17 de out. de 2013

Comissão no Flamengo cita notas forjadas e R$ 1,6 milhão sem provas

Patrícia Amorim presidente do Flamengo (Foto: Alexandre Vidal / Fla Imagem)Patrícia Amorim foi acusada com outros três
ex-dirigentes (Foto: Alexandre Vidal / Fla Imagem)
A comissão de inquérito criada pelo Conselho Deliberativo do Flamengo para acompanhar a auditoria do adiantamento de R$ 7,3 milhões realizado na gestão de Patrícia Amorim já chegou a um parecer sobre o caso. Segundo o documento, R$ 1,6 milhão do valor total adiantado não foi devidamente esclarecido. Além disso, a comissão aponta tentativa de comprovar tal gasto com notas forjadas, datadas de 1994, para prestar contas do exercício de 2010 e 2011.
O relatório acusa quatro ex-dirigentes por infrações ao estatuto: a ex-presidente Patrícia Amorim, o seu vice-presidente de finanças, Michel Levy, o ex-presidente do Conselho Fiscal, Leonardo Ribeiro, e o ex-controller do clube e sócio emérito, William Pereira dos Santos. Patrícia, Levy e William são acusados de infração ao artigo 37 do estatuto (veja os artigos no infográfico ao fim do texto). Ribeiro, por sua vez, é citado por infringir o artigo 120, com possibilidade de ser combinado ao artigo 51. Há também menção a depoimentos de funcionários declarando desconhecer o uso de seus nomes para liberação dessas verbas.
Leonardo Ribeiro e William Pereira se defenderam e negaram as acusações - clique aqui e entenda. Patricia Amorim e Michel Levy não foram encontrados para falar sobre o assunto.
O parecer ficou pronto na última segunda-feira e já está à disposição dos conselheiros no clube, mas a diretoria não permite cópias ou fotografias das páginas. O GLOBOESPORTE.COM obteve transcrições do documento, que faz acusações a alguns dos principais nomes da antiga gestão. O documento será votado na próxima terça-feira e, se aprovado, será encaminhado para que uma comissão do Deliberativo determine as penalidades, tomando novos depoimentos dos envolvidos, trabalho que deve ter prazo estipulado em 60 dias. Entre as punições (citadas no artigo 28 do estatuto), estão a obrigação de indenizar o clube e a eliminação do quadro social.
Por serem eméritos e beneméritos, Leonardo Ribeiro, William Pereira e Patrícia Amorim, se o relatório for aprovado na terça-feira, teriam penalidades determinadas por comissão do Deliberativo, mas seriam julgados no Conselho de Administração, foro teoricamente mais brando para eles. O atual presidente do Conselho de Administração, Maurício Gomes de Mattos, foi um dos poucos remanescentes da gestão anterior, permanecendo no cargo. Ele tem bom trânsito em ambas as correntes, mas causou desconforto ao retirar da pauta a apreciação do parecer da comissão fiscal no Conselho de Administração, em agosto deste ano.
Queremos é punir o exemplo. A luta não é contra a Patrícia, é contra esse tipo de coisa que se banalizou. Criaram um slogan no Flamengo que no clube pode tudo, só não pode perder no futebol. Aí vira piada do Vampeta"
Moysés Akerman
O presidente da comissão que produziu o parecer, Moysés Akerman, explicou que recomendou que os envolvidos sejam ouvidos para o mais amplo direito de defesa.
- Pode chegar lá o controller, o vice de finanças, até a ex-presidente e dizer: "Olha, os documentos estão todos aqui". Com certeza vão tomar novos depoimentos. Se o parecer que diz que ocorreram infringências ao estatuto for acolhido, no mesmo dia é nomeada a comissão disciplinar. Aí vai se dar o mais amplo direito de defesa. O que queremos é: se o dinheiro saiu do caixa, tem de ter um documento. Só isso. Não é querer crucificar, queremos que o Flamengo seja exemplo e modelo, não pode repetir essas coisas. Estamos vivendo a época da transparência. Queremos é punir o exemplo. A luta não é contra a Patrícia, é contra esse tipo de coisa que se banalizou. Criaram um slogan no Flamengo que no clube pode tudo, só não pode perder no futebol. Aí vira piada do Vampeta - afirmou Akerman.
