14 de fev. de 2014

O Assunto Mais Chato do Mundo

Tinha prometido para o Arthur, para a minha mulher e para São Judas Tadeu que eu não voltaria a tocar no assunto dos ingressos, mas o frenesi causado pela bilheteria do último Fla x Flu me deixou sem alternativas. Lá vou eu de novo tocar no assunto mais chato do mundo, o preço dos ingressos que o Flamengo anda cobrando.
Se eu quisesse angariar simpatias e tapinhas nas costas poderia aproveitar esse nobre espaço para dizer que os preços estão muito salgados, que os pobres não podem mais ir ao Maracanã, que a diretoria do Flamengo só gosta de gente endinheirada e por aí vai. Tem gente que acredita mesmo que se fosse cobrado a metade o Maracanã teria transbordado de gente para ver um Fla-Flu sábado de noite, ao invés das 18 mil pessoas que foram lá. E que não daria o braço a torcer nem quando confrontada que São Paulo x Palmeiras jogaram para 23 mil pessoas no Pacaembu na tarde de domingo, mesmo cobrando R$ 30,00 o ingresso mais barato…
Lá pelo anos 90 ou no começo da década passada se chegou a acreditar que a receita de bilheteria poderia ser algo marginal na receita dos clubes, mas a realidade caminhou no sentido contrário. A cada ano que passa, ter uma boa arrecadação de bilheteria é algo crucial para as finanças dos clubes.
Os clubes europeus, uma eterna referência de gestão, tem mais ou menos ¼ de suas receitas vindas daí – o Arsenal, líder do quesito, tira 42% do seu sustento dos ingressos. 30% do faturamento do Real Madrid, o clube mais rico do mundo se explica pelos quase 130 milhões de euros das catracas do Santiago Bernabeu.
Os estádios são locais de espaços limitados – uma obviedade primária, mas que é bom repetir, já que nem todos parecem se dar conta disso. Logo, a única forma de acelerar o crescimento das receitas de bilheteria é cobrando preços mais salgados. É chato, eu sei, mas é o que temos para hoje.
Vem daí a primeira escolha a se fazer: um time que abrir mão de cobrar pelo ingresso um valor que garanta uma fatia gorda no seu faturamento anual está se auto condenando a ter menos dinheiro que os seus rivais, o que fatalmente impactará no seu desempenho esportivo mais adiante.
Todo o frenesi causado nos dias que antecederam a final da Copa do Brasil serviu para confirmar uma certeza: o ambiente de negócios do futebol brasileiro é altamente regulado e propício à intervenções estatais de todo o tipo. Essa é uma realidade que não tende a mudar nos próximos anos (a rigor, nem na Copa do Mundo mudou), portanto cabe aos clubes ter uma postura mais assertiva para atuar dentro dessa realidade.
A maior mentira que se repetiu tantas vezes naqueles dias tumultuados é a de que o futebol se ressente de uma política de ingressos populares.
Fiquei surpreso como ninguém se deu conta – e nem o Flamengo foi capaz de transmitir essa mensagem adequadamente – que temos uma política bastante rígida nesse sentido, qual seja, a concessão de gratuidades para maiores de 65 anos e menores de 12 anos, bem como o pagamento de meia-entrada para estudantes de qualquer idade.
Em muitos outros eventos culturais e esportivos idosos e menores pagam ingressos normalmente – inclusive em espetáculos subsidiados por impostos através de programas de incentivos fiscais. Só no Maracanã é que se pratica a velha máxima do Coração de Mãe.
Infelizmente, no Rio de Janeiro optou-se por uma generosa concessão de gratuidades para quem poderia pagar por ela, já que as cotas criadas levaram em conta apenas o critério etário.
E ao contrário da percepção do senso comum, segundo a qual os idosos formariam a parcela da população em tese mais sujeita à incentivos, os dados do Censo 2010 provam exatamente o inverso: a faixa de renda mais alta do país está entre as pessoas de 60 a 69 anos, que recebiam em média R$ 1.916,00. Não há sentido econômico de privilegiar justamente esse grupo como o beneficiário dos ingressos populares.
Em qualquer política de benefícios, é o corte da renda (e não o de grupos etários) que se revela mais justo. No caso, a pergunta de 1 milhão de dólares é a fórmula para que os ingressos subsidiados sejam efetivamente utilizados por quem deles precisa, ao invés de alimentarem o mercado paralelo e seus agentes, popularmente conhecidos como cambistas.
Portanto, o que segue desalinhado são as políticas públicas de subsídio, que miram o público errado. Para trazer de volta ao Maracanã os verdadeiramente pobres é preciso rever essa perversa lei da gratuidade e substituí-la por algo que assegure os descontos apenas para quem realmente precisa deles, aliado a mecanismos que impeçam o comércio paralelo dessas entradas, como, por exemplo, identificação biométrica dos beneficiários, que seriam, quem sabe, os cadastrados em programas sociais oficiais.
Desculpem falar disso em uma semana já tão aborrecida pelas derrotas consecutivas. O problema é que democracia é chato e dá trabalho, mas é um exercício permanente de diálogo, concessões e conquistas que a gente precisa aprender a conviver e aprimorar. Para sair gritando e acusando, já temos o Twitter e a movimentada área de comentários aqui do Urublog. Na vida real, convém agir de forma mais construtiva.
Walter Monteiro
Mengão Sempre
Rubro-negro bem vestido, me ajuda a acabar com os perebas no time do Flamengo. Entra logo nosócio torcedor.

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