caldeirão político do Flamengo ferveu na véspera da partida mais importante do ano. Até a PM foi acionada, além de 40 seguranças particulares do clube. Enquanto o time de futebol se prepara para enfrentar o Botafogo na partida decisiva das quartas de final da Copa do Brasil, o Conselho Deliberativo votou, na noite desta terça-feira, na Gávea, o parecer apresentado pela comissão de inquérito que acompanhou os trabalhos de uma auditoria independente a respeito de adiantamentos na ordem de R$ 7,3 milhões na gestão Patrícia Amorim, sem a devida prestação de contas. E o documento, que aponta irregularidade falta de comprovação para gastos de R$ 1,6 milhão, foi reprovado em reunião com clima de eleição, bate-boca, empurra-empurra, choro e muita confusão.
A votação, normalmente com plaquinhas com um lado rubro e outro negro, teve de ser feita nominalmente, por conta da dificuldade em observar a maioria apenas olhando a sinalização anteriormente utilizada. Com isso, a reunião invadiu a madrugada e terminou com 170 votos pela reprovação do parecer, contra 133 pela aprovação. Houve ainda 11 abstenções. O resultado determinou o arquivamento do caso.
A votação, normalmente com plaquinhas com um lado rubro e outro negro, teve de ser feita nominalmente, por conta da dificuldade em observar a maioria apenas olhando a sinalização anteriormente utilizada. Com isso, a reunião invadiu a madrugada e terminou com 170 votos pela reprovação do parecer, contra 133 pela aprovação. Houve ainda 11 abstenções. O resultado determinou o arquivamento do caso.
O presidente do Conselho Deliberativo, Delair Dumbrosck, falou sobre o resultado e o clima tenso do encontro. Diante da decisão, não há mais qualquer possibilidade de punição a Patrícia em relação à reprovação das contas de 2011.
- Agora, com este resultado, o processo é arquivado e, posteriormente, convocaremos uma nova reunião para aprovação das contas. Foi um resultado político. Não foi uma reunião fácil, mas soubemos contemporizar e levar até o fim, apesar dos pedidos de adiamento - disse Dumbrosck.
Com o resultado, a ex-mandatária, seu vice de finanças na época, Michel Levy, o ex-presidente do Conselho Fiscal, Leonardo Ribeiro, e o ex-controller do clube e sócio emérito, William Pereira dos Santos, citados no parecer, ficam livres da acusação de infração ao artigo 37 do estatuto do Flamengo (veja os artigos no infográfico ao fim do texto). Ribeiro ainda era citado por infringir o artigo 120, com possibilidade de ser combinado ao artigo 51.
A reunião
O encontro no Conselho Deliberativo aconteceu em clima quente e com fortes divergências entre grupos políticos rivais. A possibilidade de sofrer punições fez com que Patrícia Amorim mobilizasse um grande número de aliados para votar pela reprovação do parecer. O mesmo aconteceu com membros da gestão atual, encabeçada por Eduardo Bandeira de Mello, que desde o início da reunião já demonstravam certo receio por uma possível desvantagem numérica.
Com início marcado para às 19h, a votação só foi aberta quase três horas depois e neste período foi possível ouvir gritarias, vaias e princípios de confusão mesmo do hall de entrada do clube - a imprensa não teve acesso, prática que vem sem adotada pela nova gestão para todas as reuniões de conselho. Em determinado momento, foi solicitada a presença de um dos dois seguranças localizados na portaria para ajudar a manter a ordem diante de ofensas e empurra-empurra. Neste momento, a revolta se deu após um simpatizante da situação pedir a retirada de uma aliada de Patrícia Amorim do auditório.
