7 de jul. de 2012

Uma noite em 77: Capita estreia no Fla, contra o Flu, e Kalu é que brilha


Na centenária história do Fla-Flu, os clássicos muito famosos jamais serão esquecidos, não só por tricolores e rubro-negros, como por torcedores de outros clubes. No entanto, há também aqueles muito pouco lembrados, quase perdidos no tempo, como o da noite de sábado do dia 5 de fevereiro de 1977, a mesma em que foi exibido o último capítulo da versão original de "Escrava Isaura", novela de imenso sucesso na história da TV Globo. Flamengo e Fluminense se enfrentaram no Maracanã pelo segundo ano consecutivo na abertura da temporada de futebol no Rio de Janeiro e aquela noite marcou a estreia de Carlos Alberto Torres com a camisa rubro-negra. No entanto, quem acabou brilhando foi uma jovem revelação da Gávea, que só de última hora soube que jogaria: Kalu.
Flamengo time posado 1977 FlaxFlu (Foto: Arquivo / Ag. O Globo)O Fla que jogou em 5 de fevereiro de 1977: Roberto, Rondinelli, Carlos Alberto Torres, Júnior, Vanderlei Luxemburgo e Merica, em pé; Tita, Adílio, Kalu, Dendê e Luís Paulo, agachados (Foto: Arquivo / Ag. O Globo)
Se em 1976, valendo a Taça Nelson Rodrigues, o Rubro-Negro venceu a Máquina Tricolor por 4 a 1, no jogo que ficou conhecido como a "Zicovardia", um ano depois, sem o Galinho de Quintino, o time da Gávea voltou a vencer o Tricolor, desfalcado de Rivellino, por 3 a 1. E quem se destacou com dois gols foi um jovem de 19 anos chamado Kalu, formado no próprio clube rubro-negro, mas que teve passagem meteórica pela equipe profissional. Em ambas as partidas, Carlos Alberto Torres, capitão da Seleção Brasileira tricampeã do mundo em 1970, no México, esteve em campo: em 76, no Flu, e em 77, no Fla.
Se da primeira partida o Capita lembra só que "o Zico fez um monte de gols", do outro não tem recordação.
- Se você não me falasse, não me lembraria - afirmou Torres, hoje com 67 anos.
No entanto, um senhor 12 anos mais novo, que hoje vive na paradisíaca Cancún, no México, lembra-se perfeitamente daquela noite de sábado. Carlos Henrique da Silva Ferreira, ou mais simplesmente Kalu, tem ainda na memória não só lances da sua estreia no time profissional do Flamengo, como detalhes curiosos ocorridos antes mesmo da partida. Ele acabara de retornar de empréstimo ao Fluminense de Feira de Santana (BA), onde disputara o Campeonato Brasileiro de 1976.
Falei para o Andrade: "Vê o Fantástico amanhã que eu vou fazer dois gols". E fiz! E que golaços"
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- Quando regressei para o Flamengo eu era ainda juvenil (na época, o último estágio antes do profissional). O técnico era o Claudio Coutinho, o centroavante titular era o Luizinho (Tombo), e o reserva, o Marciano. No dia do jogo, de manhã, o Luizinho falou que não ia jogar, porque estava sem contrato. E o Marciano estava machucado. Aí o Coutinho telefonou para a concentração dos juvenis, que ficava na Praia do Flamengo, e me perguntou se eu estava bem, se não tinha ido a festa na noite anterior. Eu pensei que era brincadeira, algum trote. Porém, reconheci a voz dele, como sempre muito educado. Eu disse que não, mas era mentira, eu tinha saído com o Andrade, Gideoni e Jorge Brochado (companheiros de clube) para o ensaio da Beija-Flor, que era na sede do Botafogo, no Mourisco, e havia aprontado bastante. Não bebia, mas naquele dia bebi caipirinha à beça, fiquei doidão, bati com o carro e foram me pegar na praia. Mas disse "não capitão, dormi cedo". Mentirinha (risos). Ele me disse "vem para cá que o Luizinho não quer jogar". Quando saí da concentração, depois de pedir dinheiro emprestado para o táxi, falei para o Andrade: "Vê o Fantástico amanhã que eu vou fazer dois gols". E fiz! E que golaços - contou Kalu, que atualmente mora em Cancún, no México, onde é dono de restaurante e sócio de um hotel.
