13 de dez. de 2013

Perfil: Sestário acumula teia extensa de clubes e contradição com a CBF

Osvaldo Sestário advogado caso Portuguesa (Foto: Thiago Lima )Sestário também sorri: advogado diz ter pouco tempo livre em rotina de julgamentos (Foto: Thiago de Lima )
Pegue 43 clubes brasileiros mais três federações, junte de 25 a 30 audiências semanais e adicione cerca de 20 horas por dia de trabalho. A quantidade pode variar um pouco de ingrediente para ingrediente, mas o sabor não muda para Osvaldo Sestário, "workaholic" assumido (gíria em inglês que significa alguém viciado em trabalho). 
- É uma cachaça. Já teve vezes no STJD em que a pauta toda era minha - afirma o advogado.
A repercussão envolvendo seu nome nesta semana, por ter sido o representante da Portuguesa no caso Héverton - que pode mudar o rebaixamento da Série A do Campeonato Brasileiro -, não abala a rotina do jurista. Convicto de que não deixou de informar a Lusa da suspensão de dois jogos do atleta, ele usa como argumento os 16 anos de carreira no futebol. 
- Eu falo muito para aqueles que me criticam, para outros advogados aí que falam que eu domino, que tenho reserva de mercado e essa coisa toda: se eu não fosse bom naquilo que faço, não estava há tantos anos fazendo. Eu penso dessa maneira. Eu advogo por exemplo os três grandes de Recife (Sport, Náutico e Santa Cruz), e há muitos anos já. Isso não é à toa, isso se conquista. Até porque beleza aqui não está, não é? (risos). Acho que é com competência e trabalho. Para se ter uma ideia, fui advogado de clube, procurador na Liga de Futebol de Londrina, ou seja, fazia o papel que o Paulo Schmitt faz hoje de acusar, fui auditor do TJD aqui do Rio, fui dirigente. Então, a minha experiência está voltada para todos os lados: tenho visão do dirigente, do clube. Essa escola ajudou muito - defendeu-se.
O escritório de Sestário tem oito integrantes, incluindo um sócio e a esposa Renata Elisa, com quem é casado há nove anos. Ele tem duas filhas do primeiro casamento, que moram com a mãe em Londrina. O advogado não se estende ao falar da vida pessoal. E não se exalta nas respostas, apesar do confronto com a Portuguesa, que o acusa de não comunicar a punição de Héverton e dispensou seus serviços. 
- Sou muito sereno, procuro ser muito técnico. Eu até admiro alguns colegas que têm essa veia mais teatral às vezes, mas não é o meu caso. Já teve julgamentos de eu me exaltar, por exemplo, de a procuradoria fazer denúncia duas vezes de um mesmo atleta meu. Então você acaba ficando revoltado com a situação. Mas sou sereno, tranquilo, quem me conhece sabe que sou da paz, digamos assim. Acho que é até uma virtude nesse caso.
A TEIA DE SESTÁRIO: COMO CONSEGUIU TANTOS CLIENTES
A declaração sobre Sestário é de Paulo Schmitt, procurador geral do STJD:
- Dizem que ele defende 200 clubes, mas não sei se é verdade. 
Tabela cliente Sestário (Foto: Globoesporte.com)Lista de clientes tem 43 clubes brasileiros
Não é verdade. Mas é uma lista vasta: no momento, segundo sua assessoria, seus clientes são três federações de futebol (Cearense, Paranaense e Mineira) e 43 clubes. De todas as divisões. E até mesmo times que não têm série - que sequer participaram da Série D em 2013. Esporadicamente, o advogado também atende outros clubes, como o Vasco, por mais de dois anos. Por tudo isso, ele é conhecido por todos no STJD e, em média, está presente em 30 julgamentos por semana. A extensa relação de fregueses começou a ser formada quando ainda estava na presidência do Londrina e ajudou na criação da Futebol Brasil Associados (FBA), em 2002. O órgão defendia os interesses das equipes da Série B.
Após o fim de seu mandato no Londrina, no fim de 2003, Sestário foi incentivado por Peter Silva, amigo e também ex-presidente do clube paranaense e ex-mandatário da FBA, a se mudar para o Rio de Janeiro. Na cidade, tornou-se advogado da FBA. Era o início da relação intensa com muitos clubes do Brasil, que fez com que observasse uma carência no mercado jurídico da época.
- Eu acabei criando esse vínculo com os clubes e comecei a fazer um trabalho específico de STJD. Na época era muito difícil para os clubes, e eu senti isso na pele no Londrina para contratar um advogado no Rio. Não havia advogados especializados. E era caro, tinha muitas coisas que dificultavam esse trabalho. Passei a atender estes clubes até pela facilidade do nosso relacionamento, acabei me especializando só nisso e hoje trabalho só com STJD - explicou.
A primeira vez em que atuou no STJD foi em 2002, quando ainda presidia o Londrina e defendeu o clube em um caso de doping do ex-atacante João Fumaça. Mal sabia que tal experiência seria sua rotina diária anos mais tarde. Após a extinção da FBA, em 2009, Sestário não diminuiu seu trabalho. Pelo contrário. Manteve os clientes e intensificou sua relação com eles. A demanda foi instantânea.
- A profissão de advogado é de relações públicas. Se ninguém me conhecer, ou eu não conhecer ninguém, eu posso ser um gênio, mas ninguém vai me procurar - opinou o ex-presidente do STJD Rubens Approbato.
Mosaico Osvaldo Sestário advogado caso Portuguesa (Foto: Thiago Lima )Sestário em sua casa, com várias referências ao Londrina, clube em que foi presidente (Foto: Thiago Lima )

