A vida antigamente era menos complexa. Café, azeite, cerveja, vinho, a gente chegava no supermercado, comprava qualquer um e seguia em frente. Agora não é bem assim. Tudo exige um ritual, um comportamento adequado, uma ciência em particular, um paladar refinado. Se a pessoa não sabe apreciar o valor de um café com creme de macadâmia, não coloca azeite trufado na salada ou não faz cara feia diante de cerveja de boteco, está fadada ao olhar de reprovação dos que formam suas convicções a partir dos conselhos de especialistas em julgar o comportamento alheio.
Dado os meus hábitos rústicos, sou uma vítima em potencial desses fiscais das boas maneiras, porque tomo café de coador, vinho brasileiro (da Serra Gaúcha, tchê) e a cerveja mais gelada. Se bem que para cerveja eu abro uma exceção para as feitas de trigo, mas só porque elas são fruto da mais pura tradição dos cervejeiros flamengos e aí me toca o coração. Até aqui, no entanto, achei que esse patrulhamento ao meu redor ficava restrito ao campo da gastronomia.
Agora não mais! Tenho sido implacavelmente perseguido pela porção mais xiita da Nação Rubro Negra, porque cometi o pecado mortal de, vejam vocês, dizer que estou contando os dias para a Copa do Mundo, estar feliz por ter conseguido comprar ingressos para todos os jogos na minha cidade e, heresia das heresias, me negar a torcer pela Alemanha de uniforme vermelho e preto.
Eu não sei onde é que estava escrito que a pessoa não pode ser Flamengo e brasileiro ao mesmo tempo, como se torcer por Neymar arrebentar com os gringos fosse uma espécie de traição ao Mais Querido. O fato é que esse desprezo pelos antes incensados canarinhos cresceu bastante depois que o professor Scolari fez uma brincadeira de mau gosto com o Brocador.
Eu tô bem à vontade para comentar sobre o Hernane. Ao que me consta, ao menos no universo blogueiro fui o primeiro a falar bem publicamente do simpático artilheiro, já faz mais de ano que destaquei na minha coluna no Magia Rubro-Negra que o Brocador tem a grande vantagem de entregar o combinado. Hernane finaliza bem com ambas as pernas, tem boa impulsão para cabecear e sabe fugir da marcação na hora decisiva, estando sempre bem colocado para dar aquele último toque consagrador, que parece fácil, mas é uma das coisas mais valiosas e raras do futebol. Gosto para caramba do Hernane.
Entretanto, faço um desafio aos queridos leitores. Se o amigo aí virasse o comandante do Flamengo e tivesse todo o dinheiro e poder do mundo para escolher um camisa 9 para nós, ficaria com Hernane mesmo ou tentaria trazer outro, digamos, “mais qualificado”?
Para ajudar na sua escolha, vou dar uma dica: 11 entre 10 torcedores que vão ao Maracanã se desesperam a cada vez que flagram o Brocador além das linhas que demarcam a grande área e gritam a plenos pulmões, “vai pra área, Hernane”. Sim, o moço é bom na hora de empurrar a bola para dentro, mas é bem atrapalhadinho no demais, não consegue puxar um contra-ataque, construir uma jogada, manter a posse de bola.
Exatamente por isso eu aposto que se dinheiro e disponibilidade do mercado não fossem um “trade-off”, o amigo aí não escolheria o Hernane como o dono indiscutível da camisa 9. Bom, eu, você, o Jayme e o Pelaipe, infelizmente, não temos esse poder, então a gente ama o Hernane do jeito que ele é, tolerando suas limitações. Mas o Felipão, convenhamos, foi ungido com o poder supremo de escalar que ele bem entende. Tal como nós dois, ele sabe que tem gente melhor que o Brocador no ofício de centroavante.
Mal comparando, é como nos tempos da outra Copa do Brasil que ganhamos. Era divertidíssimo cantar que o Obina era melhor que o Eto´o, mas se você ainda não sabia, vou revelar o segredo: era brincadeira, o Obina não era melhor que o camaronês. E já que está na moda se dizer neo-germânico, vamos logo mandar a real: o Mario Gomez é bem melhor que o Hernane.
Felipão é uma pessoa que não se dá ao respeito, um sujeito que apesar de veterano, não tem a menor noção da relevância do cargo que ocupa. Não se pode esperar muito de uma pessoa que em troca de um gordo cachê para fazer figuração em um camarote de um carnaval, se acha no direito de ser mal criado com a imprensa e, mais ainda, ser desrespeitoso com um atleta capaz de superar suas próprias limitações e ter um desempenho superior ao de colegas mais qualificados.
O que se pode esperar de um senhor que, à despeito de tudo que conquistou na vida, não tem pudores de humilhar publicamente um jovem que luta para conquistar seu espaço no futebol? Felipão pode ser milionário, pode ser vitorioso, pode ser competente, mas é o típico sujeito que não consegue ser feliz, dominado por um mau-humor que lhe impede de ser alegre. Exatamente por isso é que volta e meia ele ataca direta ou indiretamente o Flamengo ou coisas ligadas a nós, que exalamos felicidade a cada segundo. Deixem ele em paz, que morra triste e amargurado, como convém aos que tem vergonha de sorrir.
Felipão, em suma, não é o Brasil, país de gente feliz, otimista, de bem com a vida, majoritariamente flamenguista. É delicioso torcer para a Seleção. E é uma oportunidade única poder ver bem de pertinho Messi, Ribéry, Rooney, Cristiano Ronaldo, Drogba…
Não tô aqui para julgar ninguém, afinal a inspiração desse texto é exatamente o contrário, celebrar a liberdade de escolhas. Mas não resisto a dar uma dica final: ficar praguejando contra a Seleção e contra quem torce pelo Brasil não faz de você mais flamenguista, só faz de você uma pessoa mais chata. Deixa de ser rabugento e de patrulhar quem pensa diferente. A continuar assim você corre o risco de, na velhice, ficar igual ao Felipão.
Walter Monteiro
Mengão Sempre
Rubro-negro bem vestido, me ajuda a acabar com os perebas no time do Flamengo. Entra logo no sócio torcedor.
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