Está na moda gostar de argentino – ou melhor, de sulamericanos em geral, mas com uma quedinha especial pelos argentinos.
A relativa pujança da economia brasileira frente aos combalidos cofres dos vizinhos, estimulada pelo sucesso recente de caras como Conca e D´Alessandro e turbinada pela flexibilização da regra que permitiu a contratação de 5 jogadores estrangeiros resultou em uma dessas certezas que de tempos em tempos assolam a torcida: a panaceia para todos os males de um clube brasileiro fala castellano e custa relativamente barato.
Houve outras modas, é certo. Um tempão atrás o negócio era investir em formação de base, craque se fazia em casa (e nem era só no Flamengo). Depois teve a era de garimpar jogador no interior de São Paulo, atrás dos novos Rivaldos e Robertos Carlos. Quando a TV aumentou a grana que os clubes recebem, veio a onda de repatriar jogador da Europa – clube brasileiro é igual novo rico, não pode ver dinheiro na conta que quer logo ostentar itens de luxo.
Agora que o dólar deu uma subida e o dinheiro anda mais escasso, ninguém mais está indo fazer suas compras em Paris ou no Leste Europeu, a nova ordem é se abastecer em Buenos Aires, Santiago ou Montevidéu.
O Flamengo não foge à regra, mas eu nem quero falar nada do rapaz que veio de Santa Fé para servir de enganche para o nosso meio de campo – aliás, eu acho enganche uma palavra de péssimo gosto, dá uma ideia um tanto afrescalhada, meio tricolor. Acho camisa 10 ou armador mais condizente com a tradição futebolística que nos é tão cara.
O fato é que tem uma penca de hermanos que já vestiram o Manto e não deixaram tantas saudades assim – Maxi Biancucchi, Peralta, Borghi, Sambueza, Botinelli, El Tigre, Fierro…Um deles, entretanto, está no panteão dos heróis rubro-negros em posição do mais absoluto destaque: Narciso Doval, ou simplesmente Doval.
Vá lá, pode ser que eu esteja exagerando um pouco, mas explico: na primeira vez que eu fui ao Maracanã o Zico ainda era juvenil e o ídolo do time naquela época era Doval. E aquele Flamengo de 1972 pode ter sido bom em revelar treinadores, afinal o lado esquerdo da defesa era formado por Vanderlei Luxemburgo e Jayme de Almeida, mas o pobre Doval tinha que tirar leite de pedra para dar alegria à Nação.
Doval era um personagem mítico, tem um milhão e meio de histórias sobre ele. Em um tempo em que a sociedade estava descobrindo a liberação sexual, o cara era um prato cheio para a mulherada: longos cabelos louros, olhos azuis e bom de papo. Deve ter comido metade de Ipanema nas suas horas vagas, entre uma partida ou outra de futevôlei, esporte que inventou ou ao menos ajudou a inventar. Foi o argentino mais carioca de todos os tempos e isso de forma oficial, porque o cara era tão identificado com o Rio que a Prefeitura fez questão de lhe dar uma comenda de cidadão carioca honorário.
Mas a história mais bacana sobre ele também é a mais trágica: embora bebesse pouquíssimo, cultivasse a forma física e levasse uma vida frugal, morreu de infarto aos 47 anos. A razão? Flamenguista a vida inteira, tinha ido assistir nosso jogo contra o Estudiantes lá em Buenos Aires e vibrou com a vitória por 2 x 0, gols de Zinho e Gaúcho. Se empolgou tanto que foi comemorar em uma boate, quando encontrou com algumas pessoas da delegação. Foi tomado por uma emoção forte, não ficou nem 15 minutos lá dentro e morreu na calçada.
Rapaz, o cara morreu de rubronegrismo agudo! O gringo era fera mesmo, Flamengo até a alma, mesmo que tenham lhe emprestado uma camisa feia determinada época, o que acabou custando a perda da eleição do presidente que cometeu essa heresia.
Cada vez que eu vejo um estrangeiro beijando o Manto eu fico na esperança do espírito do Doval se incorporar no sujeito – quem sabe agora? Aliás, para ser honesto, antes mesmo de endeusar Doval eu deveria estar rendendo homenagens à Valido, outro argentino lendário, um dos primeiros, senão o primeiro herói rubro-negro no quesito raça/talento/honra ao Manto. Mas é aquele negócio, há até quem duvide, mas Valido eu só conheci de figurinha, na década de 40 até meu falecido pai era criança. Então que Deus e Valido me perdoem, fico com Doval mesmo para homenagear a terra do doce de leite e da uva malbec.
Porque essa parada de ficar louvando Messi, Maradona ou Riquelme é frescurinha de quem diz gostar de futebol. Eu não gosto de futebol, gosto do Flamengo e do Brasil. Quero que ardam todos nas profundezas do inferno e retroalimentem seus complexos. Argentino bom é o Doval, que além de jogar uma barbaridade, tatuou o Manto na alma.
Che, boludo, te extranãmos por acá.
Walter Monteiro
Mengão Sempre
Rubro-negro bem vestido, me ajuda a acabar com os perebas no time do Flamengo. Entra logo nosócio torcedor.
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