Os outros integrantes da comissão foram Luiz Felipe Fonseca Drummond (advogado), Ricardo Lomba Vilela Bastos (auditor fiscal), Hamílton de Oliveira Rimes e Túlio Cristiano Rodrigues (empresários).
Para a infração de Patrícia Amorim, os argumentos no parecer são de que ela “afirmou expressamente em seu depoimento desconhecer este tipo de procedimento financeiro do clube, e teria, segundo depoimento de seu próprio VP financeiro, contribuído para o agravamento da situação ao determinar por diversas ocasiões a realização de pagamentos sem a devida comprovação documental”. Sobre Michel Levy, o parecer afirma que “demonstrou total desapego à probidade administrativa” e “seguiu liberando verbas pelo procedimento adotado, ainda que as necessárias comprovações dos adiantamentos anteriormente realizados não tivessem ocorrido”.
Parecer da comissão diz que, em seu depoimento, Patricia "afirmou desconhecer este tipo de procedimento financeiro do clube"
Sobre William Pereira dos Santos, o parecer diz que a acusação se dá “por ter determinado as baixas contábeis em pleno desacordo com as normas padrões do Conselho Regional de Contabilidade”. No caso de Leonardo Ribeiro, a acusação se dá “por não ter o mesmo cumprido com sua prerrogativa estatutária, quando deveria ter representado ao poder competente ao constatar irregularidades em documentos contábeis ou falta destes, ou de outra natureza, como se faz evidente pelas juntadas, oitiva, laudos fortíssimos e até mesmo pelo depoimento pessoal por este assinado”.
Notas supostamente forjadas
Vice de finanças do Flamengo, Michel Levy fala sobre o balanço de 2011 do clube rubro-negro (Foto: Janir Junior / globoesporte.com)O ex-vice de finanças Michel Levy é acusado de
improbidade administrativa  (Foto: Janir Júnior)
Ainda restam mais acusações. São descritas a possibilidade do uso notas fiscais forjadas e o possível uso de nomes de funcionários do clube para liberação de adiantamentos sem o conhecimento dos mesmos. Diz o parecer:
“7.1.5- Chamou atenção desta comissão o fato, reiteradamente reproduzido pelos funcionários do clube que depuseram a esta comissão, de que os mesmos desconhecem o montante aberto em seus nomes pendentes da devida prestação de contas, tendo gerado, inclusive, perplexidade a afirmação de alguns de que seus nomes teriam sido indevidamente utilizados para a liberação de verbas a fim de fazer frente aos pagamentos do clube.
7.1.6 - Emblemático deste caos administrativo-contábil-financeiro, destaca-se por oportuno as notas fiscais 1361, 1362, 1370 e 1371, que foram emitidas a posteriori do evento realizado nas dependências do Flamengo para promover a confraternização do final de ano dos funcionários de 2010 e 2011, ambos realizados pelo mesmo fornecedor no valor atual de R$ 44.300,00, cujas AIDF (Autorização para impressão de Documentos Fiscais) são datadas de 29 de Marco de 1994, vencidas portanto muitos anos antes da emissão das notas fiscais, caracterizando-se tratar de documento irregular, e porque não dizer ‘frio’, emitido tão somente para fazer constar da contabilidade”.
Parecer aponta que notas fiscais emitidas para a confraternização de fim de ano dos funcionários do clube em 2010 e 2011 tinham autorização para impressão da Fazenda com data de 1994
- Isso existe, está lá, é grave, foi reprovado. Como exemplo, você vai agora para Manaus e volta com uma nota de 1994. Não quero acreditar que sejam pessoas que estiveram no Flamengo com má intenção, mas aconteceu, não podemos deixar passar. No momento em que me chamaram para fazer parte da comissão, não é para brincar. Agora, o plenário é soberano – afirmou Akerman.
Nos itens seguintes, o parecer discorre sobre outras irregularidades encontradas pela comissão de inquérito. Aponta inconsistências na documentação apresentada pelo controller do clube, William Pereira dos Santos: “a administração anterior do clube, que ao tomar ciência das inconsistências constatadas, na pessoa de seu controller, em junho de 2012, efetivou diversos lançamentos de baixa contabilidade sem a devida prestação de contas, sendo certo que estas baixas totalizavam a importância de R$ 599.808,32”.
