15 de fev. de 2013

Um 10 contra 11 em Linha Reta.*


*Colaborou Álvaro de Campos
É notório que minhas bizarrices comportamentais não faço o menor esforço pra mascarar. Assumo numa boa, sem mimimis justificatórios. Já escrevi uma centena de vezes aqui mesmo no nosso humilde bloguinho que eu não gosto de futebol, eu gosto é do Flamengo. Razão pela qual sou bastante bissexto quando o assunto é dar audiência a jogos de times pequenos. E quando digo pequenos não estou falando pejorativamente do Madureira, da Vasquinha ou do Flor.
Não, meu desprezo é desprovido de preconceito. Se evito testemunhar os jogos do campeonato Carioca por serem um verdadeiro soporífero, as peladas da Champions League igualmente me entediam e Copas do Mundo me provocam surtos de um anacrônico ludismo tão violentos que muito me esforço em refrear para não sair por aí como cão danado dando marretadas em televisores.
Melhor poupa-los de enfadonhos detalhes de caráter pessoal, em resumo é o seguinte: ainda que muitos relutem em admitir vivemos num evidente sistema flamengocêntrico. Onde o Mais Querido, sempre amado, adorado, salve, salve, é a estrela mais brilhante e com o mais poderoso campo gravitacional. Somos o incontestável pica das galáxias que atrai a tudo e a todos para sua própria órbita.
Por isso que quando o Fuderoso Vermelho e Preto não está em campo realmente não sou chegado ao balé viril da cuecada mal vestida correndo atrás do balão de couro. Vocês mesmo podem comprovar o que digo. Se o Mengão não está jogando é só procurar direito que na televisão sempre encontrarão alguma coisa melhor de se ver do que as peladas entre nossos satélites.
Mas agora que o Carnaval drenou toda luxúria e toda lascívia, me deixando a alma lavada e o coração puro, preciso confessar uma infâmia. Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, indesculpavelmente sujo, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, ando assistindo aos jogos do Foguinho. Pronto, falei.
Não que eu considere o futebol praticado pelo Foguinho digno de nota ou merecedor da minha atenção. Muito pelo contrário, o Foguinho continua a ser o mesmo timinho sem vergonha que tem sido nos últimos 50 anos (desde que Didi saiu pra jogar e treinar o Sporting Cristal). De 62 pra cá o único título que o Botafogo conquistou incontestavelmente foi o de Time que Morre na Praia, título arrebatado das mãos já trêmulas do simpático Ameriquinha da rua Campos Salles.
E não pense que ando dando audiência aos obscuros alvinegros à guisa de preparação para o clássico de domingo. Primeiro porque o Foguinho é freguês, não demandando maiores preocupações de quem ainda se lembra muito bem dos alvinegros a chafurdar na lama pestilenta das divisões subalternas. E em segundo lugar porque o chamado clássico não vale absolutamente porra nenhuma. Todo mundo já conhece de cor o enredo da ópera bufa dos carioqueta e sabe muito bem que esse ano um dos chamados grandes do Rio não irá às semifinais. E mais gente ainda sabe que esse um jamais será o Flamengo.
Ora, vocês devem estar se perguntando, mas se o Foguinho é assim tão fraco e desimportante porque esse imbecil não vai varrer a calçada ou lavar uma roupa no tanque em vez de perder tempo assistindo a caneleiros de camisa sem graça esburacar campinhos e zunir bolas pelas linhas de fundo da vida como se não houvesse um amanhã? E se vocês perguntam, eu, que repetidas vezes tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, respondo: só pago esse mico por causa de Clarence Seedorf.
A despeito do meu desinteresse pelo futebol em si admiro os grandes craques. E Seedorf é um craque, na mais completa acepção do termo. Um fora de série, um dos grandes da historia do belo esporte. Profissional dedicado, talentoso e dotado de um enorme carisma. Um ídolo de verdade, como os 18 torcedores alvinegros sobreviventes não viam em seu triste time desde que Mazolinha pendurou as chuteiras e voltou a dedicar-se ao ramo da construção civil.
Seedorf é uma estrela internacional que já ganhou tudo na vida. Fato que, aliás, justifica perfeitamente a sua presença em Soldado Severiano. Pois só mesmo um cara que já ganhou tudo no futebol poderia resolver, só pra agradar à esposa, encerrar a sua brilhante carreira em um time que não ganha nada desde o tempo em que o Suriname ainda se chamava Guiana Holandesa. É verdade que a possibilidade de morar no Leblon (e pertinho do berço de craques da Gávea) também deve ter influído para que ele tomasse tal excêntrica decisão. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos…
Para os jogadores brasileiros, mal criados e superestimados, e até para nós, torcedores, Seedorf é exemplo de tudo. De dedicação, de técnica e de respeito ao publico que pagou ingresso. É só por isso que, nesse verão escaldante em que é temerário se afastar demais do ar condicionado (que em casa de pobre fica sempre perto da televisão), assisti a vários jogos do Foguinho no carioqueta.
E por já ter confirmado que Seedorf é um sopro de classe e profissionalismo sem aspas no agonizante futebol carioca me arrisco a dizer que o Flamengo se engrandecerá ainda mais ao enfrenta-lo no domingo. O Foguinho provavelmente levará mais uma pisa do seu carrasco habitual, o grande fazedor de vices da cidade, e nisso não há grande novidade.
O Flamengo tem mais time, mais camisa, mais tradição e muito mais justos e melhores motivos para ganhar esse clássico. Mas, lamentavelmente, não temos um Seedorf para carregar o time nas costas e conferir pompa e circunstância até às cobranças de lateral. E ainda que  o Mengão Perfurador ganhar deles seja façanha das mais reles, jogar contra o Foguinho, desde que Seedorf esteja em campo, sempre nos será de grande valia.
A simples convivência da nossa empolgada molecada durante 90 minutos com Seedorf no mesmo gramado servirá como um daqueles cursos relâmpago em que acadêmicos de renome generosamente dividem a pérola do conhecimento com alunos novatos. E para nossos cansados veteranos será uma valiosa lição de como encerrar a carreira com a dignidade intacta.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida. Com todo respeito ao nosso provável estreante Carlos Eduardo, a quem desejamos a melhor das sortes, dessa vez, e só dessa vez, não há nada de feio em nós, rubro-negros fechados com o certo, admitirmos que o grande 10 do jogo estará do lado errado usando uma camisa feia.
Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Nós que fiquemos de olho no 10 deles e que façamos nossos onze honrarem o Manto. Não tem mistério, amigos, é partir pra cima deles com tudo, mulambada! Eles são poucos e não tem pra onde correr!
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Mengão Sempre

Nenhum comentário: