9 de set. de 2013

Brasil Afora: hipnose, cacos de vidro e barras de ferro empurram o Atibaia

Quando foram contratados para disputar a Segundona do Campeonato Paulista (equivalente à quarta e última divisão do Estadual), os jogadores do Atibaia sabiam que o caminho da equipe seria tortuoso. Mas nem em pesadelo poderiam imaginar que nos passos a serem dados no torneio acabariam pisando em cacos de vidro. Muito menos que teriam que entortar barras de ferro com a força do pescoço. Pode parecer metáfora, daquelas de livro de auto-ajuda, mas o vídeo ao lado, do goleiro Ian, mostra que de fato os atletas têm passado por situações curiosas durante as concentrações. Até táticas de hipnose fazem parte da rotina dos boleiros.
Não se trata de punição da diretoria, muito menos de um ritual masoquista. O elenco, que conta com o meia Boquita, revelado pelo Corinthians, o também meia Francisco Alex, campeão brasileiro pelo São Paulo em 2007, além de Fernando Gaúcho, atacante com passagem por diversos clubes do país, conta com o treinador motivacional Olimar Tesser para desenvolver a força da mente do elenco. É ele quem comanda sessões de hipnose na concentração do Atibaia. O objetivo é aumentar a confiança dos atletas - e, assim, aumentar as chances de acesso à terceira divisão. O principal foco está em jogadores que passam por problemas pessoais.
O trabalho de Tesser no Falcão, como é conhecido o Atibaia, começou há dois meses. Ex-goleiro de Palmeiras, Corinthians e Fluminense, o treinador motivacional deixa claro que não há mágica. Os exercícios têm riscos mínimos e são voltados para elevar a auto-estima dos jogadores, garante ele.
- Eu trabalho o ser humano, o homem, e isso é refletido dentro de campo. Ele pensa que se conseguir entortar ferro e andar no vidro, pode fazer qualquer coisa no jogo. O cérebro não sabe distinguir o que é realidade ou não. Dois minutos de treino em hipnose têm o mesmo efeito que 20 minutos sem - disse.
Mosaico Atletas atibaia poder da mente (Foto: Danilo Sardinha)Jogadores do Atibaia entortam barra de ferro com a força do pescoço (Foto: Danilo Sardinha)
A sequência de fotos acima mostra a atividade de entortar uma barra de ferro de 2,4 metros de comprimento com o pescoço. Os atletas escrevem em um pedaço de papel do que têm medo. Com a resposta escrita, o papel é dobrado e colocado entre a ponta da barra e o pescoço do jogador. Tesser orienta os companheiros de equipe, fala algumas palavras de apoio enquanto os jogadores caminham um em direção ao outro, até entortarem a barra. O ritual é encerrado com um abraço. Não há sangue, corte, nada.
Entre os jogadores, a novidade foi recebida com certo receio. Com o tapete de cacos de vidro pela frente, muitos atletas recusaram a investida num primeiro momento. Nem mesmo o vice-presidente do clube, Leonardo Silvério, responsável pelo departamento de futebol do time, acreditava que o método poderia ter efeito.
Dois minutos de treino em hipnose equivalem a 20 minutos sem"
Olimar Tesser
- O Tesser foi indicado pelo hotel que é nosso parceiro aqui no time. Quando ele chegou, não acreditava muito nessas coisas, não. Falei isso na cara dele. Hoje, se pudesse, o teria aqui todo dia - disse Silvério. O treinador motivacional não é remunerado pelo trabalho. Como reside em Atibaia desde janeiro, Tesser vai ao clube quando sua agenda permite.
- Era véspera de jogo e ele apareceu com os cacos de vidro. Imagina o risco de cortar o pé um dia antes da partida? Hoje a gente se pergunta qual a próxima que ele vai aprontar. É estranho, mas tem nos ajudado - disse o goleiro Ian.
No elenco do Falcão, apenas Boquita já tinha participado das sessões de hipnose. Com o mesmo Tesser no Bahia em 2011. De lá, ainda se arrepia só de lembrar a vez que jura ter levantado o treinador motivacional apenas com a força de seus dedos indicadores da mão.
Volante Boquita, do Atibaia, com ferro no pescoço (Foto: Danilo Sardinha/Globoesporte.com)Boquita posiciona barra de ferro no pescoço (Foto: Danilo Sardinha/Globoesporte.com)
- É meio estranho, mas é um trabalho muito bom, que exercita algumas partes do cérebro que você não usa normalmente. O pior era andar no vidro. Não queria fazer de jeito nenhum. Mas essa vez de levantá-lo foi tenso. Ele disse que pesava mais de 100 quilos. Aí, depois, quando vi, só com os dedos tinha o levantado até aqui - disse Boquita, mostrando a altura de seu peito.
Para o meia, a terapia tem sido um incentivo a mais para voltar a atuar. Recuperando-se de uma cirurgia para tratar uma hérnia na região da virilha, Boquita se transferiu para o Atibaia à procura de uma sequência de jogos.
Resultado
Os métodos curiosos de Tesser parecem dar resultado. A equipe está na terceira fase da Segundona do Paulista, na liderança de seu grupo, ao lado do Água Santa. Com nove pontos em quatro jogos, o Falcão precisa de mais dois pontos nas duas partidas restantes para garantir a vaga na fase final do torneio. A equipe volta a campo nesta quarta-feira, 11, às 15h, diante do Água Santa, no estádio Salvador Russani.
Subir de divisão seria um feito inédito para o Falcão. Fundado em 2005, o Atibaia jamais deixou a Segundona. O clube nasceu para que a cidade conhecida como a Terra do Morango voltasse a ter um time de futebol profissional. As opções no passado foram o São João Futebol Clube (hoje um clube social), o Boa Vista Futebol Clube (extinto) e o Grêmio Esportivo Atibaiense (que deixou de ser profissional há pouco mais de 20 anos).
O Atibaia, presente na terceira fase do torneio, já iguala a melhor campanha de sua curta história, em 2007. E Tesser assiste aos jogos da arquibancada. Não dá palpite em escalação. No máximo, vai ao vestiário no intervalo quando o resultado é desfavorável e pede dois minutos ao treinador. Ele também assegura que ninguém vai a campo hipnotizado.
O treinador motivacional, Olimar Tesser (Foto: Danilo Sardinha/Globoesporte.com)Tesser brinca com o goleiro Leandro
(Foto: Danilo Sardinha/Globoesporte.com)
O início
Olimar Tesser conciliou a carreira de jogador com os estudos. Largou o gramado aos 30 anos para trabalhar em uma empresa de importação. Como sempre se interessou pelos estudos da mente, resolveu levar a sério o que era hobby até então. Sua primeira experiência em clube de futebol foi com o técnico Márcio Bittencourt, seu companheiro nos tempos de Corinthians, no Noroeste, em 2008.
- Em 2006, cheguei em casa e descobri que conseguia hipnotizar as pessoas. Hipnotizei logo a minha sogra. Aí, pensei: "Se posso hipnotizar qualquer animal, posso trabalhar com isso" - disse Tesser, que diz já ter desenvolvido sua terapia em Náutico, Guarani, Ponte Preta, São Caetano, Marília, Bahia e Paulista de Jundiaí

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