O cachecol passou a menos de dois centímetros da cabeça da reportagem do GLOBOESPORTE.COM. Poderia ser uma toalha. Como a que José Mourinho jogou depois do 2 a 0 para o Barcelona no Santiago Bernabéu. Enquanto um decepcionado torcedor do time merengue tentava descontar a raiva atirando no gramado a primeira coisa que viu pela frente, Lionel Messi comemorava olhando para o terceiro andar do estádio. Lá, 3.500 fãs da equipe de Pep Guardiola vibravam com a vitória no jogo de ida da semifinal da Liga dos Campeões na última quarta-feira. Uma partida que começou tensa dentro e fora de campo, mas que acabou como deveria acabar: resolvida por um gênio da bola.
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Messi marcou duas vezes na baliza à direita dos bancos de reservas. Por aquelas sortes do destino, bem na frente da posição determinada pela Uefa para o GLOBOESPORTE.COM acompanhar a partida, pertinho da linha de fundo. Atrás daquele gol também estava a torcida do Barça, lá no alto, separada do restante do estádio por uma rede de proteção, quase uma gaiola – em nenhum outro lugar do Bernabéu havia barreiras separando os fãs do campo, somente seguranças, obrigado a ficarem de costas para a partida.
BLOG BRASIL MUNDIAL F.C.: o relato do blogueiro sobre o show de Messi
Responsáveis por esquentar o clima do clássico com declarações polêmicas na véspera, Mourinho e Guardiola eram os protagonistas dos gritos. O volume dos madridistas, maioria absoluta entre os 71.576 pagantes, chegou ao máximo quando as fotos dos técnicos apareceram no telão. Para o da casa, aplausos. Para o rival, vaias. O jogador mais odiado pela torcida anfitriã, sem dúvida, é o zagueiro Piqué. A cada toque na bola, xingamentos e mais xingamentos. Nem Shakira escapava.
Antes do apito inicial do alemão Wolfgang Stark, a Uefa segue um planejamento contado no relógio. Às 20h10m (15h10m, de Brasília), o Barça entrou em campo para aquecer. Três minutos depois foi a vez do Real. Às 20h28m (15h28m, de Brasília), o time catalão parou os exercícios e fez uma corrente no gramado antes de voltar ao vestiário. Depois de um minuto, os merengues também saíram.
As escalações começaram a aparecer no telão às 20h35m (15h35m, de Brasília), quando o estádio já estava lotado. Em seguida, a torcida do Real abriu uma faixa gigante na arquibancada com a mensagem “Vivemos por você, vença por nós”. Às 20h40m (15h40m, de Brasília), o sistema de som do Bernabéu tocou um hino da equipe da casa e logo em seguida os times entraram no gramado, já com a tradicional musiquinha da Champions. Na arquibancada, a maioria branca gritava “Campeones, ole ole”. A bola rolou às 20h45m (15h45m, de Brasília) em ponto, com Mourinho e Guardiola de pé.
Música no ritmo de samba do Salgueiro
De repente, uma pequena confusão entre torcedores bem atrás do gol à direita. Uma jovem com camisa do Barcelona chorava no meio de dezenas de fãs do Real. Alguns, irritados, ofendiam a moça. Outros, menos brigões, tentavam ajudá-la. O problema era o ingresso, comprado para o setor errado. Ao redor, uma mensagem em cachecóis e camisas mostravam que ela não era bem-vinda naquele espaço: “Anticulé” (“culé” é o apelido dos torcedores do Barça). Ela teve que mudar de lugar. Mais sorte teve outra mulher, também com a camisa do clube catalão, a poucos metros dali. Acompanhada do namorado musculoso, ninguém mexeu com ela.
No campo, o clima era de tensão. Toda dividida terminava com um empurrão, um pedido de falta, uma reclamação de algum treinador e um grito de protesto das arquibancadas. Vale um parênteses aqui: mesmo em minoria, a torcida do Barcelona cantava mais que a do Real. Os principais gritos dos merengues eram com ofensas ao rival, enquanto os visitantes exibiam um vasto repertório de cantos para exaltar sua equipe (incluindo uma versão em catalão para o refrão do samba-enredo do Salgueiro em 1971, “Festa para um rei negro”: “Ole le / Ola la / Ser del Barça es / el millor que hi ha”).