‘Tentativa de encobrir vestígios’

Em seguida, outro tópico do parecer vai além: “Observou-se ainda a tentativa, por parte do mesmo controller, em retificar o balanço patrimonial de 2011 a ser assinado pelo contador do clube, que se recusou a fazê-lo em face da inexistência da documentação comprobatória, o que evidencia tentativa de encobrir os vestígios das irregularidades apontadas”.
Esses depoimentos foram na fase de instrução, como em um inquérito policial. O importante é saber quem autorizou a fazer, não quem fez. Porque a pessoa cumpre ordens ali"
Moysés Akerman
O trecho seguinte dá os valores exatos que permanecem sem a devida comprovação: “Finalmente, e não menos importante, o trabalho de auditoria constatou ainda a importância de R$ 1.590.431,62, na mesma conta de adiantamentos, que foram disponibilizados, sem a devida comprovação de origem. Restou igualmente demonstrado que o valor de R$ 1.636.704,44, foi baixado na contabilidade sem as devidas comprovações. Tais constatações demonstram de forma inequívoca a existência de irresponsabilidade contábil/financeira, perpetrada no exercício de 2011”.
- Exatamente, foi constatado. Tiveram um comportamento altamente funcional, correto e cumpriam ordens. Esses depoimentos foram na fase de instrução, como em um inquérito policial. O importante é saber quem autorizou a fazer, não quem fez. Porque a pessoa cumpre ordens ali. Era colocado o nome do funcionário para arrecadar um valor e servia para uma série de outras atividades. Que eram comuns, necessárias, não digo que não. Mas de uma maneira muito boa eles se documentaram e vieram documentados, aí foi baixando esse valor de R$ 7 milhões para R$ 1,6 milhão, que não tinha documento nenhum – disse Akerman.
Depoimentos e recomendações
A comissão de inquérito relata ter tomado os seguintes depoimentos para chegar a essas conclusões: os funcionários Tânia Luiza Nogueira da Silva Rodirgues, Glória Teixeira Mota Pereira, José Carlos Barbosa, Elza Maria dos Santos, Vitorino Correa da Silva Filho e o ex-funcionário Fransico Daniel Souza Paiva. Também foram ouvidos o contador da antiga gestão, Rogério Tosca da Encarnação, e o ex-controller William Pereira dos Santos, sócio emérito do clube. Entre os dirigentes, o parecer diz que foram ouvidos Luiz Cláudio (Cacau) Cotta, ex-vice-presidente do Fla-Gávea; Michel Levy Neto, ex-vice-presidente de finanças; Leonardo Ribeiro, ex-presidente do Conselho Fiscal; e a ex-presidente Patrícia Amorim.
No fim do parecer, há recomendações para procedimentos a serem adotados pela diretoria, entre elas “limitar a alçada dos adiantamentos de despesas a ocorrer valor ínfimo quando o empenho for de pequeno porte, e para alçadas de valores de maiores portes serem previamente autorizados pelo CODE e COFI”, além de “impossibilitar qualquer pagamento sem procedência evidenciada e transparente”.
Presidente do Deliberativo explica procedimentos
Delair Dumbrosck Flamengo (Foto: Globoesporte.com)O presidente do Deliberativo, Delair Dumbrosck,
promete direito de defesa (Foto: Globoesporte.com)
O presidente do Conselho Deliberativo do Flamengo, Delair Dumbrosck, garantiu não haver qualquer perseguição à antiga diretoria, mas destacou que é preciso explicar o valor de R$ 1,6 milhão. Assegurou que dará amplo direito de defesa aos acusados e que torce para que a documentação apareça.

- Ninguém está penalizando ninguém ainda. Estou tendo o cuidado de dar o amplo direito de defesa. O relatório vai ser apresentado e lido na terça-feira e vai definir se prossegue com o relatório ou se tudo não passou de um erro e está muito bem esclarecido, e não precisa penalizar ninguém. O plenário é soberano. Se continuar o processo, vou nomear uma outra comissão disciplinar, que vai analisar o relatório, pegar o estatuto e imputar responsabilidade a cada um. Essa comissão certamente dará o amplo direito de defesa, as pessoas vão tomar conhecimento do relatório. Pode ter até mais acusados depois.