RELAÇÃO COM CBF É NEGADA EM MEIO A INDÍCIOS DE APOIO
Sestário nega ter "qualquer vínculo com a CBF". Mas no percurso para se tornar destaque da área jurídica e uma espécie de defensor público do futebol brasileiro há indícios de que a entidade teve uma relação de apoio à carreira do advogado. Em entrevista ao site da ESPN em 26 de dezembro de 2012, o advogado declarou que a confederação bancava o serviço a clubes das Séries A e B com menos recursos e que o pagamento era descontado da cota financeira que os clubes recebiam pela participação nos campeonatos. Ainda de acordo com o mesmo depoimento, Reinaldo Carneiro Bastos, vice-presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF) e diretor de desenvolvimento e projetos da CBF, coordenava o serviço terceirizado através de uma agência. A assessoria da federação desmentiu a informação alegando que Reinaldo conhece Sestário, mas que "não participa ou participou de qualquer tipo de coordenação ou indicação de profissionais na área jurídica esportiva".
Alguns clubes de sua lista de clientes, ouvidos pelo GloboEsporte.com, levantaram outros sinais de ligação da CBF. Segundo o diretor jurídico do Atlético-GO, Marcos Egídio, foi a entidade que apresentou os serviços do advogado.
- Até 2012 eu era o advogado do Atlético-GO nos julgamentos no Rio. Mas, em 2013, a CBF nos ofereceu os serviços do Sestário e, por questão de economia, optamos por ele. Ele sempre disse: "A CBF vai me pagar, e estou à disposição. Caso o Atlético-GO queira mandar alguém, pode mandar". Como ele sempre está à disposição, preferimos ficar com ele.
O diretor jurídico Sandro Barreto disse que no caso do Avaí não houve indicação da CBF. Mas reforçou a informação de que o pagamento feito pelos clubes da Série B é descontado nas cotas do campeonato.
- Já faz muitos anos, desde a FBA, que ele presta serviços para a gente e sempre foi ótimo. Ele trata diretamente com os clubes, nós tínhamos contrato diretamente com ele. Na Primeira Divisão, quem arca são os clubes. Na Série B tem uma ligação, não é a CBF quem indica. Nós usamos os serviços dele, e os honorários são descontados no valor das cotas que o clube recebe da Série - afirmou.
O diretor de competições da CBF, Virgílio Elísio, disse que conhece Sestário há anos, elogiou o trabalho do advogado, mas desmentiu qualquer relação da entidade com o jurista.
- Ele não presta nenhum serviço à CBF. Sou responsável pelo departamento de competições e, no que diz respeito à minha área, nunca ouvi nada a respeito disso. Ao que me consta, ele é um profissional sério, honrado. No tempo que tenho contato com ele, não tenho testemunhos que questionem a índole dele.
CURRÍCULO EXTENSO: OS CASOS POLÊMICOS