Carlos Alberto Torres entrevista 1976 (Foto: Agência Gazeta Press)Carlos Alberto Torres, em 1976, seu último ano
como jogador do Flu (Foto: Agência Gazeta Press)
Logo em seu primeiro ano como profissional, Carlos Alberto Torres disputou a memorável final de 1963 pelo lado tricolor. O jogo é até hoje o de maior público da história em partidas entre clubes (177.020 pagantes), e acabou com o Flamengo campeão, após o empate sem gols. Quando foi para o Rubro-Negro, 14 anos depois, ele já não jogava mais de lateral-direito, posição que o consagrou mundialmente, mas de zagueiro. Com 32 anos de idade, ele estreou bem, com a vitória sobre seu ex-time, mas ficou somente quatro meses na Gávea, jogando apenas 19 partidas. Muito mais rápida foi a história de Kalu no seu time do coração, apenas sete jogos e dois gols, os que fez contra o Fluminense.
- No primeiro gol (o segundo do Fla, Luís Paulo havia aberto o marcador), dei um drible no Edval e no Jorge Luís (zagueiros tricolores), e chutei para marcar. No segundo tempo, a torcida gritava "Kalu, Kalu", mas ninguém me conhecia, e aí joguei diferente. Eles fizeram 2 a 1 (gol de Doval), passaram a pressionar, mas no fim o Adílio meteu a bola para mim, peguei a bola e corri com ela, fiz que ia passar para o Tita (que também fez sua estreia no time profissional, mas na verdade era Dendê que o acompanhava à espera do passe), driblei o Félix e quase entrei com bola e tudo - relembrou o ex-atacante.
No entanto, um mês e dez dias depois, na transação que trouxe Cláudio Adão para o Flamengo, ele foi negociado para o Santos, clube no qual o Capita havia jogado de 1966 a 74 (com uma rápida passagem pelo Botafogo, em 71). Adão, inclusive, é outro que jogou nos dois clubes, sendo quatro vezes consecutivas campeão carioca: 1978, 79 e 79 (especial) pelo Fla, e 80, pelo Flu.
- O Coutinho era apaixonado pelo Cláudio Adão - afirmou Kalu, que disputou o Campeonato Paulista daquele ano no Peixe e logo em seguida foi vendido para o León, do México, onde também defendeu o Unión de Curtidores e o Atlético Potosino.
O Capita durou um pouco mais no Flamengo, cerca de cinco meses, mas não chegou a disputar uma competição inteira sequer.
- Pintou o convite do Cosmos (dos Estados Unidos), o futebol estava crescendo para burro lá. Eles estavam precisando de um zagueiro central, um líbero na verdade. Fizeram o convite, conversei com o pessoal do Flamengo, e o Marcio Braga, que era o presidente na época, disse que se pagassem o mesmo valor que havia pago ao Fluminense me liberaria. Era uma grande oportunidade. Pensei: "Vou agora, depois não dá mais". Eu ia fazer 33 anos - relembrou Carlos Alberto Torres.
Carlos Alberto Torres na inauguração do novo vestiário do Botafogo (Foto: Vicente Seda / Globoesporte.com)Carlos Alberto Torres autografa uma foto sua na Copa de 70 (Foto: Vicente Seda / Globoesporte.com)
Curiosamente, a ida de Torres para o Cosmos em 1977 acabaria ajudando muito o Fluminense sete anos depois. Com a amizade que fez no time de Nova York, ele conseguiu trazer Romerito, que também interessava ao Rubro-Negro, para o Tricolor em 1984. E comandando o paraguaio, sagrou-se campeão carioca daquele ano na final contra o Flamengo, clube que havia levado ao seu terceiro título brasileiro no ano anterior.