O dirigente confirmou que já busca nomes para formar a comissão disciplinar que analisará as possíveis punições administrativas aos acusados. Segundo Delair, por conta da natureza dessa comissão, a intenção é privilegiar nomes ligados ao Direito. Ao comentar sobre as notas frias, Delair afirmou:
- Isso aí são coisas que você pode pegar e dizer que pagou. Alguém recebeu. Mas a nota, não tiveram o cuidado de verificar se era válida ou não. Por exemplo, se o Flamengo tiver uma fiscalização amanhã, poderia chegar a Receita e pegar essa nota porque ela não é legal. Não quer dizer que alguém colocou dinheiro no bolso, pode até ter colocado, mas tem de explicar. Se você tem as notas, os documentos, já foram chamados todos para explicar... Alguém tem uma responsabilidade. Então a comissão certamente chamará as pessoas ou os responsáveis e perguntar: “E aí?”.
A comissão disciplinar fará o parecer e minha comissão jurídica vai dizer onde ele tem de ser apreciado. O parecer é do Deliberativo. Onde vai ser analisado, onde será julgada a penalidade, é outra questão"
Delair Dumbrosck
Ele esclareceu que o relatório disciplinar será feito pela comissão a ser indicada pelo Deliberativo, caso o relatório seja aprovado na próxima terça-feira. Como Leonardo Ribeiro, William Pereira e Patrícia Amorim são sócios eméritos e beneméritos, as penalidades apontadas pela comissão do Deliberativo podem ser julgadas no Conselho de Administração.
- A comissão disciplinar fará o parecer e minha comissão jurídica vai dizer onde ele tem de ser apreciado. O parecer é do Deliberativo. Onde vai ser analisado, onde será julgada a penalidade, é outra questão. Por exemplo, vai para o Conselho de Administração. Analisam e, se não concordarem, fazem um recurso ao Deliberativo.
A reportagem do GLOBOESPORTE.COM tentou contato com os telefones celulares de Patrícia Amorim, que não atendeu e não dispunha de secretária eletrônica, e Michel Levy, que estava fora de área - foi deixado recado para o ex-vice de finanças.
Entenda o caso
No dia 4 de agosto de 2012, o GLOBOESPORTE.COM revelou um depoimento do então contador do Flamengo, Rogério Tosca da Encarnação, que foi ao Conselho Fiscal do clube tentar explicar um buraco de R$ 7 milhões em adiantamentos sem prestação de contas nos registros do exercício anterior. A reunião foi gravada em vídeo. Na ocasião, o contador descreveu o problema dessa forma:
- Eu sou colocado de costas e tenho de pedir desculpas a alguém que passa a mão na minha bunda, pedir desculpas por estar de costas. (...) Quero exercer a minha função e não posso fazê-lo. Presto contas de 114 empresas. Aqui só tem um problema: muito cacique e pouco índio. É o que está aqui – disse Rogério Tosca da Encarnação em explanação no Conselho Fiscal em 2012.
O tempo passou, a gestão mudou e, no início deste ano, a nova diretoria encomendou uma auditoria independente. Chegou a ser feita uma nova versão do balanço de 2011, com ajustes do Conselho Fiscal, mas o ex-vice de finanças Michel Levy e o então contador Rogério Tosca da Encarnação não assinaram o documento. Dessa forma, foi analisada pelo Deliberativo, que apontou pendências, a versão sem os ajustes. A comissão de inquérito que apresentou parecer na última segunda-feira foi criada justamente para acompanhar o trabalho da auditoria na questão dos adiantamentos não comprovados.
Em 20 de agosto de 2013, seria votado outro parecer sobre o mesmo tema, da comissão fiscal do Conselho de Administração, mas o presidente do órgão, Maurício Gomes de Mattos, retirou de pauta a apreciação do documento, exigindo a presença de todos os poderes do clube para levar o assunto adiante. A decisão não agradou à cúpula da atual diretoria, que não se opôs à sua reeleição no conselho mesmo tendo exercido esse cargo na gestão anterior.
Info_ESTATUTO_Flamengo-2 (Foto: Infoesporte)

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