de baladeiro em segundo plano
Apesar da imagem associada a noitadas e das críticas ao comportamento do gaúcho fora de campo, Ronaldinho também teve papel fundamental nos primeiros anos de Lionel Messi como profissional. Ao lado de outros brasileiros do elenco, como Deco, o lateral-esquerdo Sylvinho e o volante Thiago Motta, o craque sempre deu atenção especial ao argentino, blindado para escapar de críticas nos momentos ruins da equipe.
Ao contrário de hoje, o Barcelona do início do século passava longe de um exemplo a ser seguido no trabalho com jovens jogadores. Estava mais para um cemitério de talentos, sobretudo estrangeiros que sucumbiram à pressão e ao estilo de então treinador Louis van Gaal, como os argentinos Juan Román Riquelme e Javier Saviola e o português Simão Sabrosa. Nenhum deles tão talentoso quanto Messi, mas o atual melhor jogador do mundo tampouco precisou lidar com um clube desesperado por títulos como eles.
- Messi hoje é o melhor, mas o Barça soube prepará-lo muito bem. Ele sempre esteve cercado por sua família e Rijkaard o protegeu, com os melhores à volta dele: Ronnie, Deco, Xavi... O time atual é uma evolução lógica de um clube que trabalha com a mesma base há anos, mas nós demos o primeiro passo para que isso acontecesse. A pressão era muito maior do que agora - disse, na Espanha, o francês Ludovic Giuly, que atuou no Barça entre 2004 e 2007.
Messi exalta Ronaldinho e Deco
Lionel Messi nunca escondeu a importância de Ronaldinho, e também Deco, para sua carreira. Quando subiu aos profissionais, o argentino escolheu usar o número 30 como forma de homenagear os brasileiros com a soma dos números das camisas de ambos, o 10 de "Ronnie" e o 20 de Deco.
- Eles foram dois amigos que me deram todo apoio dentro do clube - afirmou Messi, que, em recente entrevista, disse ainda manter contato com Ronaldinho.
- Nos falamos de vez em quando para saber como estão as coisas. É uma grande pessoa, que fez coisas muito importantes para o Barcelona.
É uma grande pessoa, que fez coisas muito importantes para o Barcelona"
Messi, sobre Ronaldinho
A frase talvez mais forte sobre Ronaldinho no Barcelona foi dita por Sandro Rosell ao jornal espanhol “El Mundo Deportivo” em 2007, três anos antes de assumir a presidência do clube e antes de Messi virar o número 1 do futebol mundial.
- Ronaldinho provavelmente foi o jogador mais importante da história do clube, porque ele, sozinho, foi capaz de mudar um ciclo.
Mas isso não bastou para evitar a saída do craque um ano depois. Uma despedida que não foi das mais amigáveis, a exemplo do que já acontecera a outros craques brasileiros no clube, como Romário, Ronaldo e Rivaldo. Durante a última temporada de Ronaldinho, a equipe sofreu com problemas extracampo e Rijkaard já não tinha mais controle sobre o elenco. Era preciso uma mudança radical e ela chegou com um treinador cuja experiência profissional resumia-se a uma temporada à frente do Barcelona B, Josep Guardiola.
Quando o técnico assumiu, em junho de 2008, declarou que Ronaldinho, Deco e Eto'o não faziam mais parte de seus planos. Os dois primeiros foram negociados, enquanto o terceiro acabou ficando no clube por mais uma temporada e conquistando a Liga dos Campeões. Ronaldinho seguiu para o Milan, sem fazer grande alarde ou se queixar publicamente de Pep Guardiola.
Nem tudo são flores
Em agosto de 2010, Ronaldinho reencontrou o Camp Nou pelo Milan num amistoso de pré-temporada. Foi ovacionado e reverenciado por torcedores e ex-companheiros, como o zagueiro Carles Puyol. Mas, por maior que fosse a admiração, havia a sensação de que se o brasileiro não estava ali com a camisa blaugrana era por culpa dele mesmo.
- Ronnie amava o Barça, mas não sei o que se passou em sua cabeça e no clube um ano depois de minha saída - afirmou Giuly.
Xavi parece saber. Nas palavras do meia catalão, há espaço para algumas farpas guardadas em meio aos agradecimentos. Sobretudo quando compara ao Barcelona pré-Guardiola à equipe atual.
- A chave do sucesso do nosso time é a presença dos jogadores da casa, que sempre mostram um grau de comprometimento maior pelo clube - disse Xavi.
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