- Comecei a trabalhar como uma espécie de gerente de futebol, manager na época. Disse para o presidente do Fluminense, o Manoel Schwartz, que ia contratar um grande jogador para o Fluminense. Ele perguntou: "Quem?". Eu disse: "Não sei". Mas me deu um estalo e trouxe o Romerito para o Fluminense. Eu tinha saído do Cosmos um ano antes, o futebol estava parando nos Estados Unidos, e pela amizade que eu tinha por lá, viajamos para Nova York e o Fluminense não pagou um tostão para contratar o Romerito. E ele se encaixou muito bem no time, que foi campeão brasileiro com o Parreira. Depois que ele saiu, assumiu o Luis Henrique, que hoje é gerente de futebol. Aí o Flamengo ganhou o primeiro turno do Campeonato Carioca. O Schwartz demitiu o Luiz Henrique, que hoje é gerente de futebol, e disse para mim: "Não vou contratar ninguém, assume isso aí". Ganhamos o segundo turno e, no triangular (o Vasco também disputou), ganhamos a final contra o Flamengo (gol de Assis, de cabeça).
Depois, o Capita voltaria a treinar o Fluminense em 1994, mas teve uma passagem relâmpago pelas Laranjeiras. "Nem lembro por que saí", disse. E pegaria o Flamengo no Brasileiro de 2001 em situação desesperadora. Salvou o time do rebaixamento, perdeu a final da Copa Mercosul do mesmo ano contra o San Lorenzo, da Argentina, nos pênaltis, já em 2002, e pouco depois deixou o clube rubro-negro.
Kalu e Hugo Sanchez (Foto: Arquivo Pessoal)Kalu, capitão do Léon, cumprimenta Hugo Sánchez,
antes de jogo com o Pumas (Foto: Arquivo Pessoal)
Por outro lado, no país em que Torres levantou a taça Jules Rimet em 1970, Kalu encerraria sua carreira no futebol precocemente aos 29 anos, desiludido por ter sido impedido pelos dirigentes do Unión de Curtidores de se transferir para o Málaga, da Espanha. Aí resolveu se aventurar num esporte que começava a ser difundido em meados dos anos 80, o vôlei de praia. Ele revela que chegou a disputar na praia de Copacabana, em 1986, a prévia do que se tornaria o Circuito Mundial do esporte. Com seu sobrenome, Ferreira, voltou ao Brasil representando o México.
- O Zico estava lá e me viu. Ele ficou desconfiado, veio na minha direção depois e confirmou: "É o Kalu". Eu fiz "psiu", disse para ele ficar quieto, para não falar nada para ninguém - contou, aos risos, o herói quase esquecido de um Fla-Flu muito pouco lembrado.
Kalu Flamengo (Foto: Arquivo Pessoal)Kalu guarda identificação com o Flamengo depois de brilhar em Fla-Fla (Foto: Arquivo Pessoal)
FLAMENGO 3 X 1 FLUMINENSE
Roberto; Júnior (Dequinha), Rondineli (Paulo Roberto), Carlos Alberto Torres e Vanderlei; Merica, Dendê e Adilio; Tita (Júlio Cesar), Kalu e Luiz Paulo.Félix; Rubens Galaxe, Edval, Jorge Luís e Carlinhos; Cléber (Arturzinho), Wílson Guerreiro (Zé Maria) e Erivelto (Geraldão); Paulinho, Doval e Dirceu.
Técnico: Claudio CoutinhoTécnico: Mário Travaglini.
Estádio: Maracanã, no Rio de Janeiro. Data: 05/02/1977. Competição:Amistoso.
Gols: Luiz Paulo, aos 14, e Kalu, aos 43 minutos do primeiro tempo; Doval, aos 43, e Kalu, aos 44 minutos do segundo tempo.
Árbitro: Arnaldo César Coelho. Público: 20.162 pagantes.

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