O primeiro tempo terminou com 71% da posse de bola para o Barça. Isso explica um detalhe curioso: como o time de Guardiola atacou para o outro lado, na maior parte dos 45 minutos acompanhamos os jogadores de costas, vendo a numeração completa das duas equipes. Poucas vezes Cristiano Ronaldo ficou de frente para a câmera do GLOBOESPORTE.COM, mesmo ela localizada na ponta direita, onde o camisa 7 costuma aparecer mais.
Confusão e expulsões
Os jogadores ameaçaram brigar várias vezes durante a etapa inicial, mas esperaram o intervalo para realmente caírem no tapa. A tensão era tão grande que praticamente nenhum profissional de imprensa desligou as câmeras quando os atletas se dirigiam para o vestiário. Não deu outra: Pinto, goleiro reserva do Barça, e Arbeloa trocaram agressões e o bicho pegou – o arqueiro acabou expulso. Ainda faltava o segundo tempo...
E ele começou um pouquinho diferente: Guardiola de pé, Mourinho sentado. Teria o português imaginado que passaria assim a maior parte da etapa final? Uma coisa continuou igual no lado de fora do gramado: Kaká, que começara a aquecer aos 35 minutos de jogo, continuava se exercitando com agasalho à espera de um chamado do técnico do Real. O brasileiro torceu muito, incentivou os companheiros, mas ficou na vontade.
Mais faltas, discussões e reclamações deram a deixa. Alguém ia ser expulso. Mascherano jogou Pepe no chão aos 11 e levou amarelo. Marcelo e Pedro trocaram empurrões, xingamentos e chegaram a encostar cabeça com cabeça, mas só levaram bronca de Stark. O escolhido foi Pepe: aos 16, o luso-brasileiro entrou feio de sola em Daniel Alves e recebeu o vermelho direto. Lá de longe, deu para ver o deboche de Mourinho: olhou para o árbitro, fez sinal de positivo e bateu palmas. Expulso também, o técnico sentou em um banquinho no primeiro degrau da arquibancada. Era o início do show de Messi.
Depois da expulsão de Pepe, a torcida do Real queria porque queria ver alguém do Barça também sair mais cedo. Até cobrança de lateral era vaiada. No terceiro andar, os culés cresceram. Uma versão de “Guantanamera” provocava Mourinho e empurrava o time para frente: “Mourinho vá ao teatro, Mourinho vá ao teatro”, dizia a paródia.
Delírio e fúria com o show de Messi
O Bernabéu não era um teatro, mas teve sua obra-prima. Primeiro, Messi recebeu cruzamento de Affelay e fez 1 a 0. Correu apontando para o holandês, na frente do GLOBOESPORTE.COM. Sorte grande... Começaram a voar garrafinhas na direção dos jogadores do Barça, que comemoravam olhando para a sua torcida. Preocupado em evitar mais polêmicas, o capitão Puyol tentava levar os companheiros para longe dos fãs do Real. Depois, ainda ajudou a retirar os objetos jogados no gramado
Segundo gol, uma pintura. Messi arrancou, driblou, marcou de novo e correu mais uma vez para a ponta direita do campo. Foi aí que o cachecol voou, mas nem chegou perto do craque. Um segurança ainda o devolveu ao dono. Nos andares de baixo, a torcida branca começava a ir embora, aos 41 do segundo tempo. No alto, delírio. O argentino esticava os braços na direção de seus fãs, como se tentasse tocá-los. Nem precisava. Com o silêncio dos merengues, os culés gritavam “Meeeesseeee. Com a festa completa, foi a vez de outro ídolo ser exaltado: “Guardiooooola”.
O restante do Bernabéu não aplaudiu Messi, como um dia já fez com Johan Cruyff, Diego Maradona e Ronaldinho Gaúcho. Pelo contrário: o argentino deixou o gramado protegido por escudos da polícia. Mas, daqui a alguns anos, quando ninguém mais lembrar de guerra de palavras entre treinadores, poderá haver arrependimento. O dia que um gênio escreveu mais um capítulo de sua – ainda breve - história jamais será esquecido.
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