Patrícia Amorim se diz ‘condenada publicamente’
Em determinado momento, um dos conselheiros acionou até mesmo a Polícia Militar, que esteve na Gávea, mas não entrou no clube. Não foram poucos os momentos de tensão no local. Um deles aconteceu no discurso de defesa de Patrícia Amorim, interrompido por ofensas de opositores. A ex-presidente pediu sensibilidade na votação da pauta e se disse “já condenada” pela exposição dos fatos: (ouça parte do depoimento de Patrícia em áudio ao lado)
- Eu começo pedindo a sensibilidade de cada um de tentar, ainda que seja uma reunião política, ainda que tenhamos lados ideológicos diferentes, isso é extremamente benéfico para o crescimento do Flamengo. Vivemos em um estado democrático de direito, pensamos diferente, somos diferentes, temos origens diferentes, mas uma coisa nos une, que é o Flamengo. Então muito cuidado na avaliação, peço sensibilidade (...) Eu já fui condenada. Eu, Patrícia Amorim, ex-presidente do Flamengo, já fui condenada publicamente a pagar ou explicar rombos, ou qualquer prejuízo que por ventura alguém tenha algum indício ou acredite que aconteceu, mas não sabe explicar. Então, eu já fui condenada e vou explicar como isso aconteceu. O artigo 52 do estatuto, ele diz: tornar público assunto de caráter interno que prove escândalo denegrindo o nome do Flamengo. E foi exatamente o que aconteceu - disse a ex-presidente, que chorou durante a reunião.
Michel Levy e Leonardo Ribeiro discursam no conselho
Vice de finanças na gestão passada, Michel Levy se mostrou tranquilo quanto às acusações, que envolviam até mesmo a existência de notas frias datadas de 1994, para prestar contas de festas de fim de ano nos exercícios de 2010 e 2011. (ouça parte do depoimento de Levy em áudio ao lado)
- O intuito das pessoas aqui tem que ser valorizar o Flamengo, esclarecer fatos. O que eu afirmo e desafio a qualquer um de provar é que qualquer centavo aprovado pelo financeiro para pagamento não tenha um papel comprovando aquilo.
Outro citado no parecer, o ex-presidente do Conselho Fiscal, Leonardo Ribeiro, o Capitão Léo, tratou toda a polêmica como revanchismo político. Ele chegou a se envolver em um dos tumultos com partidários da atual diretoria.
- Quero combater o parecer traduzindo o que está por trás do massacre político imposto à diretoria. Aí, vem a surpresa, os documentos que vocês não têm. É um relatório. Olha só o que está por trás de tudo isso. Quando a comissão de inquérito faz as recomendações, dizendo que o Flamengo está totalmente desorganizado, ele inicia a defesa das reformas estatutárias. (escute parte do que disse Leonardo Ribeiro durante a reunião desta terça clicando em áudio ao lado).
Entenda o caso
No dia 4 de agosto de 2012, o GLOBOESPORTE.COM revelou um depoimento do então contador do Flamengo, Rogério Tosca da Encarnação, que foi ao Conselho Fiscal do clube tentar explicar um buraco de R$ 7 milhões em adiantamentos sem prestação de contas nos registros do exercício anterior. A reunião foi gravada em vídeo. Na ocasião, o contador descreveu o problema dessa forma:
- Eu sou colocado de costas e tenho de pedir desculpas a alguém que passa a mão na minha bunda, pedir desculpas por estar de costas. (...) Quero exercer a minha função e não posso fazê-lo. Presto contas de 114 empresas. Aqui só tem um problema: muito cacique e pouco índio. É o que está aqui – disse Rogério Tosca da Encarnação em explanação no Conselho Fiscal em 2012.
Em 20 de agosto de 2013, seria votado outro parecer sobre o mesmo tema, da comissão fiscal do Conselho de Administração, mas o presidente do órgão, Maurício Gomes de Mattos, retirou de pauta a apreciação do documento, exigindo a presença de todos os poderes do clube para levar o assunto adiante. A decisão não agradou à cúpula da atual diretoria, que não se opôs à sua reeleição no conselho mesmo tendo exercido esse cargo na gestão anterior.
O parecer da comissão de inquérito do Conselho Deliberativo ficou pronto na segunda-feira da semana passada e apontou que, dos R$ 7 milhões em adiantamentos, R$ 1,6 milhão permanece sem a devida prestação de contas. O GLOBOESPORTE.COM obteve transcrições do documento, que fazia acusações a alguns dos principais nomes da antiga gestão. Se aprovado, o documento seria encaminhado para que uma comissão do Deliberativo determinasse as penalidades, tomando novos depoimentos dos envolvidos. Entre as punições (citadas no artigo 28 do estatuto), estariam a obrigação de indenizar o clube e a eliminação do quadro social. Por serem eméritos e beneméritos, Leonardo Ribeiro, William Pereira e Patricia Amorim, teriam penalidades determinadas por comissão do Deliberativo, mas seriam julgados no Conselho de Administração, foro teoricamente mais brando para eles. Com a reprovação do parecer, o caso fica arquivado.
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