Em 2007, o Rio Branco-PR se classificou diante do Avaí na primeira fase da Copa do Brasil ao empatar o primeiro jogo por 1 a 1 e vencer o segundo confronto por 1 a 0. Os paranaenses chegaram a enfrentar o Villa Nova-MG pela fase seguinte e venceram por 3 a 0 no jogo de ida. Mas, devido à escalação irregular do jogador Paulo Massaro, o Rio Branco-PR foi eliminado, e os catarinenses avançaram na competição. Em 2013, houve outro caso semelhante. O Paysandu retornou à Copa do Brasil, após ser eliminado pelo Naviraiense na segunda fase, porque o adversário havia escalado jogadores irregulares - Paulo Sérgio e Bahia.
Em 2011, o Fortaleza jogava contra o CRB pela última rodada da primeira fase da Série C e precisava vencer por quatro gols de diferença para escapar da degola. Venceu. No entanto, após o jogo, imagens da TV mostraram o atacante Carlinhos Bala, do Tricolor cearense, dizendo para que os alagoanos aliviassem. O Campinense, que lutava com o Fortaleza contra o descenso, brigou na Justiça contra os dois. CRB e Fortaleza foram absolvidos no caso.
No mesmo ano, a Anapolina disputava com o Itumbiara a classificação para a segunda fase da Série D. O Itumbiara perdeu para o Tupi-MG, resultado que o eliminaria da competição caso a Anapolina vencesse os Tocantinópolis por quatro gols de diferença. Quando a partida apontava 4 a 1 para a Anapolina, a partida foi interrompida, já que os tocantinenses só tinham seis atletas em campo - foram três expulsões e duas lesões. O jogo foi anulado pelo STJD, remarcado pela CBF, e a Rubra goiana venceu por 6 a 1 e avançou na competição.
Todos estes casos têm uma semelhança: os clubes vitoriosos nos julgamentos tinham Osvaldo Sestário como advogado. Mas ele os trata como todos os outros quase 300 julgamentos que tem por ano. Quem o acompanha e o conhece há muito tempo não fala em segredos para as vitórias. 
- Talvez eu não vá lembrar detalhes. São muitos julgamentos importantes, e eu tenho isso com muito carinho, porque a gente conseguiu obter muitos resultados favoráveis. E eu tenho todo ano um controle dos processos que faço, e só neste ano (2013), até novembro, foram mais de 230 processos, com mais de 300 denunciados. Para mim não existe processo pequeno ou grande, então eu me dedico muito, todos são importantes, trato todos iguais.
Faixa protesto Náutico (Foto: Otávio de Souza - Ag. Estado)Faixa do protesto do Náutico foi um dos casos vencidos: Sestário orienta torcidas (Foto: Otávio de Souza - Ag. Estado)
O fato de ser conhecido nas pautas do STJD lhe rendeu trabalhos extras. Aulas e cursos preparatórios para o direito esportivo estão na rotina do profissional, além de dar palestras e consultorias a clubes, dirigentes, atletas e chefes de torcidas organizadas. 
- Procuro orientar o máximo possível para prevenir e para, quando acontecer, você ter provas suficientes para poder defender os clubes. A gente separa os momentos dos jogadores, depois comissão técnica e diretoria, e por fim chefes de torcida, para que eles ajudem o clube deles. No ano passado fiz isso no Sport e no Náutico, e tivemos uma resposta muito positiva. O único problema que tive foi aquela faixa do Náutico, "Ninguém vai nos derrubar no apito". A gente conseguiu até absolver o Náutico também.
A REPUTAÇÃO DE SESTÁRIO

Auditores, advogados, dirigentes e um ex-presidente do STJD foram ouvidos pelo GloboEsporte.com para dar depoimentos sobre Sestário. A avaliação geral é positiva, e a lista extensa de clientes, sempre usada como argumento para reforçar a ideia. Dirigentes e diretores jurídicos dos clubes que trabalham com o advogado foram unânimes: ele dificilmente erraria ao informar o resultado de um julgamento para seu cliente. 
O diretor de futebol do CRB, Ednílton Lins, estranhou o fato de o advogado ter usado apenas o telefone para comunicar à diretoria da Lusa sobre a suspensão de Héverton.
- O Sestário é um cara com quem temos um relacionamento correto. Ele foi indicação de um amigo que foi auditor do STJD e tem cumprido à risca tudo que tem acertado conosco. A verdade não é essa que estão colocando, que foi negligência dele. Foi negligência do supervisor ou diretor da equipe. Nenhum jogador entra ou deixa de entrar em um jogo sem minha supervisão. Essa história está muito mal contada. O Sestário nunca fez isso. Ele dá orientação técnica para gente, sempre avisa os resultados. É prática dele.
Sestário sai de cena no caso Héverton, que será julgado na próxima segunda-feira e pode rebaixar a Portuguesa para a Segunda Divisão no lugar do Fluminense. Em conversa com a Lusa, as partes resolveram mudar a defesa devido ao desgaste causado pelo assunto. Ele garante que faz o mesmo quando tem dois clientes com interesses conflitantes em um mesmo processo.
Osvaldo Sestário advogado caso Portuguesa (Foto: Thiago Lima )Sestário diz que, quando há interesses conflitantes, ele deixa de defender os clubes (Foto: Thiago Lima )

- Nesses anos, graças a Deus, foram poucos os conflitos, mas sempre que existe indico profissionais, e isso já está implícito nos contratos que faço, ou então peço para que os jurídicos dos clubes venham se fazer apresentar. Mas é raro, nesses dez anos dá para contar nos dedos conflitos que aconteceram - explicou.
Advogados que atuam no STJD não veem problemas na teia de relacionamentos criada por Sestário. Domingos Moro, que presta serviços para clubes paranaenses, e Gabriel Vieira, advogado do Grêmio, adotaram o mesmo discurso: nunca ouviram questionamentos sobre a ética do colega. Colecionador de vitórias em julgamentos polêmicos, Sestário agora se torna protagonista de um. Quem convive com o "advogado porta de STJD", expressão usada por um dos entrevistados, acha difícil que tudo tenha acontecido por falha dele. 
- Podem estar querendo pegar ele para Cristo - resumiu Paulo Schmitt

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