19 de dez. de 2013

Samba, capoeira e churrasco: parece um canto do Brasil, mas é Marrakesh

A cena tem algo de delírio. Você está no Marrocos, um país muçulmano, e de repente um telão mostra uma bandeira do Brasil. A luz diminui. De pandeiro na mão, dois homens começam a batucar. A batucada vira uma percussão forte, uma batida pegada. E surgem, com roupas mínimas, brasileiras sambando como se estivessem na Sapucaí – para um misto de júbilo e espanto dos marroquinos que, faceiros da vida, assistem à apresentação. Em Marrakesh, sede da final do Mundial de Clubes, no sábado, existe um pedaço inusitado do Brasil.

Detalhe: tudo isso acontece enquanto espetos de picanha passam de um lado para o outro. A questão é que existe uma franquia de uma famosa churrascaria brasileira no norte da África. O local chamou a atenção de um público curioso por conhecer detalhes de um país que é adorado por ali – em grande parte, por causa do futebol. Com o tempo, a carne deixou de ser suficiente. Aí entraram a música, a dança e a capoeira.
Mosaico Dancarinas brasileiras em marrakesh (Foto: Divulgação)Apresentações de música e dança brasileiras são contraste com tradição muçulmana do Marrocos (Foto: Divulgação)


Existem 12 brasileiros trabalhando lá. Há músicos, capoeiristas e dançarinos. As apresentações são diárias. O palco também funciona como mesa. Mulheres lindas, devidamente brasileiras, dançam na altura dos olhos dos clientes. É um espetáculo que vem alimentando a imaginação de marroquinos e turistas. A presença de brasileiros, rara por ali, aumentou nos últimos dias, já como consequência do Mundial - e agora volta a diminuir com a queda do Atlético nas semifinais do torneio.

Um pouco brasileira, um pouco marroquina
Churrascaria Brasileira no Marrocos (Foto: Alexandre Alliatti)Carne servida no espeto em Marrakesh, como no Brasil (Foto: Alexandre Alliatti)
É no esquema de rodízio, feito no Brasil. A carne vem direto na mesa. Mas não necessariamente no espeto. Às vezes, é numa travessa mesmo. Detalhe importante: o cliente pode escolher se quer a sequência de carnes ou de peixes. No Rio Grande do Sul, soaria como ofensa grave, mas no Marrocos surgem nacos de salmão e atum espetados, como se fossem uma bela costela.

Afinal, é preciso adaptar uma realidade à outra. Os marroquinos gostam de frutos do mar. A carne não é tão saborosa quanto no Brasil, mas quebra um galho para estômagos saudosos da comida brasileira. E outra: quando os shows começam, o paladar pouco importa. 
Dançarinas brasileiras em Marrakesh (Foto: Divulgação)Brasileiros no palco no Marrocos (Foto: Divulgação)
A apresentação inicia com música latina, como que para preparar o clima. Quando termina essa primeira parte, o sistema de som já começa a tocar samba e bossa nova. E aí surgem os brasileiros.

Começa com dois ritmistas, de pandeiros na mão. Em seguida, surgem capoeiristas. Depois, aparecem as dançarinas, sambando, e um dançarino, Pedro Marcos Lessa, vestido como destaque. A cara de encanto dos marroquinos e turistas é evidente. 

O curioso é que a apresentação, a exemplo da comida, mistura elementos da cultura brasileira com a marroquina. Há um momento em que uma mulher faz a dança do ventre, enquanto as sambistas ficam olhando para ela de forma teatral, como se fosse uma competição entre os dois estilos.

Longe de casa
churrascaria brasileira em Marrakesh (Foto: Alexandre Alliatti)Brasileiros de pandeiro na mão em Marrakesh (Foto: Alexandre Alliatti)
Os shows são comandados por brasileiros que compartilham muita coisa, especialmente a distância e a saudade de casa. São dançarinos profissionais, que dominam vários estilos e até dão aulas. E que moram há anos fora do Brasil.

Pedro Marcos Lessa deixou o país há 15 anos. É baiano, assim como a coreógrafa do grupo, Micheline Raquel Santos, longe de casa há 13 anos, um a mais do que outra dançarina, a paulista Adriana Moreira. Eles se fixaram em Portugal e de lá rumaram para o Marrocos.

A aventura começou há dois anos, quando Micheline foi chamada para fazer uma série de apresentações em Casablanca e Marrakesh. O show fez sucesso (ela também canta). Ela recebeu proposta para ficar, e aí convidou outros brasileiros, incluindo Adriana e Marcos.

Para eles, vale a pena. Com a Europa em crise e o Brasil pouco valorizando a dança, é uma forma de ter uma vida mais confortável, mesmo que mais reclusa. Os poucos brasileiros que moram em Marrakesh não chegaram a formar uma comunidade. E eles mantêm certo distanciamento dos marroquinos, até pela diferença cultural – embora seja um povo alegre e receptivo.

O choque que as apresentações podem causar em um povo muçulmano não renderam grandes problemas aos brasileiros. As dançarinas percebem algumas expressões de espanto, especialmente de mulheres, mas nada que seja agressivo.

- É tranquilo, até porque o pessoal que vem aqui já espera por essa apresentação, já sabe o que vai acontecer. Pela cara das pessoas, eu vejo que, quando o Marcos entra vestido como destaque, rola uma surpresa, mas não passa disso – comentou Micheline.
brasileiros marrakesh (Foto: Alexandre Alliatti)Micheline, Marcos e Adriana: dança brasileira em terras muçulmanas (Foto: Alexandre Alliatti)


Em breve, a turma deve se dispersar. Adriana visitará o Brasil depois de sete anos e decidirá se seguirá viajando ou se voltará para casa. Micheline pensa em retornar a Portugal. Marcos está satisfeito no Marrocos, dá 25 aulas de dança por semana, mas também cogita regressar a terras lusitanas

Nenhum comentário: