Passado e presente deram as mãos na figura de dois craques, cada qual com sua genialidade, na tarde deste domingo, no Beira-Rio. Ronaldinho Gaúcho, craque nos tratos à bola, e Leandro Damião, craque da grande área, encantaram em empate por 2 a 2. O camisa 10 do Flamengo concentrou as atenções em seu retorno a Porto Alegre. Fez um gol e criou a jogada de outro. Mas golaço mesmo, no superlativo, aí foi com o centroavante. Damião, que já havia dado um passe mágico no primeiro gol, fez de bicicleta.
Foi um jogão. O Flamengo esteve na frente duas vezes. E o Inter, mesmo com um jogador a menos (Guiñazu foi expulso), foi raçudo para buscar o empate. Os outros gols foram marcados por Índio e Jael.
Com o resultado, o Flamengo foi a 35 pontos, na segunda colocação. O Inter, com 27, é o sétimo, a quatro da zona de classificação para a Libertadores. Na próxima rodada, os cariocas têm clássico com o Vasco, e os gaúchos encaram Gre-Nal no Olímpico. Antes, na quarta-feira, o Colorado decide a Recopa contra o Independiente, e o Flamengo visita o Atlético-PR pela Sul-Americana.
Peter Pan em sua terra encantada
Foi em Porto Alegre, em domingos de sol e frio como o deste 21 de agosto, que Ronaldinho, leve, magrelo, começou a jogar bola. Foi assim, com os dentes de fora, como se estivesse sempre sorrindo, como se fosse o mais feliz dos seres (e vai dizer que não era?), que ele começou a colecionar os lances de uma carreira que parece ressurgir com a vivacidade de um recém-nascido. Pois ele voltou ao Sul, agora pelo Flamengo. E o tempo pareceu não ter passado. Feito Peter Pan, Ronaldinho não envelheceu em sua terra encantada. Em tudo aquilo que de mais bonito aconteceu no primeiro tempo no Beira-Rio, o craque esteve envolvido.
A diferença entre Inter e Flamengo, nos 45 minutos iniciais, foi Ronaldinho. A bem da verdade, o time carioca teve quatro grandes momentos. E o camisa 10 foi protagonista em três deles. Primeiro, aproveitou recuo fraco de Elton e mandou por cima de Muriel, no ferro de sustentação do travessão; depois, deixou Deivid em condições de marcar, mas o goleiro colorado saiu nos pés dele; por fim, bateu a falta que colocou o Flamengo na frente - os colorados reclamaram que não houve falta de Tinga na origem da jogada.
Foi aos 25 minutos. A posição da bola, mais à esquerda da meta de Muriel, representou um perigo duplo: dali, poderia vir ou o veneno de Ronaldinho, ou a precisão de Renato. Veio o veneno. Willians empurrou a barreira, e a bola passou por ela. O goleiro colorado não alcançou. Gol do Flamengo. Gol de um Ronaldinho que saiu correndo, comemorando, que fez dancinha no meio do campo, que brincou como se ainda fosse criança, como se o tempo não tivesse passado - Peter Pan em sua terra encantada.
O Inter tentou fazer frente ao diferencial rubro-negro. Nei foi competente na marcação do camisa 10, mas dentro do limite da possibilidade. No ataque, houve reincidência de bolas alçadas na área. Mas sempre faltou alguma coisa, algum centímetro, algum segundo, para sair o gol. D’Alessandro pediu pênalti e levou cartão amarelo. Guiñazu reclamou por outro e também foi advertido, mas com uma diferença: o volante já tinha um. Acabou expulso.
A torcida colorada entrou em surto. Chamou o juiz de ladrão, em coro, indignada. Na bola, porém, o Inter ficou devendo. Teve uma boa falta, batida por D’Alessandro, também camisa 10, também bom de bola, mas que não é Ronaldinho. A cobrança dele foi defendida por Felipe. Deivid, em outra falha de Elton, mandou pancada perigosa, rente à trave de Muriel. Quase ampliou.
Índio, o infinito, e Jael, o cruel
Dorival Júnior teve aquilo que os colorados mais queriam ver em um treinador: ousadia. Na volta do intervalo, mesmo com um jogador a menos, ele tirou um meia mais defensivo, Tinga, para colocar Andrezinho e sacou um atacante pouco operante, Jô, para escalar outro mais veloz, Dellatorre. Preferiu o risco de um placar mais gordo do que a certeza de uma derrota simples.
Não por acaso, o Inter logo empatou. E o autor do gol não poderia ser mais representativo. Índio, 36 anos, o zagueiro infinito, um dos responsáveis por anular justamente Ronaldinho no Mundial de 2006, completou jogada iniciada por D’Alessandro, pela esquerda, e que passou por toque de calcanhar de Leandro Damião. Desta vez, foram os rubro-negros que resmungaram. Eles alegaram que não foi escanteio no nascimento da jogada.
O Beira-Rio respirou esperança. Será que Ronaldinho viraria freguês do Inter, como aconteceu em Yokohama, naquele lendário jogo contra o Barcelona? Ou será que ele voltaria a ser decisivo, como aconteceu repetidas vezes em seus Gre-Nais de início de carreira? Item dois. O craque participou, de novo, do gol que recolocou o Flamengo na frente.
O camisa 10, pelo lado esquerdo, seu habitat natural dentro de campo, acionou Junior Cesar com uma precisão de jogador de sinuca, no ponto ideal para o cruzamento. A bola foi até a área, e Jael, o cruel, completou, quase em câmera lenta, enquanto Muriel espichava músculos e articulações - em vão.
A bicicleta do matador
O jogo dava toda a pinta de se encaminhar para uma vitória do Flamengo, desde que do outro lado não estivesse um centroavante que beira o inacreditável, que faz gol de tudo que é jeito, que arrebenta as projeções matemáticas dos teóricos do ataque. Leandro Damião faz gol de cabeça, de perna esquerda, de perna direita, de orelha, de supercílio, da maneira que for. E faz de bicicleta. Golaço, golaço, golaço: mil vezes golaço!
Eram 33 minutos. Andrezinho, pela direita, mandou o cruzamento. Delatorre desviou, já dentro da área. E aí a bola, sempre interessada em goleador, direcionou-se para Damião. Ele encaixou o corpo, voou no ar e emendou a bicicleta. Baita gol. Enorme de um gol. Mil vezes golaço. Foi o 32º gol de Leandro Damião em oito meses na temporada. É o maior artilheiro do país. Incrível.
Pouco antes de Damião marcar seu gol, Deivid perdeu a chance de matar o jogo para o Flamengo. Ronaldinho passou reto por Índio e deixou o atacante a um centímetro do gol. De cabeça, ele concluiu para fora. Do mesmo jeito que D’Alessandro não é Ronaldinho, Deivid não é Damião.
Pintaram novas chances, de lado a lado. Mas não saiu mais um gol. Nem precisava. O Beira-Rio já tinha visto o suficiente, em tarde de união entre passado e presente na figura de dois craques, cada um do seu jeito.
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